Sonetos sobre Paz de Cruz e Souza

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Bondade

É a bondade que te faz formosa,
Que a alma te diviniza e transfigura;
É a bondade, a rosa da ternura,
Que te perfuma com perfume Ă  rosa.

Teu ser angelical de luz bondosa
Verte em meu ser a mais sutil doçura,
Uma celeste, lĂ­mpida frescura,
Um encanto, uma paz maravilhosa.

Eu afronto contigo os vampirismos,
Os corruptos e mĂłrbidos abismos
Que em vĂŁo busquem tentar-me no Caminho.

Na suave, na doce claridade,
No consolo, de amor dessa bondade
Bebo a tu’alma como etĂ©reo vinho.

Pacto Das Almas (III) Alma Da Almas

Alma da almas, minha irmĂŁ gloriosa,
Divina irradiação do Sentimento,
Quando estarás no azul Deslumbramento,
Perto de mim, na grande Paz radiosa?!

Tu que Ă©s a lua da MansĂŁo de rosa
Da Graça e do supremo Encantamento,
O cĂ­rio astral do augusto Pensamento
Velando eternamente a FĂ© chorosa,

Alma das almas, meu consolo amigo,
Seio celeste, sacrossanto abrigo,
Serena e constelada imensidade,

Entre os teus beijos de eteral carĂ­cia,
Sorrindo e soluçando de delícia,
Quando te abraçarei na Eternidade?!

Os Mortos

Ao menos junto dos mortos pode a gente
Crer e esperar n’alguma suavidade:
Crer no doce consolo da saudade
E esperar do descanso eternamente.

Junto aos mortos, por certo, a fé ardente
NĂŁo perde a sua viva claridade;
Cantam as aves do céu na intimidade
Do coração o mais indiferente.

Os mortos dĂŁo-nos paz imensa Ă  vida,
Dão a lembrança vaga, indefinida
Dos seus feitos gentis, nobres, altivos.

Nas lutas vĂŁs do tenebroso mundo
Os mortos sĂŁo ainda o bem profundo
Que nos faz esquecer o horror dos vivos.

Aleluia! Aleluia!

Dentre um cortejo de harpas e alaĂşdes
Ă“ Arcanjo sereno, Arcanjo nĂ­veo,
Baixas-te Ă  terra, ao mundanal convĂ­vio…
Pois que a terra te ajude, e tu me ajudes.

Que tu me alentes nas batalhas rudes,
Que me tragas a flor de um doce alĂ­vio
Aos báratros, às brenhas, ao declívio
Deste caminho de ânsias e ataĂşdes…

Já que desceste das regiões celestes,
Nesse clarĂŁo flamĂ­vomo das vestes,
Através dos troféus da Eternidade

Traz-me a Luz, traz-me a Paz, traz-me a Esperança
Para a minh’alma que de angĂşstias cansa,
Errando pelos claustros da Saudade!

A Freira Morta

(Desterro)

Muda, espectral, entrando as arcarias
Da cripta onde ela jaz eternamente
No austero claustro silencioso — a gente
Desce com as impressões das cinzas frias…

Pelas negras abĂłbadas sombrias
Donde pende uma lâmpada fulgente,
Por entre a frouxa luz triste e dormente
Sobem do claustro as sacras sinfonias.

Uma paz de sepulcro apĂłs se estende…
E no luar da lâmpada que pende
Brilham clarões de amores condenados…

Como que vem do tĂşmulo da morta
Um gemido de dor que os ares corta,
Atravessando os mármores sagrados!

O Grande Sonho

Sonho profundo, Ăł Sonho doloroso,
Doloroso e profundo Sentimento!
Vai, vai nas harpas trĂŞmula do vento
Chorar o teu mistério tenebroso.

Sobe dos astros ao clarĂŁo radioso,
Aos leves fluidos do luar nevoento,
Ă€s urnas de cristal do firmamento,
Ă“ velho Sonho amargo e majestoso!

Sobe Ă s estrelas rĂştilas e frias,
Brancas e virginais eucaristias
De onde uma luz de eterna paz escorre.

Nessa Amplidão das Amplidões austeras
Chora o Sonho profundo das Esferas
Que nas azuis Melancolias morre…

As Estrelas

Lá, nas celestes regiões distantes,
No fundo melancĂłlico da Esfera,
Nos caminhos da eterna Primavera
Do amor, eis as estrelas palpitantes.

Quantos mistérios andarão errantes,
Quantas almas em busca da Quimera,
Lá, das estrelas nessa paz austera
Soluçarão, nos altos céus radiantes.

Finas flores de pérolas e prata,
Das estrelas serenas se desata
Toda a caudal das ilusões insanas.

Quem sabe, pelos tempos esquecidos,
Se as estrelas nĂŁo sĂŁo os ais perdidos
Das primitivas legiões humanas?!

Ansiedade

Esta ansiedade que nos enche o peito
Enche o céu, enche o mar, fecunda a terra.
Ela os germens purĂ­ssimos encerra
Do Sentimento lĂ­mpido, perfeito.

