Hoje
Fiz anos hoje… Quero ver agora
Se este sofrer que me atormenta tanto
Me não deixa lembrar a paz, o encanto,
A doce luz de meu viver de outr’ora.Tão moça e mártir! Não conheço aurora,
Foge-me a vida no correr do pranto,
Bem como a nota de choroso canto
Que a noite leva pelo espaço em fora.Minh’alma voa aos sonhos do passado,
Em busca sempre d’esse ninho amado
Onde pousava cheia de alegria.Mas, de repente, num pavor de morte,
Sente cortar-lhe o vôo a mão da sorte…
Minha ventura só durou um dia.
Sonetos sobre Passado
80 resultadosDebaixo Do Tamarindo
No tempo de meu Pai, sob estes galhos,
Como uma vela fúnebre de cera,
Chorei bilhões de vezes com a canseira
De inexorabilíssimos trabalhos!Hoje, esta árvore de amplos agasalhos
Guarda, como uma caixa derradeira,
O passado da flora brasileira
E a paleontologia dos Carvalhos!Quando pararem todos os relógios
De minha vida, e a voz dos necrológios
Gritar nos noticiários que eu morri,Voltando à pátria da homogeneidade,
Abraçada com a própria Eternidade,
A minha sombra há de ficar aqui!
Supremo Enleio
Quanta mulher no teu passado, quanta!
Tanta sombra em redor! Mas que me importa?
Se delas veio o sonho que conforta,
A sua vinda foi três vezes santa!Erva do chão que a mão de Deus levanta,
Folhas murchas de rojo à tua porta…
Quando eu for uma pobre coisa morta,
Quanta mulher ainda! Quanta! Quanta!Mas eu sou a manhã: apago estrelas!
Hás de ver-me, beijar-me em todas elas,
Mesmo na boca da que for mais linda!E quando a derradeira, enfim, vier,
Nesse corpo vibrante de mulher
Será o meu que hás de encontrar ainda…
Freira
Em teu calmo semblante e em teu olhar parado
há perdido – bem sei – um mistério qualquer…
– quem sabe se pecaste… e se foi teu pecado
quem te fez esquecer que és bela e que é mulher…Hoje es santa… O passado passou — é passado…
– dele já não terás uma ilusão sequer,
e o amor que se tornou funesto e amargurado,
sepultas no silêncio… e em teu árduo mister…Mais à frente está a vida… a vida humana e bela!
– teu presente é uma prece; teu passado: um poema;
teu futuro: um rosário, um altar, uma cela…Evadida do mundo – ao ver-te, à luz do dia
– não sei se te admiro a renúncia suprema,
ou se lastimo a tua imensa covardia!
Se as Penas com que Amor Tão Mal me Trata
Se as penas com que Amor tão mal me trata
Permitirem que eu tanto viva delas,
Que veja escuro o lume das estrelas,
Em cuja vista o meu se acende e mata;E se o tempo, que tudo desbarata,
Secar as frescas rosas, sem colhê-las,
Deixando a linda cor das tranças belas
Mudada de ouro fino em fina prata;Também, Senhora, então vereis mudado
O pensamento e a aspereza vossa,
Quando não sirva já sua mudança.Ver-vos-eis suspirar por o passado,
Em tempo quando executar-se possa
No vosso arrepender minha vingança.
Ó Páginas Da Vida Que Eu Amava
Ó páginas da vida que eu amava,
Rompei-vos! nunca mais! tão desgraçado!…
Ardei, lembranças doces do passado!
Quero rir-me de tudo que eu amava!E que doido que eu fui! como eu pensava
Em mão, amor de irmã! em sossegado
Adormecer na vida acalentado
Pelos lábios que eu tímido beijava!Embora – é meu destino. Em treva densa
Dentro do peito a existência finda…
Pressinto a morte na fatal doença!…A mim a solidão da noite infinda!
Possa dormir o trovador sem crença…
Perdoa, minha mão – eu te amo ainda!
Soneto III – A Um Infeliz
Geme, geme, mortal infortunado,
É fado teu gemer continuamente:
Perante as leis do Fado és delinqüente,
Sempre tirano algoz terás no Fado.Mas para não ser mais envenenado
O fel que essa alma bebe, e o mal que sente,
Não te iluda o falaz riso aparente
De um futuro de rosas coroado.Só males o presente te afiança:
Encrustado de vermes charco imundo
Se te volve o passado na lembrança.Busca, pois, o da morte ermo profundo:
Despedaça a grinalda da esperança:
Crava os olhos na campa, e deixa o mundo.
