Minha Culpa
A Artur Ledesma
Sei lá! Sei lá! Eu sei lá bem
Quem sou?! Um fogo-fátuo, uma miragem…
Sou um reflexo… um canto de paisagem
Ou apenas cenário! Um vaivĂ©m…Como a sorte: hoje aqui, depois alĂ©m!
Sei lá quem Sou?! Sei lá! Sou a roupagem
Dum doido que partiu numa romagem
E nunca mais voltou! Eu sei lá quem!…Sou um verme que um dia quis ser astro…
Uma estátua truncada de alabastro…
Uma chaga sangrenta do Senhor…Sei lá quem sou?! Sei lá! Cumprindo os fados,
Num mundo de vaidades e pecados,
Sou mais um mau, sou mais um pecador…
Sonetos sobre Pecado
44 resultadosI – Ă€ Morte Do PrĂncipe D. Pedro
Pode o artista pintar a imagem morta
Da mulher, por quem dera a prĂłpria vida.
Ă€ esposa que a ventura vĂŞ perdida
Casto e saudoso beijo inda conforta.A imitar-lhe os exemplos nos exorta
O amigo na extrema despedida…
Mas dizer o que sente a alma partida
Do pai, a quem, oh Deus, tua espada corta.A flor de seu futuro, o filho amado;
Quem o pode, Senhor, se mesmo o Teu
SĂł morrendo livrou-nos do pecado,Se a terra Ă voz do GĂłlgota tremeu
E o sangue do Cordeiro Imaculado
Até o próprio céu enegreceu!
Pois se para os Amar nĂŁo Foram Feitos
Pois se para os amar nĂŁo foram feitos,
Senhor, aqueles olhos soberanos,
Porque, por tantos modos, mais que humanos,
Pintando os estivestes tĂŁo perfeitos?Se tais palavras e se tais conceitos,
TĂŁo divinas, tĂŁo longe de profanos,
Não destes por oráculo aos enganos,
Com que Amor vive nos mais altos peitos,Porque, Senhor, tanta beleza junta,
Tanta graça e tal ser lhe foi deitado,
Qual Ădolo nenhum gozara antigo?Mas como respondeis a esta pergunta?
Que ou para disculpar o meu pecado,
Ou para eternizar o meu castigo?
Vita Nuova
Se ao mesmo gozo antigo me convidas,
Com esses mesmos olhos abrasados,
Mata a recordação das horas idas,
Das horas que vivemos apartados!Não me fales das lágrimas perdidas,
NĂŁo me fales dos beijos dissipados!
Há numa vida humana cem mil vidas,
Cabem num coração cem mil pecados!Amo-te! A febre, que supunhas morta,
Revive. Esquece o meu passado, louca!
Que importa a vida que passou? que importa,Se inda te amo, depois de amores tantos,
E inda tenho, nos olhos e na boca,
Novas fontes de beijos e de prantos?!
Vinho Negro
O vinho negro do imortal pecado
Envenenou nossas humanas veias
Como fascinações de atras sereias
E um inferno sinistro e perfumado.O sangue canta, o sol maravilhado
Do nosso corpo, em ondas fartas, cheias.
como que quer rasgar essas cadeias
Em que a carne o retém acorrentado.E o sangue chama o vinho negro e quente
Do pecado letal, impenitente,
O vinho negro do pecado inquieto.E tudo nesse vinho mais se apura,
Ganha outra graça, forma e formosura,
Grave beleza d’esplendor secreto.
Freira
Em teu calmo semblante e em teu olhar parado
há perdido – bem sei – um mistĂ©rio qualquer…
– quem sabe se pecaste… e se foi teu pecado
quem te fez esquecer que Ă©s bela e que Ă© mulher…Hoje es santa… O passado passou — Ă© passado…
– dele já nĂŁo terás uma ilusĂŁo sequer,
e o amor que se tornou funesto e amargurado,
sepultas no silĂŞncio… e em teu árduo mister…Mais Ă frente está a vida… a vida humana e bela!
– teu presente Ă© uma prece; teu passado: um poema;
teu futuro: um rosário, um altar, uma cela…Evadida do mundo – ao ver-te, Ă luz do dia
– nĂŁo sei se te admiro a renĂşncia suprema,
ou se lastimo a tua imensa covardia!
