Sonetos sobre PaĂ­ses

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Sonetos de países escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Ăšltimo Porto

Este o paĂ­s ideal que em sonhos douro;
Aqui o estro das aves me arrebata,
E em flores, cachos e festões, desata
A Natureza o virginal tesouro;

Aqui, perpétuo dia ardente e louro
Fulgura; e, na torrente e na cascata,
A água alardeia toda a sua prata,
E os laranjais e o sol todo o seu ouro…

Aqui, de rosas e de luz tecida,
Leve mortalha envolva estes destroços
Do extinto amor, que inda me pesam tanto;

E a terra, a mĂŁe comum, no fim da vida,
Para a nudeza me cobrir dos ossos,
Rasgue alguns palmos do seu verde manto.

Boa Noite

Boa noite, meu amor, – diz boa noite, querida,
vou deitar-me, e sonhar contigo ainda uma vez,
a noite assim azul, cheia de luz, nĂŁo vĂŞs?
Parece que nos chama e a sonhar nos convida…

O céu é aquela folha onde deixei perdida
a histĂłria de um amor, que te contei talvez,
– hoje, nela eu não creio, e tu também não crês,
– mas, para que falar nessa história esquecida?…

Boa noite, meu amor… Vê se sonhas também…
“Um castelo encantado… um país muito além
e um príncipe ao teu lado amoroso e cortês…”

Com o céu azul assim, talvez dormir consiga,
vou sonhar…vou sonhar contigo, minha querida,
vê se sonhas também comigo alguma vez!.

Nostalgia

Nesse PaĂ­s de lenda, que me encanta,
Ficaram meus brocados, que despi,
E as jóias que p’las aias reparti
Como outras rosas de Rainha Santa!

Tanta opala que eu tinha! Tanta, tanta!
Foi por lá que as semeei e que as perdi…
Mostrem-me esse PaĂ­s onde eu nasci!
Mostrem-me o Reino de que eu sou Infanta!

O meu PaĂ­s de sonho e de ansiedade,
NĂŁo sei se esta quimera que me assombra,
É feita de mentira ou de verdade!

Quero voltar! Não sei por onde vim…
Ah! NĂŁo ser mais que a sombra duma sombra
Por entre tanta sombra igual a mim!

Exilada

Bela viajante dos paĂ­ses frios
NĂŁo te seduzam nunca estes aspectos
Destas paisagens tropicais — secretos,
— Os teus receios devem ser sombrios.

És branca e és loura e tens os amavios
Os incĂłgnitos filtros prediletos
Que podem produzir ondas de afetos
Nos mais sensíveis corações doentios.

Loura Visão, Ofélia desmaiada,
Deixa esta febre de ouro, a febre ansiada
Que nos venenos deste sol consiste.

Emigra destes cálidos países,
Foge de amargas, fundas cicatrizes,
Das alucinações de um vinho triste…

Sensibilidade

Como os audazes, ruivos argonautas,
Intrépidos, viris e corajosos
Que voltam dos orientes fantasiosos,
Dos paĂ­ses de NĂşbios e Aranautas.

Como esses bravos, que por naus incautas,
Regressam dos oceanos borrascosos,
Indo encontrar nos lares harmoniosos
De luz, vinho e alegria as mesas lautas.

Tal o meu coração, quando aparece
A tua imagem, canta e resplandece,
Sem lutas, sem paixões, livre de abrolhos.

A meu pesar, louco de ver-te, louco,
As lágrimas me correm pouco a pouco,
Como o champanhe virginal dos olhos…

Seria Eterno

Seria eterno, se nĂŁo fosse entrando
por aquele paĂ­s de solidĂŁo,
aonde ver a luz alarga, quando
e alarga, Ă  volta, a vinda do verĂŁo.

Seria eterno. Assim somente o brando
movimento de entrar se lhe mensura,
conforme ver, ao ir-se dilatando,
amplia o campo Ăştil da ternura.

E, enquanto entra, um cântico de brisa
lembra quanto por campos foi outrora
tempo apagando a sua face lisa,

qual se alisando, se apagasse a hora.
E, indo entrando, a solidĂŁo se irisa
e o vai esquecendo pelo tempo fora.