Noiva E Triste
Rola da luz do céu, solta e desfralda
Sobre ti mesma o pavilhão das crenças,
Constele o teu olhar essas imensas
Vagas do amor que no teu peito escalda.A primorosa e límpida grinalda
Há de enflorar-te as amplidões extensas
Do teu pesar — há de rasgar-te as densas
Sombras — o véu sobre a luzente espalda…Inda não ri esse teu lábio rubro
Hoje — inda n’alma, nesse azul delubro
Não fulge o brilho que as paixões enastra;Mas, amanhã, no sorridor noivado,
A vida triste por que tens passado,
De madressilvas e jasmins se alastra.
Voz de Outono
Ouve tu, meu cansado coração,
O que te diz a voz da Natureza:
— «Mais te valera, nú e sem defesa,
Ter nascido em aspérrima soidão,Ter gemido, ainda infante, sobre o chão
Frio e cruel da mais cruel
deveza, Do que embalar-te a Fada da Beleza,
Como embalou, no berço da Ilusão!Mais valera à tua alma visionária
Silenciosa e triste ter passado
Por entre o mundo hostil e a turba vária,(Sem ver uma só flor, das mil, que amaste)
Com ódio e raiva e dor… que ter sonhado
Os sonhos ideais que tu sonhaste!» —
Aurora Morta, Foge! Eu Busco A Virgem Loura
Aurora morta, foge! Eu busco a virgem loura
Que fugiu-me do peito ao teu clarão de morte
E Ela era a minha estrela, o meu único Norte,
O grande Sol de afeto – o Sol que as almas doura!Fugiu… e em si a Luz consoladora
Do amor – esse clarão eterno d’alma forte –
Astro da minha Paz, Sírius da minha Sorte
E da Noute da vida a Vênus Redentora.Agora, oh! Minha Mágoa, agita as tuas asas,
Vem! Rasga deste peito as nebulosas gazas
E, num Pálio auroral de Luz deslumbradora,Ascende à Claridade. Adeus oh! Dia escuro,
Dia do meu Passado! Irrompe, meu Futuro;
Aurora morta, foge – eu busco a virgem loura!
É Delicada, Suave, Vaporosa
É delicada, suave, vaporosa,
A grande atriz, a singular feitura…
É linda e alva como a neve pura,
Débil, franzina, divinal, nervosa!…E d’entre os lábios setinais, de rosa
Libram-se pérolas de nitente alvura…
E doce aroma de sutil frescura
Sai-lhe da leve compleição mimosa!…Quando aparece no febril proscênio
Bem como os mitos do passado, ingentes,
Bem como um astro majestoso, helênio…Sente-se n’alma as atrações potentes
Que só se operam ao fulgor do gênio,
As rubras chispas ideais, ferventes!…
Velhice
Água do rio Letes, onde passas?
Venha a mim o teu curso benfazejo
Que sepulta alegrias ou desgraças
No mesmo esquecimento sem desejo.Quero beber-te por contínuas taças…
E às horas do passado que revejo,
Pedir-te que as afogues e desfaças
Na carícia e na esmola do teu beijo!Quem de si nunca esteve satisfeito
E com novas empresas só procura
Corrigir seu engano ou seu defeito,Não pode recordar sem amargura
Que a mais nenhum esforço tem direito
Na ruína presente e na futura…
Indiferença
Hoje, voltas-me o rosto, se ao teu lado
passo. E eu, baixo os meus olhos se te avisto.
E assim fazemos, como se com isto,
pudéssemos varrer nosso passado.Passo esquecido de te olhar, coitado!
Vais, coitada, esquecida de que existo.
Como se nunca me tivesses visto,
como se eu sempre não te houvesse amadoMas, se às vezes, sem querer nos entrevemos,
se quando passo, teu olhar me alcança
se meus olhos te alcançam quando vais.Ah! Só Deus sabe! Só nós dois sabemos.
Volta-nos sempre a pálida lembrança.
Daqueles tempos que não voltam mais!
A Minha Estrela
A meu irmão Aprígio A.
E eu disse – Vai-te, estrela do Passado!
