Renascimento
A Olegária Siqueira
Manhã de rosas. Lá no etéreo manto,
O sol derrama lúcidos fulgores,
E eu vou cantando pela estrada, enquanto
Riem crianças e desabrocham flores.Quero viver! Há quanto tempo, quanto!
Não venho ouvir na selva os trovadores!
Quero sentir este consolo santo
De quem, voltando à vida, esquece as dores.Ouves, minh’alma? Que prazer no ninhos!
Como é suave a voz dos passarinhos
Neste tranqüilo e plácido deserto!Ah! entre os risos da Natura em festa,
Entoa o hino da alegria honesta,
Canta o Te Deum, meu coração liberto!
Sonetos sobre Pássaros
49 resultadosAmbos
Vão pela estrada, à margem dos caminhos
Arenosos, compridos, salutares,
Por onde, a noite, os límpidos luares
Dão às verduras leves tons de arminhos.Nuvens alegres como os alvos linhos
Cortam a doce compridão dos ares,
Dentre as canções e os tropos singulares
Dos inefáveis, meigos passarinhos.Do céu feliz na branda curvidade,
A luz expande a inteira alacridade,
O mais supremo e encantador afago.E com o olhar vibrante de desejos
Vão decifrando os trêmulos arpejos,
E as reticências que produz o vago.
São Francisco E O Rouxinol
Um rouxinol cantava. Alegremente,
quis São Francisco, no frutal sombrio,
acompanhar o pássaro contente,
e começa a cantar, ao desafio.E cantavam os dois, junto à corrente
do Arno sonoro, do lendário rio.
Mas Sào Francisco, exausto, finalmente,
parou, tendo cantado horas a fio.E o rouxinol lá prosseguiu cantando,
redobrando as constantes cantilenas,
os trilados festivos redobrando.E o santo assim reflete, satisfeito,
que feito foi para escutar, apenas,
e o rouxinol para cantar foi feito.
Inverno
Amanheceu – no topo da colina
Um céu de madrepérola se arqueia
Limpo, lavado, reluzindo – ondeia
O perfume da selva esmeraldina.Uma luz virginal e cristalina,
Como de um rio a transbordante cheia,
Alaga as terras culturais e arreia
De pingos d’ouro os verdes da campina.Um sol pagão, de um louro gema d’ovo,
Já tão antigo e quase sempre novo
Surge na frígida estação do inverno.– Chilreiam muito em árvores frondosas
Pássaros – fulge o orvalho pelas rosas
Como o vigor no espírito moderno.
Um Pássaro a Morrer
Não é vida nem morte, é uma passagem,
nem antes nem depois: somente agora,
um minuto nos tantos duma hora.
Uma pausa. Um intervalo. Uma viragem.Prisioneira de mim, onde a coragem
de quebrar as algemas, ir-me embora,
se tudo o que em mim ria agora chora,
se já não me seduz outra viagem?E nada disto é céu nem é inferno.
Tristeza, só tristeza. Sol de Inverno,
sem uma flor a abrir na minha mão,sem um búzio a cantar ao meu ouvido.
Só tristeza, um silêncio desmedido
e um pássaro a morrer: meu coração.
Noivado
Os namorados ternos suspiravam,
Quando há de ser o venturoso dia?!
Quando há de ser!? O noivo então dizia
E a noiva e ambos d’amores s’embriagavam.E a mesma frase o noivo repetia;
Fora no campo pássaros trinavam,
Quando há de ser!? E os pássaros falavam;
Há de chegar, a brisa respondia.Vinha rompendo a aurora majestosa,
Dos rouxinóis ao sonoroso harpejo
E a luz do sol vibrava esplendorosa.Chegara enfim o dia desejado,
Ambos unidos soluçara um beijo,
Era o supremo beijo de noivado!
Pássaro Marinho
Manhã de maio, rosas pelo prado,
Gorjeios, pelas matas verdurosas
E a luz cantando o idílio de um noivado
Por entre as matas e por entre as rosas.Uma toilette matinal que o alado
Corpo te enflora em graças vaporosas,
Mergulhas, como um pássaro rosado,
Nas cristalinas águas murmurosas.Dás o bom dia ao Mar nesse mergulho
E das águas salgadas ao marulho
Sais, no esplendor dos límpidos espaços.Trazes na carne um reflorir de vinhas,
Auroras, virgens músicas marinhas,
Acres aromas de algas e sargaços!
