O Desfecho
Prometeu sacudiu os braços manietados
E súplice pediu a eterna compaixão,
Ao ver o desfilar dos séculos que vão
Pausadamente, como um dobre de finados.Mais dez, mais cem, mais mil e mais um bilião,
Uns cingidos de luz, outros ensangüentados…
Súbito, sacudindo as asas de tufão,
Fita-lhe a água em cima os olhos espantados.Pela primeira vez a víscera do herói,
Que a imensa ave do céu perpetuamente rói,
Deixou de renascer às raivas que a consomem.Uma invisível mão as cadeias dilui;
Frio, inerte, ao abismo um corpo morto rui;
Acabara o suplício e acabara o homem.
Sonetos
2370 resultadosImpossível
Disseram-me hoje, assim, ao ver-me triste:
“Parece Sexta-Feira de Paixão.
Sempre a cismar, cismar de olhos no chão,
Sempre a pensar na dor que não existe …O que é que tem?! Tão nova e sempre triste!
Faça por estar contente! Pois então?! …”
Quando se sofre, o que se diz é vão …
Meu coração, tudo, calado, ouviste …Os meus males ninguém mos adivinha …
A minha Dor não fala, anda sozinha …
Dissesse ela o que sente! Ai quem me dera! …Os males de Anto toda a gente os sabe!
Os meus … ninguém … A minha Dor não cabe
Nos cem milhões de versos que eu fizera! …
Velho Tema I
Só a leve esperança, em toda a vida,
Disfarça a pena de viver, mais nada;
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida.Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.
Quando Se Vir Com Água O Fogo Arder
Quando se vir com água o fogo arder,
e misturar co dia a noite escura,
e a terra se vir naquela altura
em que se vem os Céus prevalecer;o Amor por razão mandado ser,
e a todos ser igual nossa ventura,
com tal mudança, vossa formosura
então a poderei deixar de ver.Porém não sendo vista esta mudança
no mundo (como claro está não ver-se),
não se espere de mim deixar de ver-vos.Que basta estar em vós minha esperança,
o ganho de minha alma, e o perder-se,
para não deixar nunca de querer-vos.
Noiva Da Agonia
Trêmula e só, de um túmulo surgindo,
Aparição dos ermos desolados,
Trazes na face os frios tons magoados,
De quem anda por túmulos dormindo…A alta cabeça no esplendor, cingindo
Cabelos de reflexos irisados,
Por entre aureolas de clarões prateados,
Lembras o aspecto de um luar diluindo…Não és, no entanto, a torva Morte horrenda,
Atra, sinistra, gélida, tremenda,
Que as avalanches da Ilusão governa…Mas ah! és da Agonia a Noiva triste
Que os longos braços lívidos abriste
Para abraçar-me para a Vida eterna!
Soneto I
De Amor escrevo, de Amor falo e canto;
E se minha voz fosse igual ao que amo,
Esperara eu sentir na que em vão chamo
Piedade, e na gente dor e espanto.Mas não há pena, ou língua, ou voz, ou canto
Que mostre o amor por que eu tudo desamo,
Nem o vivo fogo em que me sempre inflamo,
Nem de meus olhos o contino pranto.Assi me vou morrendo, sem ser crida
A causa por que em vão mouro contente,
Nem sei se isto que passo é vida ou morte.Mas inda da que eu amo fosse ouvida
E crida minha voz, e da vã gente
Nunca entendida fosse minha sorte!
Velhice
Água do rio Letes, onde passas?
