Existo
Seu amor me fez real, e me deu sentido
da alegria de ser, total, completamente…
Fez de um pobre poeta em sonhos consumido
alguém que tem nas mãos um mundo! e sofre, e sente!Seu amor foi a vida a irromper da semente
de um velho coração cansado e ressequido,
o verde que voltou ao ramo nu, pendente,
a imprevisível flor, o fruto inconcebido…Seu amor foi milagre a cantar pelo chão
como a água, no agreste, a acenar ao viajante
a esperança, o prazer, a vida, a salvação…Passo a existir, quem sabe ? apenas porque amei…
E ela existe talvez, a partir deste instante
porque ela e o seu amor… em versos transformei!
Sonetos sobre Passos
100 resultadosÓ Máquinas Febris
Ó máquinas febris! eu sinto a cada passo,
nos silvos que soltais, aquele canto imenso,
que a nova geração nos lábios traz suspenso
como a estância viril duma epopeia d’aço!Enquanto o velho mundo arfando de cansaço
prostrado cai na luta; em fumo negro e denso
levanta-se a espiral desse moderno incenso
que ofusca os deuses vãos, anuviando o espaço!Vós sois as criações fulgentes, fabulosas,
que, vibrantes, cruéis, de lavas sequiosas,
mordeis o pedestal da velha Majestade!E as grandes combustões que sempre vos consomem
começam, num cadinho, a refundir o homem
fazendo ressurgir mais larga a Humanidade!
Olhos Fermosos, Em Quem Quis Natura
Olhos fermosos, em quem quis Natura
mostrar do seu poder altos sinais,
se quiserdes saber quanto possais,
vede-me a mim, que sou vossa feitura.Pintada em mim se vê vossa figura,
no que eu padeço retratada estais;
que, se eu passo tormentos desiguais,
muito mais pode vossa fermosura.De mim não quero mais que o meu desejo:
ser vosso; e só de ser vosso me arreio,
porque o vosso penhor em mim se assele.!Tão me lembro de mim quando vos vejo,
nem do mundo; e não erro, porque creio,
que, em lembrar-me de vós, cumpro com ele.
Em Vão
Passo triste na vida e triste sou,
Um pobre a quem jamais quiseram bem!
Um caminhante exausto que passou,
Que não diz onde vai nem donde vem.Ah! Sem piedade, a rir, tanto desdém
a flor da minha boca desdenhou!
Solitário convento onde ninguém
A silenciosa cela procurou!E eu quero bem a tudo, a toda gente…
Ando a amar assim, perdidamente,
A acalentar o mundo nos meus braços!E tem passado, em vão, a mocidade
Sem que no meu caminho uma saudade
Abra em flores a sombra dos meus passos!
Barrow-On-Furness II
Deuses, forças, almas de ciência ou fé,
Eh! Tanta explicação que nada explica!
Estou sentado no cais, numa barrica,
E não compreendo mais do que de pé.Por que o havia de compreender?
Pois sim, mas também por que o não havia?
Águia do rio, correndo suja e fria,
Eu passo como tu, sem mais valer…Ó universo, novelo emaranhado,
Que paciência de dedos de quem pensa
Em outras cousa te põe separado?Deixa de ser novelo o que nos fica…
A que brincar? Ao amor?, à indif’rença?
Por mim, só me levanto da barrica.
O Mar Agita-se, como um Alucinado
O Mar agita-se, como um alucinado:
A sua espuma aflui, baba da sua Dor…
Posto o escafandro, com um passo cadenciado,
Desce ao fundo do Oceano algum mergulhador.Dá-lhe um aspecto estranho a campânula imensa:
Lembra um bizarro Deus de algum pagode indiano:
Na cólera do Mar, pesa a sua Indiferença
Que o torna superior, e faz mesquinho o Oceano!E em vão as ondas se lhe enroscam à cabeça:
Ele desce orgulhoso, impassível, sem pressa,
Com suprema altivez, com ironias calmas:Assim devemos nós, Poetas, no Mundo entrar,
Sem nos deixarmos absorver por esse Mar
— Pois a Arte é, para nós, o escafandro das Almas!
Em que Emprego o Meu Tempo?