Marília
Ó Marília! Ó Dirceu! Eram dois ninhos
Os vossos corações, ninhos de flores;
Mas, entre os quais, sentíeis os rigores
Lacerantes de incógnitos espinhos;Tremiam, como em flácidos arminhos,
Promiscuamente, neles os amores,
As saudades, os cânticos, as dores,
Como uma multidão de passarinhos…O sulco profundíssimo que traça
Nos corações amantes a desgraça,
Ambos nos corações traçados vistes,Quando os vossos olhares, no momento,
Cruzaram-se, do negro afastamento,
Marejados de lágrimas e tristes…
Como É Bom Ser Bom
Tu, que vês tudo pelo coração,
Que perdoas e esqueces facilmente,
E és, para todos, sempre complacente,
Bendito sejas, venturoso irmão.Possuis a graça como inspiração
Amas, divides, dás, vives contente,
E a bondade que espalhas, não se sente,
Tão natural é a tua compaixão.Como o pássaro tem maviosidade,
Tua voz, a cantar, no mesmo tom,
Alivia, consola e persuade.E assim, tal qual a flor contém o dom.
De concentrar no aroma a suavidade,
Da mesma forma, tu nasceste bom.
Caminho Do Sertão
A meu irmão João Cancio
Tão longe a casa! Nem sequer alcanço
Vê-la através da mata. Nos caminhos
A sombra desce; e, sem achar descanso,
Vamos nós dois, meu pobre irmão, sozinhos!É noite já. Como em feliz remanso,
Dormem as aves nos pequenos ninhos…
Vamos mais devagar… de manso e manso,
Para não assustar os passarinhos.Brilham estrelas. Todo o céu parece
Rezar de joelhos a chorosa prece
Que a Noite ensina ao desespero e a dor…Ao longe, a Lua vem dourando a treva…
Turíbulo imenso para Deus eleva
O incenso agreste da jurema em flor.
Ninho Abandonado
À distinta família Simas, pela morte de seu chefe,
o Ilmo. Sr. João da Silva Simas.O vosso lar harmônico e tranqüilo
Era um ninho de luz e de esperanças
Que como abelhas iriadas, mansas,
Nos vossos corações tinham asilo.Havia lá por dentro tanta crença
E tanto amor puríssimo, cantando,
Que parecia um largo sol faiscando
Por majestosa catedral imensa.Agora o ninho está desamparado!
Sumiu-se dele o pássaro adorado,
O mais ideal dos pássaros do ninho.Não se ouve mais a música sonora
Da sua voz — dentro do ninho, agora,
Paira a saudade como um bom carinho.
XII
Sonhei que me esperavas. E, sonhando,
Saí, ansioso por te ver: corria…
E tudo, ao ver-me tão depressa andando,
Soube logo o lugar para onde eu ia.E tudo me falou, tudo! Escutando
Meus passos, através da ramaria,
Dos despertados pássaros o bando:
“Vai mais depressa! Parabéns!” dizia.Disse o luar: “Espera! que eu te sigo:
Quero também beijar as faces dela!”
E disse o aroma: “Vai, que eu vou contigo!”E cheguei. E, ao chegar, disse uma estrela:
“Como és feliz! como és feliz, amigo,
Que de tão perto vais ouvi-la e vê-la!”
Na Fonte
Bem ao lado da gruta a fonte corre
Trepidamente, as águas encrespando,
Em murmúrios crebos, levantando
Uns chamalotes prateados — morreNo monte o sol que a luz no oceano escorre
E ainda eu vejo, as sombras afrontando,
Uma mulher que lava, mesmo quando
O sol mais rubro, mais vermelho jorre.— É num sítio afastado, um sítio ermo…
Pássaros cortam vastidões sem termo,
Borboletas azuis roçam nas águas.— E a mulher lava, enrubescida a face;
Lava, cantando, como se lavasse
As suas tristes e profundas mágoas.
Não Me Aflige Do Potro A Viva Quina;
Não me aflige do potro a viva quina;
Da férrea maça o golpe não me ofende;
Sobre as chamas a mão se não estende;
Não sofro do agulhete a ponta fina.Grilhão pesado os passos não domina;
Cruel arrocho a testa me não fende;
À força perna ou braço se não rende;
Longa cadeia o colo não me inclina.Água e pomo faminto não procuro;
Grossa pedra não cansa a humanidade;
A pássaro voraz eu não aturo.Estes males não sinto, é bem verdade;
Porém sinto outro mal inda mais duro:
Da consorte e dos filhos a saudade!
