A Moça Caetana A Morte Sertaneja
(com tema de Deborah Brennand)
Eu vi a Morte, a moça Caetana,
com o Manto negro, rubro e amarelo.
Vi o inocente olhar, puro e perverso,
e os dentes de Coral da desumana.Eu vi o Estrago, o bote, o ardor cruel,
os peitos fascinantes e esquisitos.
Na mão direita, a Cobra cascavel,
e na esquerda a Coral, rubi maldito.Na fronte, uma coroa e o Gavião.
Nas espáduas, as Asas deslumbrantes
que, rufiando nas pedras do Sertão,pairavam sobre Urtigas causticantes,
caules de prata, espinhos estrelados
e os cachos do meu Sangue iluminado.
Sonetos sobre Pedras
76 resultadosSoneto XXXXIIII
Do fundo sobe do mar Indo acima
A recolher o orvalho a concha, e nela,
Despois que pouco a pouco se congela,
A pérola nos dá de tanta estima.Hoje, despois que o Céu choveu de cima
O rico orvalho, aquela concha, aquela
Divina humana, mais que todas bela,
O mundo pobre com seu parto anima.Mas ai que a concha aberta o orvalho fino
Recebe, e em pedra dá; porém, Maria,
De outra invenção e modo extraordinário.E como vem tão pobre este minino?
Vem tosca pedra, e seu preço e valia
Só conhece o discreto lapidário.
Musa Impassível II
Ó Musa, cujo olhar de pedra, que não chora,
Gela o sorriso ao lábio e as lágrimas estanca!
Dá-me que eu vá contigo, em liberdade franca,
Por esse grande espaço onde o impassível mora.Leva-me longe, ó Musa impassível e branca!
Longe, acima do mundo, imensidade em fora,
Onde, chamas lançando ao cortejo da aurora,
O áureo plaustro do sol nas nuvens solavanca.Transporta-me de vez, numa ascensão ardente,
À deliciosa paz dos Olímpicos-Lares
Onde os deuses pagãos vivem eternamente,E onde, num longo olhar, eu possa ver contigo
Passarem, através das brumas seculares,
Os Poetas e os Heróis do grande mundo antigo.
Linda Inês
Choram ainda a tua morte escura
Aquelas que chorando a memoraram;
As lágrimas choradas não secaram
Nos saudosos campos da ternura.Santa entre as santas pela má ventura,
Rainha, mais que todas que reinaram;
Amada, os teus amores não passaram
E és sempre bela e viva e loira e pura.Ó Linda, sonha aí, posta em sossêgo
No teu muymento de alva pedra fina,
Como outrora na Fonte do Mondego.Dorme, sombra de graça e de saudade,
Colo de Garça, amor, moça menina,
Bem-amada por toda a eternidade!
Arrependimento
Deste amor torturado e sem ventura
Resta-me o alívio do arrependimento.
O pouco que me deste de ternura
Não vale o que te dei de encantamento.Abri para o teu sonho o firmamento,
Semeei de estrelas tua noite escura.
Dei-te alma, exaltação e sentimento.
Fiz de um bloco de pedra uma criatura.Hoje, ambos à mercê de sorte avessa,
Se para te esquecer luto e me esforço,
Manda-me o coração que não te esqueça.Padecemos idêntico suplício:
Tu – corroída de pena e de remorso,
Eu – com vergonha do meu sacrifício.
Cristo De Bronze
Ó Cristos de ouro, de marfim, de prata,
Cristos ideais, serenos, luminosos,
Ensangüentados Cristos dolorosos
Cuja cabeça a Dor e a Luz retrata.Ó Cristos de altivez intemerata,
Ó Cristos de metais estrepitosos
Que gritam como os tigres venenosos
Do desejo carnal que enerva e mata.Cristos de pedra, de madeira e barro…
Ó Cristo humano, estético, bizarro,
Amortalhado nas fatais injurias…Na rija cruz aspérrima pregado
Canta o Cristo de bronze do Pecado,
Ri o Cristo de bronze das luxúrias!…
Ruínas
Se é sempre Outono o rir das Primaveras,
Castelos, um a um, deixa-os cair…
Que a vida é um constante derruir
De palácios do Reino das Quimeras!E deixa sobre as ruínas crescer heras,
Deixa-as beijar as pedras e florir!
Que a vida é um contínuo destruir
De palácios do Reino das Quimeras!Deixa tombar meus rútilos castelos!