Em jorros cristalinos o direito,
A paz vencendo as convulsões da guerra,
A liberdade que abre as asas e erra
Pelos caminhos do Infinito eleito.

Tudo na mesma ansiedade gira,
Rola no Espaço, dentre a luz suspira
E chora, chora, amargamente chora…

Tudo nos turbilhões da Imensidade
Se confunde na trágica ansiedade
Que almas, estrelas, amplidões devora.

Pacto Das Almas (II) Longe De Tudo

É livre, livre desta vã matéria,
Longe, nos claros astros peregrinos
Que havereemos de encontrar os dons divinos
E a grande paz, a grande paz sidérea.

Cá nesta humana e trágica miséria,
Nestes surdos abismos assassinos
Termos de colher de atros destinos
A flor apodrecida e deletéria.

O baixo mundo que troveja e brama
SĂł nos mostra a caveira e sĂł a lama,
Ah! sĂł a lama e movimentos lassos…

Mas as almas irmĂŁs, almas perfeitas,
Hão de trocar, nas Regiões eleitas,
Largos, profundos, imortais abraços!

Na Luz

De soluço em soluço a alma gravita,
De soluço em soluço a alma estremece,
Anseia, sonha, se recorda, esquece
E no centro da Luz dorme contrita.

Dorme na paz sacramental, bendita,
Onde tudo mais puro resplandece,
Onde a Imortalidade refloresce
Em tudo, e tudo em cânticos palpita.

Sereia celestial entre as sereias,
Ela só quer despedaçar cadeias,
De soluço em soluço, a alma nervosa.

Ela só quer despedaçar algemas
E respirar nas amplidões supremas,
Respirar, respirar na Luz radiosa.

A Grande Sede

Se tens sede de Paz e d’Esperança,
Se estás cego de Dor e de Pecado,
Valha-te o Amor, Ăł grande abandonado,
Sacia a sede com amor, descansa.

Ah! volta-te a esta zona fresca e mansa
Do Amor e ficarás desafogado,
Hás de ver tudo claro, iluminado
Da luz que uma alma que tem fé alcança.

O coração que é puro e que é contrito,
Se sabe ter doçura e ter dolência
Revive nas estrelas do Infinito.

Revive, sim, fica imortal, na essĂŞncia
Dos Anjos paira, nĂŁo desprende um grito
E fica, como os Anjos, na ExistĂŞncia.

Deusa Serena

Espiritualizante Formosura
Gerada nas Estrelas impassĂ­veis,
Deusa de formas bĂ­blicas, flexĂ­veis,
Dos eflúvios da graça e da ternura.

Açucena dos vales da Escritura,
Da alvura das magnĂłlias marcessĂ­veis,
Branca Via-Láctea das indefiníveis
Brancuras, fonte da imortal brancura.

NĂŁo veio, Ă© certo, dos pauis da terra
Tanta beleza que o teu corpo encerra,
Tanta luz de luar e paz saudosa…

Vem das constelações, do Azul do Oriente,
Para triunfar maravilhosamente
Da beleza mortal e dolorosa!

Divina

Eu não busco saber o inevitável
Das espirais da tua vi matéria.
Não quero cogitar da paz funérea
Que envolve todo o ser inconsolável.

Bem sei que no teu circulo maleável
De vida transitória e mágoa seria
Há manchas dessa orgânica miséria
Do mundo contingente , imponderável .

Mas o que eu amo no teu ser obscuro
E o evangélico mistério puro
Do sacrifĂ­cio que te torna heroĂ­na.

SĂŁo certos raios da tu’alma ansiosa
E certa luz misericordiosa,
E certa auréola que te fez divina!

Luz Dolorosa

Fulgem da Luz os Viáticos serenos,
Brancas Extrema-Unções dos hostiários:
As Estrelas dos límpidos Sacrários
A nĂ­vea Lua sobre a paz dos fenos.

Há prelúdios e cânticos e trenos
Tristes, nos ares ermos, solitários…
E nos brilhos da Luz, vagos e vários,
Há dor, há luto, há convulsões, venenos…

Estranhas sensações maravilhosas
Percorrem pelos cálices das rosas,
Sensações sepulcrais de larvas frias…

Como que ocultas áspides flexíveis
Mordem da Luz os germens invisĂ­veis
Com o tĂłxico das cĂłleras sombrias…

Repouso

A cabeça pendida docemente
Em sonhos, sonha o sonhador inquieto,
Repousa e nesse repousar discreto
É sempre o sonho o seu bordão clemente.

Cego desta PrisĂŁo impenitente
Da Terra e cego do profundo Afeto,
O sonho Ă© sempre o seu bordĂŁo secreto
O seu guia divino e refulgente.

Nem no repouso encontra a paz que espera,
Para lhe adormecer toda a quimera,
Os cĂ­rculos fatais do seu Inferno.

Entre a calma aparente, a estranha calma,
O seu repouso Ă© sempre a febre d’alma,
O seu repouso Ă© sonho, e sonho eterno.