Crepúsculo
A Julia Lyra
O Angelus soa. Vagarosamente
A noite desce, plácida e divina.
Ouço gemer meu coração doente
Chorando a tarde, a noiva peregrina.Há pelo Espaço um ciciar dolente
De prece em torno da Igrejinha em ruína…
Pássaros voam compassadamente;
Treme no galho a rosa purpurina…E eu sinto que a tristeza vem suspensa
Sobre as asas da noite erma e sombria…
E que, n’essa hora de saudade imensa,Rindo e chorando desce ao coração:
Toda a doçura da melancolia,
Todo o conforto da recordação.
Anfitrite
Louco, às doudas, roncando, em látegos, ufano,
O vento o seu furor colérico passeia…
Enruga e torce o manto à prateada areia
Da praia, zune no ar, encarapela o oceano.A seus uivos, o mar chora o seu pranto insano,
Grita, ulula, revolto, e o largo dorso arqueia;
Perdida ao longe, como um pássaro que anseia,
Alva e esguia, uma nau avança a todo o pano.Sossega o vento; cala o oceano a sua mágoa;
Surge, esplêndida, e vem, envolta em áurea bruma,
Anfitrite, e, a sorrir, nadando à tona d’água,Lá vai… mostrando à luz suas formas redondas,
Sua clara nudez salpicada de espuma,
Deslizando no glauco amículo das ondas.
Tempestade Amazônica
O calor asfixia e o ar escurece. O rio,
Quieto, não tem uma onda. Os insetos na mata
Zumbem tontos de medo. E o pássaro, o sombrio
Da floresta procura, onde a chuva não bata.Súbito, o raio estala. O vento zune. Um frio
De terror tudo invade… E o temporal desata
As peias pelo espaço e, bufando, bravio,
O arvoredo retorce e as folhas arrebata.O anoso buriti curva a copa, e farfalha.
Aves rodam no céu, num estéril esforço,
Entre nuvens de folha e fragmentos de palha.No alto o trovão repousa e em baixo a mata brama.
Ruge em meio a amplidão. Das nuvens pelo dorso
Correm serpes de fogo. E a chuva se derrama…
No Campo
Acordo de manhã cedo
Da luz aos doces carinhos:
Que rosas pelos caminhos!
Que rumor pelo árvoredo!Para o azul radioso e ledo
Sobe, de dentro dos ninhos,
O canto dos passarinhos
Cheio de amor e segredo.Dentre moitas de verdura
Voam as pombas nevadas,
Imaculadas de alvura.Pelas margens das estradas
Que penetrante frescura
Que femininas risadas!
Alda
Alva, do alvor das límpidas geleiras,
Desta ressumbra candidez de aromas…
Parece andar em nichos e redomas
De Virgens medievais que foram freiras.Alta, feita no talhe das palmeiras,
A coma de ouro, com o cetim das comas,
Branco esplendor de faces e de pomas
Lembra ter asas e asas condoreiras.Pássaros, astros, cânticos, incensos
Formam-lhe aureoles, sóis, nimbos imensos
Em torno a carne virginal e rara.Alda fez meditar nas monjas alvas,
Salvas do Vicio e do Pecado salvas,
Amortalhadas na pureza clara.
Auréola Equatorial
A Teodoreto Souto
Fundi em bronze a estrofe augusta dos prodígios,
Poetas do Equador, artísticos Barnaves;
Que o facho — Abolição — rasgando as nuvens graves
De raios e bulcões — triunfa nos litígios!— O rei Mamoud, o Sol, vibrou p’raquelas bandas
do Norte — a grande luz — elétrico, explodindo,
Assim como quem vai, intrépido, subindo
À luz da idade nova — em claras propagandas.— Os pássaros titãs nos seus conciliábulos,
— Chilreiam, vão cantando em místicos vocábulos,
Alargam-se os pulmões nevrálgicos das zonas;Abri alas, abri! — Que em túnica de assombros,
Irá passar por vós, com a Liberdade aos ombros,
Como um colosso enorme o impávido Amazonas!