Tenho ainda mais sonhos para erguê-los
Mais alto do que as águias pelo ar!Sonhos que tombam! Derrocada louca!
São como os beijos duma linda boca!
Sonhos!… Deixa-os tombar… Deixa-os tombar.
Voz Que Se Cala
Amo as pedras, os astros e o luar
Que beija as ervas do atalho escuro,
Amo as águas de anil e o doce olhar
Dos animais, divinamente puro.Amo a hera que entende a voz do muro
E dos sapos, o brando tilintar
De cristais que se afagam devagar,
E da minha charneca o rosto duro.Amo todos os sonhos que se calam
De corações que sentem e não falam,
Tudo o que é Infinito e pequenino!Asa que nos protege a todos nós!
Soluço imenso, eterno, que é a voz
Do nosso grande e mísero Destino!…
A Morte – O Sol Do Terrível
(com tema de Renato Carneiro Campos)
Mas eu enfrentarei o Sol divino,
o Olhar sagrado em que a Pantera arde.
Saberei porque a teia do Destino
não houve quem cortasse ou desatasse.Não serei orgulhoso nem covarde,
que o sangue se rebela ao toque e ao Sino.
Verei feita em topázio a luz da Tarde,
pedra do Sono e cetro do Assassino.Ela virá, Mulher, afiando as asas,
com os dentes de cristal, feitos de brasas,
e há de sagrar-me a vista o Gavião.Mas sei, também, que só assim verei
a coroa da Chama e Deus, meu Rei,
assentado em seu trono do Sertão.
O Incêndio De Roma
Raiva o incêndio. A ruir, soltas, desconjuntadas,
As muralhas de pedra, o espaço adormecido
De eco em eco acordando ao medonho estampido,
Como a um sopro fatal, rolam esfaceladas.E os templos, os museus, o Capitólio erguido
Em mármor frígio, o Foro, as erectas arcadas
Dos aquedutos, tudo as garras inflamadas
Do incêndio cingem, tudo esbroa-se partido.Longe, reverberando o clarão purpurino,
Arde em chamas o Tibre e acende-se o horizonte.
Impassível, porém, no alto do Palatino,Nero, com o manto grego ondeando ao ombro, assoma
Entre os libertos, e ébrio, engrinaldada a fronte,
Lira em punho, celebra a destruição de Roma.
Presídio
Nem todo o corpo é carne… Não, nem todo
Que dizer do pescoço, às vezes mármore,
às vezes linho, lago, tronco de árvore,
nuvem, ou ave, ao tacto sempre pouco…?E o ventre, inconsistente como o lodo?…
E o morno gradeamento dos teus braços?
Não, meu amor… Nem todo o corpo é carne:
é também água, terra, vento, fogo…É sobretudo sombra à despedida;
onda de pedra em cada reencontro;
no parque da memória o fugidiovulto da Primavera em pleno Outono…
Nem só de carne é feito este presídio,
pois no teu corpo existe o mundo todo!
Soneto IV – A Uma Senhora
Dos meus lares, dos meus que choro ausente,
Me vieste acordar saudade ímpia,
Tu, amada do Anjo d’Harmonia,
Que te fazes ouvir tão docemente.Do piano o teclado obediente
Ao teu tocar encheu-se de magia,
E lá dos mortos na soidão sombria
Operou-se um milagre de repente.A morte sobre a fouce, entristecida,
Amarguradas lágrimas verteu,
Talvez do fero ofício arrependida!Bellini do sepulcro a pedra ergueu;
E, cheio de alegria desmedida,
C’um sorriso de glória um — bravo — deu.
Prende o Teu Coração ao Meu
De noite, amada, prende o teu coração ao meu
e que no sono eles dissipem as trevas
como um duplo tambor combatendo no bosque
contra o espesso muro das folhas molhadas.Nocturna travessia, brasa negra do sono
interceptando o fio das uvas terrestres
com a pontualidade dum comboio desvairado
que sombra e pedras frias sem cessar arrastasse.Por isso, amor, prende-me ao movimento puro,
à tenacidade que em teu peito bate
com as asas dum cisne submerso,para que às perguntas estreladas do céu
responda o nosso sono com uma única chave,
com uma única porta fechada pela sombra.