DemĂ´nios
A lĂngua vil, ignĂvoma, purpĂşrea
Dos pecados mortais bava e braveja,
Com os seres impoluĂdos mercadeja,
Mordendo-os fundo injúria por injúria.É um grito infernal de atroz luxúria,
Dor de danados, dor do Caos que almeja
A toda alma serena que viceja,
SĂł fĂşria, fĂşria, fĂşria, fĂşria, fĂşria!SĂŁo pecados mortais feitos hirsutos
DemĂ´nios maus que os venenosos frutos
Morderam com volĂşpia de quem ama…Vermes da Inveja, a lesma verde e oleosa,
Anões da Dor torcida e cancerosa,
Abortos de almas a sangrar na lama!
Flor Nirvanizadas
Ó cegos corações, surdos ouvidos,
Bocas inĂşteis, sem clamor, fechadas,
Almas para os mistérios apagadas,
Sem segredos, sem eco e sem gemidos.ConsciĂŞncias hirsutas de bandidos,
Vesgas, nefandas e desmanteladas,
Portas de ferro, com furor trancadas,
Dos ócios maus histéricos Vencidos.Desenterrai-vos das sangrentas furnas
Sinistras, cabalĂsticas, noturnas
Onde ruge o Pecado caudaloso…Fazei da Dor, do triste Gozo humano,
A Flor do Sentimento soberano,
A Flor nirvanizada de outro Gozo!
Soneto
Se eu fosse Deus seria a vida um sonho,
Nossa existĂŞncia um jĂşbilo perene!
Nenhum pesar que o espĂrito envenene
Empanaria a luz do céu risonho!Não haveria mais: o adeus solene,
A vingança, a maldade, o ódio medonho,
E o maior mal, que a todos anteponho,
A sede, a fome da cobiça infrene!Eu exterminaria a enfermidade,
Todas as dores da senilidade,
E os pecados mortais seriam dez…A criação inteira alteraria,
Porém, se eu fosse Deus, te deixaria
Exatamente a mesma que tu Ă©s!
A Praça Estava Cheia. O Condenado
A praça estava cheia. O condenado
Transpunha nobremente o cadafalso,
Puro de crime, isento de pecado,
VĂtima augusta de indelĂ©vel falso.E na atitude do Crucificado,
O olhar azul pregado n’amplidĂŁo,
Pude rever naquele desgraçado
O drama lutuoso da Paixão.Quando do algoz cruento o braço alçado
Se dispunha a vibrar sem compaixĂŁo
O golpe na cabeça do culpadoEle, o algoz – o criminoso – entĂŁo,
Caiu na praça como fulminado
A soluçar: perdão, perdão, perdão!
Sexta-Feira Santa
Lua absĂntica, verde, feiticeira,
Pasmada como um vĂcio mosntruoso…
Um cão estranho fuça na esterqueira,
Uivando para o espaç fabuloso.É esta a negra e santa Sexta-Feira!
Cristo está morto, como um vil leproso,
Chagado e frio, na feroz cegueira
Da morte, o sangue roxo e tenebroso.A serpente do mal e do pecado
Um sinistro veneno esverdeado
Verte do Morto na mudez serena.Mas da sagrada Redenção do Cristo,
Em vez do grande Amor, puro, imprevisto,
Brotam fosforescĂŞncias de gangrena!
Alda
Alva, do alvor das lĂmpidas geleiras,
Desta ressumbra candidez de aromas…
Parece andar em nichos e redomas
De Virgens medievais que foram freiras.Alta, feita no talhe das palmeiras,
A coma de ouro, com o cetim das comas,
Branco esplendor de faces e de pomas
Lembra ter asas e asas condoreiras.Pássaros, astros, cânticos, incensos
Formam-lhe aureoles, sĂłis, nimbos imensos
Em torno a carne virginal e rara.Alda fez meditar nas monjas alvas,
Salvas do Vicio e do Pecado salvas,
Amortalhadas na pureza clara.
MĂşsica Brasileira
Tens, Ă s vezes, o fogo soberano
Do amor: encerras na cadĂŞncia, acesa
Em requebros e encantos de impureza,
Todo o feitiço do pecado humano.Mas, sobre essa volúpia, erra a tristeza
Dos desertos, das matas e do oceano:
Bárbara poracé, banzo africano,
E soluços de trova portuguesa.És samba e jongo, xiba e fado, cujos
Acordes sĂŁo desejos e orfandades
De selvagens, cativos e marujos:E em nostalgias e paixões consistes,
Lasciva dor, beijo de trĂŞs saudades,
Flor amorosa de três raças tristes.