Venha a mim o teu curso benfazejo
Que sepulta alegrias ou desgraças
No mesmo esquecimento sem desejo.Quero beber-te por contínuas taças…
E às horas do passado que revejo,
Pedir-te que as afogues e desfaças
Na carícia e na esmola do teu beijo!Quem de si nunca esteve satisfeito
E com novas empresas só procura
Corrigir seu engano ou seu defeito,Não pode recordar sem amargura
Que a mais nenhum esforço tem direito
Na ruína presente e na futura…
Mundo Interior
Ouço que a natureza é uma lauda eterna
De pompa, de fulgor, de movimento e lida,
Uma escala de luz, uma escala de vida
De sol à ínfima luzerna.Ouço que a natureza, – a natureza externa, –
Tem o olhar que namora e o gesto que intimida,
Feiticeira que ceva uma hidra de Lerna
Entre as flores da bela Armida.E contudo, se fecho os olhos, e mergulho
Dentro de mim, vejo à luz de outro sol, outro abismo
Em que um mundo mais vasto, armado de outro orgulho,Rola a vida imortal e o eterno cataclismo,
E, como o outro, guarda em seu âmbito enorme,
Um segredo que atrai, que desafia, – e dorme.
Amor De Mentiras
“Amor… De Mentiras…”
I
Eram beijos de fogo, eram de lavas,
e sabiam a sonhos e ambrosias.
Como pensar que a boca com que os dava
era a mesma afinal com que mentias?Se eras as mais humilde das escravas
em dádivas, anseios, alegrias,
– como prever que o amor que me juravas
seria mais uma das tuas heresias ?Como supor ser tudo um falso jogo?
E crer que se extinguisse aquele fogo
que acendia em teus olhos duas piras?E descobrir, – no instante em que me amavas, –
que em tua boca ansiosa misturavas
ao mesmo tempo beijos e mentiras ?
Há Cousa Como Ver Um Paiaiá
Há cousa como ver um Paiaiá,
Mui prezado de ser Caramuru,
Descendente de sangue de tatu,
Cujo torpe idioma é cobepá.A linha feminina é carimá
Moqueca, pititinga, caruru
Mingau de puba, e vinho de caju
Pisado num pilão de Pirajá.A masculina é um Aricobé
Cuja filha Cobé, cum branco Paí
Dormiu no promontório de Passé.O branco é um marau, que veio aqui;
Ela é uma índia de Maré
Cobépá, Aricobé, Cobé, Paí.
LIII
Ou já sobre o cajado te reclines,
Venturoso pastor, ou já tomando
Para a serra, onde as cabras vais chamando,
A fugir os meus ais te determines.Lá te quero seguir, onde examines
Mais vivamente um coração tão brando;
Que gosta só de ouvir-te, ainda quando
Mais sem razão me acuses, mais crimines.Que te fiz eu, pastor ? em que condenas
Minha sincera fé, meu amor puro? A
s provas, que te dei, serão pequenas?Queres ver, que esse monte áspero, e duro
Sabe, que és causa tu das minhas penas?
Pergunta-lhe; ouvirás, o que te juro.
O Livro dos Amantes
I
Glorifiquei-te no eterno.
Eterno dentro de mim
fora de mim perecível.
Para que desses um sentido
a uma sede indefinível.Para que desses um nome
à exactidão do instante
do fruto que cai na terra
sempre perpendicular
à humidade onde fica.E o que acontece durante
na rapidez da descida
é a explicação da vida.
Meu Céu Interior
Se esses teus olhos, no meu livro, imersos,
encontrarem diversas emoções,
– não tentes decifrar… – mil corações
nós os temos num só, todos diversos…Os meus poemas aqui, vivem dispersos,
como as estrelas… e as constelações…
– no céu das minhas íntimas visões,
no”meu céu interior…”cheio de versos.Não procures o poeta compreender…
– Os versos que umas cousas nos desnudam,
Outras cousas, ocultam, sem querer…Uns, são felizes… Outros, ao contrário…
– No rosário da vida, as contas mudam,
e os versos são contas de um rosário!…
Soneto a Vera
Estavas sempre aqui, nesta paisagem.
E nela permaneces, neste assombro
do tempo que só é o que já fomos,
um céu parado sobre o mar do instante.Vives subitamente em despedida,
calma de sonhos, simples visitante
daquilo que te cerca e do que fica
imóvel no que é breve, pouco e humano.As regatas ao sol vêm da penumbra
onde abria as janelas. E de então,
vou ao campo de trevo, à tua espera.O que passa persiste no que tenho:
a roupa no estendal, o muro, os pombos,
tudo é eterno quando nós o vemos.
