VII
Versos feitos por mim na mocidade
O mérito só tem sentimento.
Eram, pra assim dizer, um instrumento
Mais que o prazer ecoando-me a saudade.Pospondo a fantasia sempre Ă verdade
Melhor encontrei nesta o ornamento
E, no estudo apurando o sentimento,
Quanto tenho a saber disse-me a idade.É isso o que vos quero eu ensinar,
Amando-vos qual pode um terno avĂ´,
A quem para as suas cĂŁs engrinaldarMelhor sĂł poderia o que eu vou
Em carĂcias tĂŁo vossas procurar,
Sentindo que de vĂłs inda mais sou.
Sonetos de Pedro II do Brasil
9 resultadosIV – Sempre O Brasil
Nunca noite dormi tĂŁo sossegado,
Quem nem mesmo sonhei com o meu Brasil,
PorĂ©m, vendo infinito mar d’anil,
Lembra-me a aurora dele nacarada.Cada dia que passa nĂŁo Ă© nada,
E os que faltam parecem mais de mil.
Se o tempo que lá vivo é um ceitil,
Aqui é para mim grande massada.E a doença porém me consentir,
Sempre pensando nele, cuidarei
De tornar-me mais digno de o servir,E, quando possa, logo voltarei;
Pois na terra sĂł quero eu existir
Quando Ă© para bem dele que eu o sei.
Terra Do Brasil
Espavorida agita-se a criança,
De noturnos fantasmas com receio,
Mas se abrigo lhe dá materno seio,
Fecha os doridos olhos e descansa.Perdida é para mim toda a esperança
De volver ao Brasil; de lá me veio
Um pugilo de terra; e neste creio
Brando será meu sono e sem tardança…Qual o infante a dormir em peito amigo,
Tristes sombras varrendo da memĂłria,
ó doce Pátria, sonharei contigo!E entre visões de paz, de luz, de glória,
Sereno aguardarei no meu jazigo
A justiça de Deus na voz da história!
I – Ă€ Morte Do PrĂncipe D. Pedro
Pode o artista pintar a imagem morta
Da mulher, por quem dera a prĂłpria vida.
Ă€ esposa que a ventura vĂŞ perdida
Casto e saudoso beijo inda conforta.A imitar-lhe os exemplos nos exorta
O amigo na extrema despedida…
Mas dizer o que sente a alma partida
Do pai, a quem, oh Deus, tua espada corta.A flor de seu futuro, o filho amado;
Quem o pode, Senhor, se mesmo o Teu
SĂł morrendo livrou-nos do pecado,Se a terra Ă voz do GĂłlgota tremeu
E o sangue do Cordeiro Imaculado
Até o próprio céu enegreceu!
V – A Vida E O Barco
Andar e mais andar Ă© a vida a bordo;
Mal estudo, e apenas eu vou lendo;
A noite com a mĂşsica entretendo;
Deito-me cedo, e mais cedo acordo.SaudosĂssimo a pátria eu recordo,
E, pra consolo versos lhe fazendo,
Desenho terras sĂł aquela vendo,
E para não chorar os lábios mordo.Enfim há de chegar, eu bem o sei,
Que o Brasil eu reveja jubiloso;
E, se outrora eu servi-lo sĂł pensei,Muito mais forte e muito mais zeloso,
Para ainda mais servi-lo, voltarei
TĂ© que nele encontre o Ăşltimo repouso.
Soneto
NOTA: Tradução do poema de Félix Anvers
Segredo d’alma, da existĂŞncia arcano,
Eterno amor num instante concebido,
Mal sem esperança, oculto a ente humano,
E nunca de quem fĂŞ-lo conhecido.Ai! Perto dela desapercebido
Sempre a seu lado, e sĂł, cruel engano,
Na terra gastarei meu ser insano
Nada ousando pedir e havendo tido!Se Deus a fez tĂŁo doce e carinhosa,
Contudo anda inatenta e descuidosa
Do murmĂşrio de amor que a tem seguido.Piamente ao cru dever sempre fiel
Dirá lendo a poesia, seu painel:
“Que mulher Ă©?” Sem tĂŞ-lo compreendido.
III – A IdĂ©ia Consoladora
Vendo as ondas correr para o ocidente,
Corre mais do que elas a saudade,
Mas espero que a minha enfermidade
O mesmo me consinta brevemente.Com saĂşde mais lustre dar Ă mente
É cousa que enobrece a humanidade;
Contudo agora o paga a amizade
Da pátria, e da famĂlia, cruelmente;Mas consola-me a idĂ©ia, — que mais forte
Lhes voltarei para melhor amá-los,
Pois mais anos assim até a morteEu mostrarei que sempre quis ligá-los
Na feliz, e também na infeliz sorte
Para, amando-os, ainda consolá-los.
Ingratos
NĂŁo maldigo o rigor da inĂqua sorte,
Por mais atroz que fosse e sem piedade,
Arrancando-me o trono e a majestade,
Quando a dous passos só estou da morte.Do jogo das paixões minha alma forte
Conhece bem a estulta variedade,
Que hoje nos dá contĂnua f’licidade
E amanhã nem — um bem que nos conforte.Mas a dor que excrucia e que maltrata,
A dor cruel que o ânimo deplora,
Que fere o coração e pronto mata,É ver na mão cuspir a extrema hora
A mesma boca aduladora e ingrata,
Que tantos beijos nela pôs — outrora.
O Beija-Flor
NOTA: Tradução do poema “Le Colibri”, de Leconte de Lisle
O verde beija-flor, rei das colinas,
Vendo o rocio e o sol brilhante
Luzir no ninho, trança d’ervas finas,
Qual fresco raio vai-se pelo ar distante.Rápido voa ao manancial vizinho,
Onde os bambus sussurram como o mar,
Onde o açoká rubro, em cheiros de carinho,
Abre, e eis no peito úmido a fuzilar.Desce sobre a áurea flor a repousar,
E em rósea taça amor a inebriar,
E morre não sabendo se a pode esgotar!Em teus lábios tão puros, minha amada,
Tal minha alma quisera terminar,
SĂł do primeiro beijo perfumada!