Benoit

Acende no meu peito o sério lume
Aceso no teu peito porco e bento,
E sĂŞ no medo meu, no meu tormento,
O mestre predileto, o amado nume

Capaz de iluminar, sob o cardume
De estrelas, uma estrada que, por dentro,
Percorre o meu paĂ­s de amor, detento
De tudo que te fez, no mundo, estrume.

Vem dar-me o braço e me levar até
Por onde andaste, noivo e peregrino,
Da Pátria que se esconde atrás da Fé.

Ensina-me a viver o Amor Divino,
E quando o meu cajado florescer,
Dá-me o teu santo modo de morrer.

Das Unnennbare

Oh quimera, que passas embalada
Na onda de meus sonhos dolorosos,
E roças co’os vestidos vaporosos
A minha fronte pálida e cansada!

Leva-te o ar da noite sossegada…
Pergunto em vĂŁo, com olhos ansiosos,
Que nome Ă© que te dĂŁo os venturosos
No teu paĂ­s, misteriosa fada!

Mas que destino o meu! e que luz baça
A d’esta aurora, igual à do sol posto,
Quando só nuvem lívida esvoaça!

Que nem a noite uma ilusĂŁo consinta!
Que só de longe e em sonhos te presinta…
E nem em sonhos possa ver-te o rosto!

Risadas

Ă€s criaturas alegres

Fantasia, Ăł fantasia, tropo ardente
Da aurora alegre undiflavando as bandas
Do adamascado e rĂşbido oriente,
Ó fantasia, águia das asas pandas.

Tu que os clarins do sonho mais fulgente
Das Julietas, feres, nas varandas,
Ă“ fantasia dos Romeus, Ăł crente,
Por que paĂ­ses meridionais tu andas?!

Vem das esferas, entre os sons que vibras.
Vem, que desejo emocionar as fibras,
Quero sentir como este sangue impulsas.

Noiva do sol que os sĂłis preclaros gozas
Para rimar umas canções de rosas,
Como risadas de cristal, avulsas…

Há Um País Imenso Mais Real

Há um país imenso mais real
Do que a vida que o mundo mostra Ter
Mais do que a Natureza natural
Ă€ verdade tremendo de viver.

Sob um céu uno e plácido e normal
Onde nada se mostra haver ou ser
Onde nem vento geme, nem fatal
A idéias de uma nuvem se faz crer,

Jaz – uma terra não – não há um solo
Mas estranha, gelando em desconsolo
À alma que vê esse país sem véu,

Hirtamente silente nos espaços
Uma floresta de escarnados braços
Inutilmente erguidos para o céu.

A Nossa Casa

A nossa casa, Amor, a nossa casa!
Onde está ela, Amor, que não a vejo?
Na minha doida fantasia em brasa
ConstrĂłi-a, num instante, o meu desejo!

Onde está ela, Amor, a nossa casa,
O bem que neste mundo mais invejo?
O brando ninho aonde o nosso beijo
Será mais puro e doce que uma asa?

Sonho… que eu e tu, dois pobrezinhos,
Andamos de mĂŁos dadas, nos caminhos
Duma terra de rosas, num jardim,

Num país de ilusão que nunca vi…
E que eu moro – tão bom! – dentro de ti
E tu, ó meu Amor, dentro de mim…

Legado

Que lembrança darei ao país que me deu
tudo que lembro e sei, tudo quanto senti?
Na noite do sem-fim, breve o tempo esqueceu
minha incerta medalha, e a meu nome se ri.

E mereço esperar mais do que os outros, eu?
Tu nĂŁo me enganas, mundo, e nĂŁo te engano a ti.
Esses monstros atuais, nĂŁo os cativa Orfeu,
a vagar, taciturno, entre o talvez e o se.

NĂŁo deixarei de mim nenhum canto radioso,
uma voz matinal palpitando na bruma
e que arranque de alguém seu mais secreto espinho.

De tudo quanto foi meu passo caprichoso
na vida, restará, pois o resto se esfuma,
uma pedra que havia em meio do caminho.

