Sonetos sobre Pedras de Cruz e Souza

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Sonetos de pedras de Cruz e Souza. Leia este e outros sonetos de Cruz e Souza em Poetris.

O Anjo Da Redenção

Soberbo, branco, etereamente puro,
Na mĂŁo de neve um grande facho aceso,
Nas nevroses astrais dos sĂłis surpreso,
Das trevas deslumbrando o caos escuro.

Portas de bronze e pedra, o horrendo muro
Da masmorra mortal onde estás preso
Desce, penetra o Arcanjo branco, ileso
Do Ăłdio bifronte, torso, torvo e duro.

Maravilhas nos olhos e prodĂ­gios
Nos olhos, chega dos azuis litĂ­gios
Desce Ă  tua caverna de bandido.

E sereno, agitando o estranho facho,
Põe-te aos pés e a cabeça, de alto a baixo,
Auréolas imortais de Redimido!

Cristo De Bronze

Ă“ Cristos de ouro, de marfim, de prata,
Cristos ideais, serenos, luminosos,
EnsangĂĽentados Cristos dolorosos
Cuja cabeça a Dor e a Luz retrata.

Ă“ Cristos de altivez intemerata,
Ă“ Cristos de metais estrepitosos
Que gritam como os tigres venenosos
Do desejo carnal que enerva e mata.

Cristos de pedra, de madeira e barro…
Ó Cristo humano, estético, bizarro,
Amortalhado nas fatais injurias…

Na rija cruz aspérrima pregado
Canta o Cristo de bronze do Pecado,
Ri o Cristo de bronze das luxĂşrias!…

Velhas Tristezas

DiluĂŞncias de luz, velhas tristezas
Das almas que morreram para a lute!
Sois as sombras amadas de belezas
Hoje mais frias do que a pedra bruta.

MurmĂşrios incĂłgnitos de gruta
Onde o Mar canta os salmos e as rudezas
De obscuras religiões — voz impoluta
De sodas as titânicas grandezas.

Passai, lembrando as sensações antigas,
Paixões que foram já dóceis amigas,
Na luz de eternos sĂłis glorificadas.

Alegrias de há tempos! E hoje e agora,
Velhas tristezas que se vĂŁo embora
No poente da Saudade amortalhadas!…

Êxtase De Mármore

Ă€ grande atriz ApolĂ´nia.

O mármore profundo e cinzelado
De uma estátua viril, deliciosa;
Essa pedra que geme, anseia e goza
Num misticismo altĂ­ssimo e calado;

Essa pedra imortal — campo rasgado
A comoção mais íntima e nervosa
Da alma do artista, de um frescor de rosa,
Feita do azul de um céu muito azulado;

Se te visse o clarĂŁo que pelos ombros
Teus, rola, cai, nos mĂşltiplos assombros
Da Arte sonora, plena de harmonia;

O mármore feliz que é muito artista
TambĂ©m — como tu Ă©s — Ă  tua vista
De humildade e ciĂşme, coraria!

MĂşmia

MĂşmia de sangue e lama e terra e treva,
PodridĂŁo feita deusa de granito,
Que surges dos mistérios do Infinito
Amamentada na lascĂ­via de Eva.

Tua boca voraz se farta e ceva
Na carne e espalhas o terror maldito,
O grito humano, o doloroso grito
Que um vento estranho para Ă©s limbos leva.

Báratros, criptas, dédalos atrozes
Escancaram-se aos tétricos, ferozes
Uivos tremendos com luxĂşria e cio…

Ris a punhais de frĂ­gidos sarcasmos
E deve dar congélidos espasmos
O teu beijo de pedra horrendo e frio!…

ImpassĂ­vel

Teu coração de mármore não ama
Nem um dia sequer, nem um sĂł dia.
Essa inclemente natureza fria
Jamais na luz dos astros se derrama.

Mares e céus, a imensidade clama
Por esse olhar d’estrelas e harmonia,
Sem uma névoa de melancolia,
Do amor nas pompas e na vida chama.

A Imensidade nunca mais quer vĂŞ-lo,
Indiferente às comoções, de gelo
Ao mar, ao sol, aos roseirais de aromas.

Ama com o teu olhar, que a tudo encantas,
Ou se antes de pedra, como as santas,
Mudas e tristes dentro das redomas.

Mudez Perversa

Que mudez infernal teus lábios cerra
Que ficas vago, para mim olhando,
Na atitude de pedra, concentrando
No entanto, n’alma, convulsões de guerra!

A mim tal fel essa mudez encerra,
Tais demônios revéis a estão forjando
Que antes te visse morto, desabando
Sobre o teu corpo grossas pás de terra.

NĂŁo te quisera nesse atroz e sumo
Mutismo horrĂ­vel que nĂŁo gera nada,
Que nĂŁo diz nada, nĂŁo tem fundo e rumo.

Mutismo de tal dor desesperada,
Que quando o vou medir com o estranho prumo
Da alma fico com a alma alucinada!