Octavio
Toca a boca, olha as coisas abstrato
Percorre da varanda os quatro cantos
E tirando do corpo um carrapato
Imagina o romance mil e tantos…Logo após olha o mundo e o vê morrendo
Sob a opressão tirânica do mal
E como um passarinho, vai correndo…
Escrever um tratado socialÉ amigo de um “braço” na poesia
E de um outro que é só filosofia
E de um terceiro, romancista: vejaQuanto livro a escrever ainda teria
O ditador Octavio de Faria
Sob o signo cristão da nova Igreja…
Sorte
Depois que se casara aquela criatura,
Que a negra traição das pérfidas requinta,
Eu nunca mais a vi, pois, de ouropéis faminta,
De um bem fingido amor quebrara a ardente jura.Alta noite, porém, vi-a pela ventura,
Numa avenida estreita e lobrega da quinta…
Painel é que se cuida e sem color se pinta,
De alvo femíneo vulto ou madrugada escura.Maldito quem sentindo o pungitivo açoite
Do desprezo e na sombra a sombra de um afeto
A pular uma grade, um muro não se afoite.– Prometes ser discreto? – Ó meu amor! prometo…
Se não fosses tão curta, ó bem ditosa noite!
Se fosses mais comprido, ó pálido soneto!
O Lago Do Cisne
Foram meus olhos, duas asas tontas
que ao teu redor, como ao redor da luz
queimaram suas ânsias e ficaram
mortos no chão, como cigarras mortas…No bailado em que estavas, sobre o palco,
meu desejo – esse fauno de alma triste,
tomaria teu corpo e bailaria
até que o mundo se fundisse ao sonho…Olhos de luar e vinho que me seguem
na ária da solidão em que me envolvo
sem volta, sem partida, sem transcurso…Foram meus olhos que te descobriram
e ficaram vogando esse abandono
de cisne branco sobre o lago imenso…
Sê de Pedra!
Não reparaste nunca? Pela aldeia,
Nos fios telegraphicos da estrada,
Cantam as aves, desde que o sol nada,
E, á noite, se faz sol a lua cheia…No entanto, pelo arame que as tenteia,
Quanta tortura vae, n’uma ancia alada!
O Ministro que joga uma cartada,
Alma que, ás vezes, d’além-mar anceia:– Revolução! – Inutil. – Cem feridos,
Setenta mortos. – Beijo-te! – Perdidos!
– Emfim, feliz! – ?- ! – Desesperado. -Vem!E as lindas aves, bem se importam ellas!
Continuam cantando, tagarellas:
Assim, Antonio! deves ser tambem.
Com Os Mortos
Os que amei, onde estão? Idos, dispersos,
arrastados no giro dos tufões,
Levados, como em sonho, entre visões,
Na fuga, no ruir dos universos…E eu mesmo, com os pés também imersos
Na corrente e à mercê dos turbilhões,
Só vejo espuma lívida, em cachões,
E entre ela, aqui e ali, vultos submersos…Mas se paro um momento, se consigo
Fechar os olhos, sinto-os a meu lado
De novo, esses que amei vivem comigo,Vejo-os, ouço-os e ouvem-me também,
Juntos no antigo amor, no amor sagrado,
Na comunhão ideal do eterno Bem.
Ergue, Criança, A Fronte Condorina
Ergue, criança, a fronte condorina
Que é tua fronte, oh!, genial criança,
É como a estrela-d’alva da esperança,
Do talento sagrado que a ilumina!Ergue-a, pois, e que, à auréola purpurina
Do Sol da Ciência, o rútilo tesouro
Do Estudo – o Grande Mestre – que te ensina,
Chova sobre ela suas gemas d’ouro!E hoje que colhes um laurel bendito,
Aceita a saudação que num contrito
Fervor, eleva, qual penhor sinceroUm peito amigo a outro peito amigo,
A um gênio que desponta e que eu bendigo,
A um coração de irmão que tanto quero!