A Máscara
Eu sei que há muito pranto na existência,
Dores que ferem corações de pedra,
E onde a vida borbulha e o sangue medra,
Aí existe a mágoa em sua essência.No delírio, porém, da febre ardente
Da ventura fugaz e transitória
O peito rompe a capa tormentória
Para sorrindo palpitar contente.Assim a turba inconsciente passa,
Muitos que esgotam do prazer a taça
Sentem no peito a dor indefinida.E entre a mágoa que masc’ra eterna apouca
A humanidade ri-se e ri-se louca
No carnaval intérmino da vida.
Sonetos sobre Pedras
76 resultadosImpassível
Teu coração de mármore não ama
Nem um dia sequer, nem um só dia.
Essa inclemente natureza fria
Jamais na luz dos astros se derrama.Mares e céus, a imensidade clama
Por esse olhar d’estrelas e harmonia,
Sem uma névoa de melancolia,
Do amor nas pompas e na vida chama.A Imensidade nunca mais quer vê-lo,
Indiferente às comoções, de gelo
Ao mar, ao sol, aos roseirais de aromas.Ama com o teu olhar, que a tudo encantas,
Ou se antes de pedra, como as santas,
Mudas e tristes dentro das redomas.
Fui Gostar De Você
“Fui Gostar de Você”
I
Fui gostar de você, – isso foi quando
julguei que ainda podia ser feliz. . .
Ilusão!… Hoje as pedras vou tirando
do castelo de amor que eu mesmo fiz…Conformo-me no entanto, – mesmo estando
como estou, da loucura, por um triz…
E procuro do peito ir apagando
a cor de um vulto de mulher que eu quis…Quanto sonho fatal! Quanta cegueira
fez com que eu me iludisse com as safiras
de uns olhos lindos de mulher brejeira…Fui gostar. . . e gostei … Sofri portanto
ao descobrir as múltiplas mentiras
que eram do amor o seu supremo encanto
Legado
Que lembrança darei ao país que me deu
tudo que lembro e sei, tudo quanto senti?
Na noite do sem-fim, breve o tempo esqueceu
minha incerta medalha, e a meu nome se ri.E mereço esperar mais do que os outros, eu?
Tu não me enganas, mundo, e não te engano a ti.
Esses monstros atuais, não os cativa Orfeu,
a vagar, taciturno, entre o talvez e o se.Não deixarei de mim nenhum canto radioso,
uma voz matinal palpitando na bruma
e que arranque de alguém seu mais secreto espinho.De tudo quanto foi meu passo caprichoso
na vida, restará, pois o resto se esfuma,
uma pedra que havia em meio do caminho.
Palavras
As palavras do amor expiram como os versos,
Com que adoço a amargura e embalo o pensamento:
Vagos clarões, vapor de perfumes dispersos,
Vidas que não têm vida, existências que invento;Esplendor cedo morto, ânsia breve, universos
De pó, que o sopro espalha ao torvelim do vento,
Raios de sol, no oceano entre as águas imersos
-As palavras da fé vivem num só momento…Mas as palavras más, as do ódio e do despeito,
O “não!” que desengana, o “nunca!” que alucina,
E as do aleive, em baldões, e as da mofa, em risadas,Abrasam-nos o ouvido e entram-nos pelo peito:
Ficam no coração, numa inércia assassina,
Imóveis e imortais, como pedras geladas.
Última Visio
Quando o homem resgatado da cegueira
Vir Deus num simples grão de argila errante,
Terá nascido nesse mesmo instante
A mineralogia derradeira!A impérvia escuridão obnubilante
Há de cessar! Em sua glória inteira
Deus resplandecerá dentro da poeira
Como um gasofiláceo de diamante!Nessa última visão já subterrânea,
Um movimento universal de insânia
Arrancará da insciência o homem precito…A Verdade virá das pedras mortas
E o homem compreenderá todas as portas
Que ele ainda tem de abrir para o Infinito!
Espera
Teus minutos são estalactites
agulhas finas de cal e água
setas refiladas de um relógio
na areia do deserto clepsidra.Caroços de fruto apodrecido
para uma nova semeadura
em colheita sem nenhum estorvo
anunciando o pródigo regresso.Que tu venhas sem a matemática
sem a tabuada fria das horas
rachar minha parede de pedra.Que tu venhas sedutora chama
pluma de pássara renascida
vinda com teu fogo e não com cinzas.
A Funda
(SALVADOR RUEDA)
O verso é a funda de uma idéia. À teia
Dos fios trá-la, sem calhaus, pendida;
Mas, se a tomares, que lhe emprestes vida,
E a tornes digna da atenção alheia.Funda é o verso. Faiscando, balanceia
No ígneo cérebro a pedra encandescida;
E ao futuro, de súbito impelida,
Caminhando veloz, relampagueia.O verso é a funda que uma idéia lança.
A pedra passa pela nossa frente
E no giro dos séculos não cansa.E tu, que és perta e sonhador austero,
Lembra as pedras em funda resistente
Alto lançadas pela mão de Homero!