Em que emprego o meu tempo? Vou e venho,
Sem dar conta de mim nem dos pastores,
Que deixam de cantar os seus amores,
Quando passo e lhes mostro a dor que tenho.É de tristezas o torrão que amanho,
Amasso o negro pão com dissabores,
Em ribeiros de pranto pesco dores,
E guardo de saudades um rebanho.Meu coração à doce paz resiste,
E, embora fiqueis crendo que motejo,
Alegre vivo por viver tão triste!Amor se mostra nesta dor que abrigo:
Quero triste viver, pois vos não vejo,
Nem sequer muito ao longe vos lobrigo.
Legado
Que lembrança darei ao país que me deu
tudo que lembro e sei, tudo quanto senti?
Na noite do sem-fim, breve o tempo esqueceu
minha incerta medalha, e a meu nome se ri.E mereço esperar mais do que os outros, eu?
Tu não me enganas, mundo, e não te engano a ti.
Esses monstros atuais, não os cativa Orfeu,
a vagar, taciturno, entre o talvez e o se.Não deixarei de mim nenhum canto radioso,
uma voz matinal palpitando na bruma
e que arranque de alguém seu mais secreto espinho.De tudo quanto foi meu passo caprichoso
na vida, restará, pois o resto se esfuma,
uma pedra que havia em meio do caminho.
V
Se sou pobre pastor, se não governo
Reinos, nações, províncias, mundo, e gentes;
Se em frio, calma, e chuvas inclementes
Passo o verão, outono, estio, inverno;Nem por isso trocara o abrigo terno
Desta choça, em que vivo, coas enchentes
Dessa grande fortuna: assaz presentes
Tenho as paixões desse tormento eterno.Adorar as traições, amar o engano,
Ouvir dos lastimosos o gemido,
Passar aflito o dia, o mês, e o ano;Seja embora prazer; que a meu ouvido
Soa melhor a voz do desengano,
Que da torpe lisonja o infame ruído.
Crucificada
Amiga… noiva… irmã… o que quiseres!
Por ti, todos os céus terão estrelas,
Por teu amor, mendiga, hei-de merecê-las,
Ao beijar a esmola que me deres.Podes amar até outras mulheres!
– Hei de compor, sonhar palavras belas,
Lindos versos de dor só para elas,
Para em lânguidas noites lhes dizeres!Crucificada em mim, sobre os meus braços,
Hei de poisar a boca nos teus passos
Pra não serem pisados por ninguém.E depois… Ah! depois de dores tamanhas,
Nascerás outra vez de outras entranhas,
Nascerás outra vez de uma outra Mãe!
Barrow-On-Furness I
Sou vil, sou reles, como toda a gente
Não tenho ideais, mas não os tem ninguém.
Quem diz que os tem é como eu, mas mente.
Quem diz que busca é porque não os tem.É com a imaginação que eu amo o bem.
Meu baixo ser porém não mo consente.
Passo, fantasma do meu ser presente,
Ébrio, por intervalos, de um Além.Como todos não creio no que creio.
Talvez possa morrer por esse ideal.
Mas, enquanto não morro, falo c leio.Justificar-me? Sou quem todos são…
Modificar-me? Para meu igual?…
– Acaba lá com isso, ó coração!
Soneto IIII
Ao Reitor António de Mendonça.
Neste árduo labirinto onde me guio,
Sem esperança algua de saída,
Mostrai, senhor, o fio à minha vida,
Pois está minha vida já no fio.Incertos passos, hórrido desvio,
Medonhos ares, confusão crescida
Ma trazem com temor desfalecida,
E dela já de todo desconfio.A vós só tem minha esperança morta,
Se morta pode ser ua esperança
Que vos tem vivo, e largos anos tenha.Se espera mal, e ser queimada importa
Por crer mais do que pode e cá se alcança,
O fogo ponde, que eu lhe ajunto a lenha.
Delirio
Não posso crêr na morte do Menino!
E julgo ouvi-lo e vê-lo, a cada passo…
É ele? Não. Sou eu que desatino;
É a minha dôr soffrida, o meu cansaço.Delirio que me prendes num abraço,
Emendarás a obra do Destino?
Vê-lo-ei sorrir, de novo, no regaço
Da mãe? Verei seu rosto pequenino?Misterio! Sombra imensa! Alto segredo!
Jamais! jamais! Quem sabe? Tenho mêdo!
Que vejo em mim? A treva? a luz futura?Ah, que a dôr infinita de o perder
Seja a alegria de o tornar a ver,
Meu Deus, embora noutra creatura!