Outonal

Caem as folhas mortas sobre o lago!
Na penumbra outonal, nĂŁo sei quem tece
As rendas do silêncio…Olha, anoitece!
— Brumas longínquas do País Vago…

Veludos a ondear…Mistério mago…
Encantamento…A hora que não esquece,
A luz que a pouco e pouco desfalece,
Que lança em mim a bênção dum afago…

Outono dos crepĂşsculos doirados,
De pĂşrpuras, damascos e brocados!
— Vestes a Terra inteira de esplendor!

Outono das tardinhas silenciosas,
Das magnĂ­ficas noites voluptuosas
Em que soluço a delirar de amor…

XXVI

Quando cantas, minh’alma desprezando
O invĂłlucro do corpo, ascende Ă s belas
Altas esferas de ouro, e, acima delas,
Ouve arcanjos as cĂ­taras pulsando.

Corre os paĂ­ses longes, que revelas
Ao som divino do teu canto: e, quando
Baixas a voz, ela também, chorando,
Desce, entre os claros grupos das estrelas.

E expira a tua voz. Do paraĂ­so,
A que subira ouvĂ­ndo-te, caĂ­do,
Fico a fitar-te pálido, indeciso…

E enquanto cismas, sorridente e casta,
A teus pés, como um pássaro ferido,
Toda a minh’alma trêmula se arrasta.

Perfume ExĂłtico

Quando eu a dormitar, num Ă­ntimo abandono,
Respiro o doce olor do teu colo abrasante,
Vejo desenrolar paisagem deslumbrante
Na auréola de luz d’um triste sol de outono;

Um Ă©den terreal, uma indolente ilha
Com plantas tropicais e frutos saborosos;
Onde há homens gentis, fortes e vigorosos,
E mulher’s cujo olhar honesto maravilha.

Conduz-me o teu perfume Ă s paragens mais belas;
Vejo um porto ideal cheio de caravelas
Vindas de percorrer paĂ­ses estrangeiros;

E o perfume subtil do verde tamarindo,
Que circula no ar e que eu vou exaurindo,
Vem juntar-se em minh’alma à voz dos marinheiros.

Tradução de Delfim Guimarães

Quando Apareces, Fica-Se ImpassĂ­vel

Quando apareces, fica-se impassĂ­vel
E mudo e quedo, trêmulo, gelado!…
Quer-se ficar com atenção, calado,
Quer-se falar sem mesmo ser possĂ­vel!.

Anda-se c’o a alma n’um estado horrível
O coração completamente ervado!…
Quer-se dar palmas, mas sem ser notado,
Quer-se gritar, n’uma explosão temível!…

Sobe-se e desce-se ao paĂ­s das fadas,
Vaga-se co’as nuvens das mansões douradas
Sob um esforço colossal, titânico!…

E as idéias galopando voam…
Então lá dentro sem parar, ressoam
As indomáveis convulsões do crânio!!…

Caravelas

Cheguei a meio da vida já cansada
De tanto caminhar! Já me perdi!
Dum estranho paĂ­s que nunca vi
Sou neste mundo imenso a exilada.

Tanto tenho aprendido e nĂŁo sei nada.
E as torres de marfim que construĂ­
Em trágica loucura as destruí
Por minhas prĂłprias mĂŁos de malfadada!

Se eu sempre fui assim este Mar-Morto,
Mar sem marés, sem vagas e sem porto
Onde velas de sonhos se rasgaram.

Caravelas doiradas a bailar…
Ai, quem me dera as que eu deitei ao Mar!
As que eu lancei à vida, e não voltaram!…

Navios-Fantasmas

O arabesco fantástico do fumo
Do meu cigarro traça o que disseste,
A azul, no ar, e o que me escreveste,
E tudo o que sonhaste e eu presumo.

Para a minha alma estática e sem rumo,
A lembrança de tudo o que me deste
Passa como navio que perdeste,
No arabesco fantástico do fumo…

Lá vão! Lá vão! Sem velas e sem mastros,
TĂŞm o brilho rutilante de astros,
Navios-fantasmas, perdem-se a distância!

VĂŁo-me buscar, sem mastros e sem velas,
Noiva-menina, as doidas caravelas,
Ao ignoto País da minha infância…