Ă€ Morte
Os correos da morte sĂŁo chegados,
Por caminhos antigos, impedidos,
Mal com meus olhos, mal com meus ouvidos,
Mal com meus pés, do chão mal levantados.E mal, por não chorar bem meus pecados,
Que sendo sete, e cinco, meus sentidos,
Por serem tantas vezes repetidos,
ImpossĂvel será serem contados.Se nĂŁo viera a morte acompanhada
Da conta, que dar devo tĂŁo estreita,
NĂŁo fora tĂŁo penosa imaginada.Mas a que vivo ou morto tenho feita,
Tenho com meu Senhor na cruz pregada,
Onde o ladrĂŁo contrito nĂŁo se enjeita.
A Grande Sede
Se tens sede de Paz e d’Esperança,
Se estás cego de Dor e de Pecado,
Valha-te o Amor, Ăł grande abandonado,
Sacia a sede com amor, descansa.Ah! volta-te a esta zona fresca e mansa
Do Amor e ficarás desafogado,
Hás de ver tudo claro, iluminado
Da luz que uma alma que tem fé alcança.O coração que é puro e que é contrito,
Se sabe ter doçura e ter dolência
Revive nas estrelas do Infinito.Revive, sim, fica imortal, na essĂŞncia
Dos Anjos paira, nĂŁo desprende um grito
E fica, como os Anjos, na ExistĂŞncia.
Variações Sérias Em Forma De Soneto
Vejo mares tranqĂĽilos, que repousam,
Atrás dos olhos das meninas sérias.
Alto e longe elas olham, mas nĂŁo ousam
Olhar a quem as olha, e ficam sérias.Nos encantos dos lábios se lhe pousam
Uns anjos invisĂveis. Mas tĂŁo sĂ©rias
SĂŁo, alto e longe, que nem eles ousam
Dar um sorriso àquelas bocas sérias.Em que pensais, meninas, se repousam
Os meus olhos nos vossos? Eles ousam
Entrar paragens tristes tão sérias!Mas poderei dizer-vos que eles ousam?
Ou vão, por injunções muito mais sérias,
Lustrar pecados que jamais repousam?
Divina Comédia
Erguendo os braços para o céu distante
E apostrofando os deuses invisĂveis,
Os homens clamam: — «Deuses impassĂveis,
A quem serve o destino triunfante,Porque Ă© que nos criastes?! Incessante
Corre o tempo e sĂł gera, inestinguĂveis,
Dor, pecado, ilusĂŁo, lutas horrĂveis,
N’um turbilhĂŁo cruel e delirante…Pois nĂŁo era melhor na paz clemente
Do nada e do que ainda nĂŁo existe,
Ter ficado a dormir eternamente?Porque é que para a dor nos evocastes?»
Mas os deuses, com voz inda mais triste,
Dizem: — «Homens! por que é que nos criastes?»
Ave! Maria
Ave! Maria das Estrelas, Ave!
Cheia de graça do luar, Maria!
Harmonia de cântico suave,
Das harpas celestiais branda harmonia…Nuvem d’incensos atravĂ©s da nave
Quando o templo de pompas irradia
E em prantos o ĂłrgĂŁo vai plangendo grave
A profunda e gemente litania…Seja bendito o fruto do teu ventre,
Jesus, mais belo dentre os astros e entre
As mulheres judaicas mais amado…Ă“ Luz! Eucaristia da beleza,
Chama sagrada no Evangelho acesa,
Maravilha do Amor e do Pecado!
Salve! Rainha!
Ă“ sempre virgem Maria, concebida
sem pecado original, desde o
primeiro instante do teu ser…MĂŁe de MisericĂłrdia, sem pecado
Original, desde o primeiro instante!
Salve! Rainha da MansĂŁo radiante,
Virgem do Firmamento constelado…Teu coração de espadas lacerado,
Sangrando sangue e fel martirizante,
Escute a minha Dor, a torturante,
A Dor do meu soluço eternizado.A minha Dor, a minha Dor suprema,
A Dor estranha que me prende, algema
Neste Vale de lágrimas profundo…Salve! Rainha! por quem brado e clamo
E brado e brado e com angĂşstia chamo,
Chamo, atravĂ©s das convulsões do mundo!…
Pecadora
Tinha no olhar cetĂneo, aveludado,
A chama cruel que arrasta os corações,
Os seios rijos eram dois brasões
Onde fulgia o simb’lo do Pecado.Bela, divina, o porte emoldurado
No mármore sublime dos contornos,
Os seios brancos, palpitantes, mornos,
Dançavam-lhe no colo perfumado.No entanto, esta mulher de grã beleza,
Moldada pela mĂŁo da Natureza,
Tornou-se a pecadora vil. Do fado,Do destino fatal, presa, morria
Uma noute entre as vascas da agonia
Tendo no corpo o verme do pecado!