Falo de Ti às Pedras das Estradas
Falo de ti às pedras das estradas,
E ao sol que e louro como o teu olhar,
Falo ao rio, que desdobra a faiscar,
Vestidos de princesas e de fadas;Falo às gaivotas de asas desdobradas,
Lembrando lenços brancos a acenar,
E aos mastros que apunhalam o luar
Na solidão das noites consteladas;Digo os anseios, os sonhos, os desejos
Donde a tua alma, tonta de vitória,
Levanta ao céu a torre dos meus beijos!E os meus gritos de amor, cruzando o espaço,
Sobre os brocados fúlgidos da glória,
São astros que me tombam do regaço!
Em Fermosa Leteia Se Confia
Em fermosa Leteia se confia,
por onde vaidade tanta alcança,
que, tornada em soberba a confiança,
com os deuses celestes competia.Porque não fosse avante esta ousadia
(que nascem muitos erros da tardança),
em efeito puseram a vingança,
que tamanha doudice merecia.Mas Oleno, perdido por Leteia,
não lhe sofrendo Amor que suportasse
castigo duro tanta fermosura,quis padecer em si a pena alheia;
mas, porque a morte Amor não apartasse,
ambos tornados são em pedra dura.
Entre O Ser E As Coisas
Onda e amor, onde amor, ando indagando
ao largo vento e à rocha imperativa,
e a tudo me arremesso, nesse quando
amanhece frescor de coisa viva.As almas, não, as almas vão pairando,
e, esquecendo a lição que já se esquiva,
tornam amor humor, e vago e brando
o que é de natureza corrosiva.N´água e na pedra amor deixa gravados
seus hieróglifos e mensagens, suas
verdades mais secretas e mais nuas.E nem os elementos encantados
sabem do amor que os punge e que é, pungido,
uma fogueira a arder no dia findo
Não Digo do Natal
Não digo do Natal – digo da nata
do tempo que se coalha com o frio
e nos fica branquíssima e exacta
nas mãos que não sabem de que cionasceu esta semente; mas que invade
esses tempos relíquidos e pardos
e faz assim que o coração se agrade
de terrenos de pedras e de cardospor dezembros cobertos. Só então
é que descobre dias de brancura
esta nova pupila, outra visão,e as cores da terra são feroz loucura
moídas numa só, e feitas pão
com que a vida resiste, e anda, e dura.
Pedra Tumular
A minha geração fugiu à guerra,
Por isso a paz que traz não tem sentido:
É feita de ignorância e de castigo,
Tão rígida e tão fria como a pedra.Desfazem-se-lhe as mãos em gestos frágeis,
Duma verdade inútil por vazia,
E a língua imóvel nega o som à vida,
Por hábito ou por falta de coragem.Se há rumores lá de fora, às vezes, lembra:
Porque é que pulsa o coração do mundo,
Precipitado, angustioso, ardente?Mas depressa submerge na indiferença
– Que lhe deram um túmulo seguro;
E o relógio dá-lhe horas certas, sempre.
O Cometa
Um cometa passava… Em luz, na penedia,
Na erva, no inseto, em tudo uma alma rebrilhava;
Entregava-se ao sol a terra, como escrava;
Ferviam sangue e seiva. E o cometa fugia…Assolavam a terra o terremoto, a lava,
A água, o ciclone, a guerra, a fome, a epidemia;
Mas renascia o amor, o orgulho revivia,
Passavam religiões… E o cometa passava.E fugia, riçando a ígnea cauda flava…
Fenecia uma raça; a solidão bravia
Povoava-se outra vez. E o cometa voltava…Escoava-se o tropel das eras, dia a dia:
E tudo, desde a pedra ao homem, proclamava
A sua eternidade ! E o cometa sorria…
O Capitão Ilustre, e Assinalado, Dom Fernando de Castro
Debaixo desta pedra está metido,
Das sanguinosas armas descansado,
O Capitão ilustre, e assinalado,
Dom Fernando de Castro, e esclarecido.Este por todo o Oriente tão metido,
Este da própria inveja tão cantado,
Este, enfim, raio de Mavorte irado,
Aqui está agora em terra convertido.Alegra-te, ó guerreira Lusitânia,
Por est’outro Viriato que criaste,
E chora a perda sua eternamente.Exemplo toma nisto de Dardânia;
Que se a Roma com ele aniquilaste,
Nem por isso Cartago está contente.
Suprema Ironia
Não digas que não sofro – o meu sofrer profundo
com um sorriso nos lábios muita vez apago…
A dor – é coo a pedra que cai – vai pro fundo
sob a face serena e tranqüila do lago…Um segundo de pura alegria – um segundo
muitas vezes me basta, e já me dou por pago…
Se invejo, invejo aquele que não tendo um mundo,
tem mundo para além do olhar ardente e vago…Que eu não ando a dizer que sofro e me atormento!
É covardia a gente maldizer-se à toa
a viver esta vida entre um ai e um lamento…Eu, não! Bem sei que sofro, mas sofrer – que importa ?
Digo aos homens que o mundo é belo, a vida é boa!
E… suprema ironia… a minha voz conforta!