NĂŁo Choreis os Mortos
NĂŁo choreis nunca os mortos esquecidos
Na funda escuridĂŁo das sepulturas.
Deixai crescer, Ă solta, as ervas duras
Sobre os seus corpos vĂŁos adormecidos.E quando, Ă tarde, o Sol, entre brasidos,
Agonizar… guardai, longe, as doçuras
Das vossas orações, calmas e puras,
Para os que vivem, nudos e vencidos.Lembrai-vos dos aflitos, dos cativos,
Da multidĂŁo sem fim dos que sĂŁo vivos,
Dos tristes que nĂŁo podem esquecer.E, ao meditar, entĂŁo, na paz da Morte,
Vereis, talvez, como Ă© suave a sorte
Daqueles que deixaram de sofrer.
Sonetos de Pedro Homem de Melo
3 resultadosĂšltimas Vontades
Na branca praia, hoje deserta e fria,
De que se gosta mais do que de gente,
Na branca praia, onde te vi um dia
Para sonhar, já tarde, eternamente,Achei (ia jurá-lo!) à nossa espera,
Intacto o rasto dos antigos passos,
Aquela praia, inamovĂvel, era
Espelho de pés leves, depois lassos!E doravante, imploro, em testamento,
Que, nesta areia, a espuma seja a tiara
Do meu cadáver, preso ao teu e ao vento…— VaivĂ©m sexual, que o mar lega aos defuntos? —
Se em vida, agora, tudo nos separa
Ó meu amor, apodreçamos juntos!
Realidade
Fomos longe demais, para voltar
Aos antigos canteiros onde há rosas.
Em nĂłs, o ouvido, quase e, quase, o olhar
Buscam nas cores vozes misteriosas…Mas o mistĂ©rio Ă© flor da juventude.
NĂŁo rima com poemas desumanos.
A idade — a nossa idade! — nunca ilude.
Só uma vez é que se tem vinte anos.Quebrámos todos, todos os espelhos
E o sol que, neles, está hoje posto
Já não reflecte os lábios tão vermelhos
Que nos iluminam, sempre, o rosto.Realidade? Há uma: apenas esta!
— Somos espectros na cidade em festa.