O Coração
Que jogo jogas, comédia ou lágrima? Cor
suspensa. Prodígio doendo. Enganador
relâmpago. Donde se enreda esta coragem
que chora ao riso e ri à dor? Quatro sãoas pedras mestras do teu jogo. Dois cavalos
e os reis. Melancólicos actores. Vazia, a
plateia. O tempo ferido. O peão fugitivo.
A emoção real do presságio. O acenocordial do outro lado do jogo. Inscrição
única do pólen, jogada que se arrasta.
Gota de tédio na lonjura das casas.O fecho do jogo se conclui. Muda o rosto a
visão possível. Cordato, o lance destrói
a memória do que já não vejo ou sei.
Sustenta Meu Viver Üa Esperança
Sustenta meu viver üa esperança
derivada de um bem tão desejado
que, quando nela estou mais confiado,
mor dúvida me põe qualquer mudança.E quando inda este bem na mor pujança
de seus gostos me tem mais enlevado,
me atormenta então ver eu que, alcançado
será por quem de vós não tem lembrança.Assi, que nestas redes enlaçado,
a penas dou a vida , sustentando
üa nova matéria a meu cuidado .Suspiros d’alma tristes arrancando,
dos silvos de ua pedra acompanhado,
estou matérias tristes lamentando.
Indo O Triste Pastor Todo Embebido
Indo o triste pastor todo embebido
na sombra de seu doce pensamento,
tais queixas espalhava ao leve vento
cum brando suspirar da alma saído:-A quem me queixarei, cego, perdido,
pois nas pedras não acho sentimento?
Com quem falo? A quem digo meu tormento
que onde mais chamo, sou menos ouvido?Oh! bela Ninfa, porque não respondes?
Porque o olhar-me tanto me encareces?
Porque queres que sempre me querele?Eu quanto mais te vejo, mais te escondes!
Quanto mais mal me vês, mais te endureces!
Assi que co mal cresce a causa dele.
Que Importa?…
Eu era a desdenhosa, a indif’rente.
Nunca sentira em mim o coração
Bater em violências de paixão
Como bate no peito à outra gente.Agora, olhas-me tu altivamente,
Sem sombra de Desejo ou de emoção,
Enquanto a asa loira da ilusão
Dentro em mim se desdobra a um sol nascente.Minh’alma, a pedra, transformou-se em fonte;
Como nascida em carinhoso monte
Toda ela é riso, e é frescura, e graça!Nela refresca a boca um só instante…
Que importa?… Se o cansado viandante
Bebe em todas as fontes… quando passa?…
LIX
Lembrado estou, ó penhas, que algum dia,
Na muda solidão deste arvoredo,
Comuniquei convosco o meu segredo,
E apenas brando o zéfiro me ouvia.Com lágrimas meu peito enternecia
A dureza fatal deste rochedo,
E sobre ele uma tarde triste, e quêdo
A causa de meu mal eu escrevia.Agora torno a ver, se a pedra dura
Conserva ainda intacta essa memória,
Que debuxou então minha escultura.Que vejo! esta é a cifra: triste glória!
Para ser mais cruel a desventura,
Se fará imortal a minha história.
Desejos Vãos
Eu queria ser o Mar de altivo porte
Que ri e canta, a vastidão imensa!
Eu queria ser a Pedra que não pensa,
A pedra do caminho, rude e forte!Eu queria ser o Sol, a luz intensa,
O bem do que é humilde e não tem sorte!
Eu queria ser a árvore tosca e densa
Que ri do mundo vão e até da morte!Mas o Mar também chora de tristeza…
As árvores também, como quem reza,
Abrem, aos Céus, os braços, como um crente!E o Sol altivo e forte, ao fim de um dia,
Tem lágrimas de sangue na agonia!
E as Pedras… essas… pisa-as toda a gente!…
Soneto VII – À Mesma Senhora
Alcíone, perdido o esposo amado,
Ao céu o esposo sem cessar pedia;
Porém as ternas preces surdo ouvia
O céu, de seus amores descuidado.Em vão o pranto seu d’alma arrancado
Tenta a pedra minar da campa fria;
A morte de seu pranto escarnecia,
De seu cruel penar se ria o fado.Mas ah! — não fora assim, se a voz tivera
Tão bela, tão gentil, tão doce e clara,
Daquela que hoje neste palco impera.Se assim cantasse, o túmulo abalara
Do bem querido; e, branda a morte fera,
Vivo o extinto esposo lhe entregara.