Enquanto Dormes
Não consigo dormir… A meu lado, ressonas
em completo abandono, tranqüila, confiante,
e eu me ponho a pensar em nossas vidas, nossas
vidas, juntas no sonho, como em nosso leito.E me deixo ficar assim, na leve insônia
que me traz à lembrança tantas coisas, tantas,
que fizeram de nós, de nossos passos, uma
rede em que duas linhas são como uma só.E sem querer percebo que o que estou pensando
tem jeito de poesia, em versos simples, versos
sem rimas, e levanto-me, e venho escrevera observar-te à distância, a ressonar, feliz,
sem poderes sequer calcular que a teu lado
um poeta te ama e sonha, e faz versos de amor.
Fetichismo
Homem, da vida as sombras inclementes
Interrogas em vão: – Que céus habita
Deus? Onde essa região de luz bendita,
Paraíso dos justos e dos crentes?…Em vão tateiam tuas mãos trementes
As entranhas da noite erma, infinita,
Onde a dúvida atroz blasfema e grita,
E onde há só queixas e ranger de dentes…A essa abóbada escura, em vão elevas
Os braços para o Deus sonhado, e lutas
Por abarcá-lo; é tudo em torno trevas…Somente o vácuo estreitas em teus braços;
E apenas, pávido, um ruído escutas,
Que é o ruído dos teus próprios passos!…
Para Atravessar Contigo o Deserto do Mundo
Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para enfrentarmos juntos o terror da morte
Para ver a verdade para perder o medo
Ao lado dos teus passos caminheiPor ti deixei meu reino meu segredo
Minha rápida noite meu silêncio
Minha pérola redonda e seu oriente
Meu espelho minha vida minha imagem
E abandonei os jardins do paraísoCá fora à luz sem véu do dia duro
Sem os espelhos vi que estava nua
E ao descampado se chamava tempoPor isso com teus gestos me vestiste
E aprendi a viver em pleno vento
O dia em que nasci moura e pereça,
O dia em que nasci moura e pereça,
Não o queira jamais o tempo dar;
Não torne mais ao Mundo, e, se tornar,
Eclipse nesse passo o Sol padeça.A luz lhe falte, O Sol se [lhe] escureça,
Mostre o Mundo sinais de se acabar,
Nasçam-lhe monstros, sangue chova o ar,
A mãe ao próprio filho não conheça.As pessoas pasmadas, de ignorantes,
As lágrimas no rosto, a cor perdida,
Cuidem que o mundo já se destruiu.Ó gente temerosa, não te espantes,
Que este dia deitou ao Mundo a vida
Mais desgraçada que jamais se viu!
Gadêa Pelichek Sebastião
Gadêa… Pelichek… Sebastião…
Lobo Alvim… Ah, meus velhos camaradas!
Aonde foram vocês? Onde é que estão
Aquelas nossas ideais noitadas?Fiquei sozinho… Mas não creio, não,
Estejam nossas almas separadas!
Às vezes sinto aqui, nestas calçadas,
O passo amigo de vocês… E entãoNão me constranjo de sentir-me alegre,
De amar a vida assim, por mais que ela nos minta…
E no meu romantismo vagabundoEu sei que nestes céus de Porto Alegre
É para nós que inda S. Pedro pinta
Os mais belos crepúsculos do mundo!…
Renúncia
Quero-te muito, muito – o nosso amor
é belo, bem o sei, mas não o mereço…
– da incerteza em que vivo não me esqueço,
– só da renúncia eu devo pois dispor…Não passo de um ousado sonhador
nascido na pobreza – reconheço
que a riqueza dos versos não tem preço:
– o destino de um poeta é enganador…Dividir meu viver, eu, pois, não quero…
Poderás amanhã vir maldizer
este amor que é a ilusão que mais venero…Esquece… Esquece os sonhos que eu desfiz…
-Para o teu bem tu deves me esquecer
já que não posso te fazer feliz!…
Sensual
Ainda sinto o teu corpo ao meu corpo colado;
nos lábios, a volúpia ardente do teu beijo;
no quarto a solidão, desnuda, ainda te vejo,
a olhar-me com olhar nervoso e apaixonado…Partiste!… Mas no peito ainda sinto a ânsia e o latejo
daquele último abraço inquieto e demorado…
– Na quentura do espaço a transpirar pecado,
Ainda baila a figura estranha do desejo…Não posso mais viver sem ter-te nos meus braços!
– Quando longe tu estás, minha alma se alvoroça
julgando ouvir no quarto o ruído dos teus passos…Na lembrança revejo os momentos felizes,
e chego a acredita que a minha carne moça
na tua carne moça até criou raízes!…