Sonetos sobre PĂĄramo de Cruz e Souza

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Sonetos de pĂĄramo de Cruz e Souza. Leia este e outros sonetos de Cruz e Souza em Poetris.

Minh’alma EstĂĄ Agora Penetrando

Minh’alma estĂĄ agora penetrando
Lå na etérea plaga, cristalina!
Que mĂșsica meu Deus febril, divina
Nos pĂĄramos azuis vai retumbando!

AlĂ©m, d’ĂĄureo dossel se estĂĄ rasgando
Custosa, de primor, esmeraldina
DiĂĄfana, sutil, longa cortina
Enquanto céus se vão duplando!

Em grande pedestal marmorizado
De Paiva se divisa o busto enorme
Soberbo como o sol, de luz croado

De um lado o porvir — Antheu disforme
Dos lĂĄbios faz soltar pujante brado
Hosanas! nĂŁo morreu! apenas dorme.

No Egito

Sob os ardentes sĂłis do fulvo Egito
De areia estuosa, de candente argila,
Dos sonhos da alma o turbilhĂŁo desfila,
Abre as asas no pĂĄramo infinito.

O Egito Ă© sempre o amigo, o velho rito
Onde um mistério singular se asila
E onde, talvez mais calma, mais tranqĂŒila
A alma descansa do sofrer prescrito.

Sobre as ruĂ­nas d’ouro do passado,
No céu cavo, remoto, ermo e sagrado,
Torva morte espectral pairou ufana…

E no aspecto de tudo em torno, em tudo,
Árido, pétreo, silencioso, mudo,
Parece morta a prĂłpria dor humana!

PlenilĂșnio

VĂȘs este cĂ©u tĂŁo lĂ­mpido e constelado
E este luar que em fĂșlgida cascata,
Cai, rola, cai, nuns borbotĂ”es de prata…
VĂȘs este cĂ©u de mĂĄrmore azulado…

VĂȘs este campo intĂ©rmino, encharcado
Da luz que a lua aos pĂĄramos desata…
VĂȘs este vĂ©u que branco se dilata
Pelo verdor do campo iluminado…

VĂȘs estes rios, tĂŁo fosforescentes,
Cheios duns tons, duns prismas reluzentes,
VĂȘs estes rios cheios de ardentias…

VĂȘs esta mole e transparente gaze…
Pois Ă©, como isso me parecem quase
Iguais, assim, Ă s nossas alegrias!

Spleen De Deuses

Oh! DĂĄ-me o teu sinistro Inferno
Dos desesperos tétricos, violentos,
Onde rugem e bramem como os ventos
AnĂĄtemas da Dor, no fogo eterno…

DĂĄ-me o teu fascinante, o teu falerno
Dos falernos das lĂĄgrimas sangrentos
Vinhos profundos, venenosos, lentos
Matando o gozo nesse horror do Averno.

Assim o Deus dos PĂĄramos clamava
Ao DemĂŽnio soturno, e o rebelado,
CapricĂłrnio SatĂŁ, ao Deus bradava.

Se Ă©s Deus-e jĂĄ de mim tens triunfado,
Para lavar o Mal do Inferno e a bava
DĂĄ-me o tĂ©dio senil do cĂ©u fechado…

Mocidade

Ah! esta mocidade! — Quem Ă© moço
Sente vibrar a febre enlouquecida
Das ilusÔes, da crença mais florida
Na muscular artĂ©ria de Colosso…

Das incertezas nunca mede o poço…
Asas abertas — na amplidĂŁo da vida,
PĂĄramo a dentro — de cabeça erguida,
VĂȘ do futuro o mais alegre esboço…

Chega a velhice, a neve das idades
E quem foi moço, volve, com saudades,
Do azul passado, o fulgido compĂȘndio…

Ai! esta mocidade palpitante,
Lembra um inseto de ouro, rutilante,
Em derredor das chamas de um incĂȘndio!

Guerra Junqueiro

Quando ele do Universo o largo supedĂąneo
Galgou como os clarĂ”es — quebrando o que nĂŁo serve,
Fazendo que explodissem os astros de seu crĂąnio,
As gemas da razĂŁo e os mĂșsculos da verve;

Quando ele esfuziou nos pĂĄramos as trompas,
As trompas marciais — as liras do estupendo,
Pejadas de prodĂ­gios, assombros e de pompas,
Crescendo em proporçÔes, crescendo e recrescendo;

Quando ele retesou os nervos e as artérias
Do verso orbicular — rasgando das misĂ©rias
O ventre do Ideal na forte hematemese.

Clamando — Ă© minha a luz, que o sĂ©culo propague-a,
Quando ele avassalou os pĂ­ncaros da ĂĄguia
E o sol do Equador vibrou-lhe aquelas teses!

Alma Antiga

PÔe a tua alma francamente aberta
Ao sol que pelos pĂĄramos faĂ­sca,
Que o sol para a tua alma velha e prisca
Deve de ser como um clarim de alerta.

Desperta, pois, por entre o sol, desperta
Como de um ninho a pomba quente e arisca
À luz da aurora que dos altos risca
De listrĂ”es d’ouro a vastidĂŁo deserta.

Vai por abril em flores gorgeando
Como påssaro exul as cançÔes leves
Que os ventos vĂŁo nas ĂĄrvores deixando.

E tira da tua alma, Ăł doce amiga,
Almas serenas, puras como a neve,
Almas mais novas que a tua alma antiga!