Esconde-te no Azul da Imensidade,
Lá onde nunca chegue esta saudade,
– A sombra deste afeto estiolado.Disse, e a estrela foi p’ra o Céu subindo,
Minh’alma que de longe a acompanhava,
Viu o adeus que do Céu ela enviava,
E quando ela no Azul foi-se sumindoSurgia a Aurora – a mágica princesa!
E eu vi o Sol do Céu iluminando
A Catedral da Grande Natureza.Mas a noute chegou, triste, com ela
Negras sombras também foram chegando,
E nunca mais eu vi a minha estrela!
Aconteceu-Me Do Alto Do Infinito
Aconteceu-me do alto do infinito
Esta vida. Através de nevoeiros,
Do meu próprio ermo ser fumos primeiros,
Vim ganhando, e través estranhos ritosDe sombra e luz ocasional, e gritos
Vagos ao longe, e assomos passageiros
De saudade incógnita, luzeiros
De divino, este ser fosco e proscrito…Caiu chuva em passados que fui eu.
Houve planícies de céu baixo e neve
Nalguma cousa de alma do que é meu.Narrei-me à sombra e não me achei sentido.
Hoje sei-me o deserto onde Deus teve
Outrora a sua capital de olvido…
Discreta e Formosíssima Maria
Discreta e formosíssima Maria,
Enquanto estamos vendo claramente,
Na vossa ardente vista o sol ardente,
E na rosada face a aurora fria:Enquanto pois produz, enquanto cria
Essa esfera gentil, mina excelente
No cabelo o metal mais reluzente,
E na boca a mais fina pedraria:Gozai, gozai da flor da formosura,
Antes que o frio da madura idade
Tronco deixe despido, o que é verdura.Que passado o zênith da mocidade,
Sem a noite encontrar da sepultura,
É cada dia ocaso da beldade.
Vivo em Lembranças, Morro de Esquecido
Doces lembranças da passada glória,
Que me tirou fortuna roubadora,
Deixai-me descansar em paz uma hora,
Que comigo ganhais pouca vitória.Impressa tenho na alma larga história
Deste passado bem, que nunca fora;
Ou fora, e não passara: mas já agora
Em mim não pode haver mais que a memória.Vivo em lembranças, morro de esquecido
De quem sempre devera ser lembrado,
Se lhe lembrara estado tão contente.Oh quem tornar pudera a ser nascido!
Soubera-me lograr do bem passado,
Se conhecer soubera o mal presente.
A Luz
Ela veio…( E a minha alma tinha a porta
aberta, e ela entrou…Casa vazia
e estranha, esta que em plena luz do dia
lembrava a tumba de uma noite morta…)Que ela havia chegado, eu nem sabia…
Mas, pouco a pouco, e a data não importa,
minha alma, por encanto, se conforta,
e há risos pela casa…E há alegria…Quem abrira as janelas? Quem levara
o fantasma da dor sempre ao meu lado?
Os antigos retratos, quem rasgara?E acabei por fazer a descoberta:
– ela espantara as sombras do passado
e a luz entrara pela porta aberta!
Doces Despojos de meu Bem Passado
Amor, co’a esperança já perdida
Teu soberano templo visitei;
Por sinal do naufrágio que passei,
Em lugar dos vestidos, pus a vida.Que mais queres de mim, pois destruída
Me tens a glória toda que alcancei?
Não cuides de render-me, que não sei
Tornar a entrar onde não há saída.Vês aqui vida, alma e esperança,
Doces despojos de meu bem passado,
Enquanto o quis aquela que eu adoro.Nelas podes tomar de mim vingança;
E se te queres ainda mais vingado,
Contenta-te co’as lágrimas que choro.
Colegial
Gosto de vê-la, assim… Quando à tarde ela vem
fisionomia suave, ingenuamente franca…
Toda a rua se alegra, e eu me alegro também
com o seu vulto feliz: saia azul, blusa branca…Quantos nadas de sonho o seu olhar contém!
A luz viva do olhar ninguém talvez lhe arranca.
– Gosto de ve-la, sim… E ficam-lhe tão bem
aquela saia azul, e aquela blusa branca…Azul: – azul é a cor da vida que ela sonha!
E branca: – branca é a cor da sua alma de criança
onde ela própria se olha irrequieta e risonhaFeliz… Não tem presente e ainda nem tem passado…
Só o futuro, – e o futuro é uma imensa esperança
um mundo que ainda fica oculto do outro lado!