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Chamei em volta do meu frio leito
As memĂłrias melhores de outra idade,
Formas vagas, que Ă s noites, com piedade,
Se inclinam, a espreitar, sobre o meu peito…E disse-lhes: No mundo imenso e estreito
Valia a pena, acaso, em ansiedade
Ter nascido? Dizei-mo com verdade,
Pobres memĂłrias que eu ao seio estreito.Mas elas perturbaram-se – coitadas!
E empalideceram, contristadas,
Ainda a mais feliz, a mais serena…E cada uma delas, lentamente,
Com um sorriso mĂłrbido, pungente,
Me respondeu: – NĂŁo, nĂŁo valia a pena!
Sonetos sobre Peito de Antero de Quental
5 resultadosPequenina
Eu bem sei que te chamam pequenina
E ténue como o véu solto na dança,
Que Ă©s no juĂzo apenas a criança,
Pouco mais, nos vestidos, que a menina…Que Ă©s o regato de água mansa e fina,
A folhinha do til que se balança,
O peito que em correndo logo cansa,
A fronte que ao sofrer logo se inclina…Mas, filha, lá nos montes onde andei,
Tanto me enchi de angĂşstia e de receio
Ouvindo do infinito os fundos ecos,Que não quero imperar nem já ser rei
SenĂŁo tendo meus reinos em teu seio
E súbditos, criança, em teus bonecos!
Aspiração
Meus dias vĂŁo correndo vagarosos
Sem prazer e sem dor, e até parece
Que o foco interior já desfalece
E vacila com raios duvidosos.É bela a vida e os anos são formosos,
E nunca ao peito amante o amor falece…
Mas, se a beleza aqui nos aparece,
Logo outra lembra de mais puros gosos.Minh’alma, Ăł Deus! a outros cĂ©us aspira:
Se um momento a prendeu mortal beleza,
É pela eterna pátria que suspira…PorĂ©m do presentir dá-me a certeza.
Dá-ma! e sereno, embora a dor me fira,
Eu sempre bendirei esta tristeza!
Espectros
Espectros que velais, enquanto a custo
Adormeço um momento, e que inclinados
Sobre os meus sonos curtos e cansados
Me encheis as noites de agonia e susto!…De que me vale a mim ser puro e justo,
E entre combates sempre renovados
Disputar dia a dia Ă mĂŁo dos Fados
Uma parcela do saber augusto,Se a minh’alma há-de ver, sobre si fitos,
Sempre esses olhos trágicos, malditos!
Se até dormindo, com angústia imensa,Bem os sinto verter sobre o meu leito,
Uma a uma verter sobre o meu peito
As lágrimas geladas da descrença!
A uma Mulher
Para tristezas, para dor nasceste.
Podia a sorte pôr-te o berço estreito
N’algum palácio e ao pĂ© de rĂ©gio leito,
Em vez d’este areal onde cresceste:Podia abrir-te as flores — com que veste
As ricas e as felizes — n’esse peito:
Fazer-te… o que a Fortuna há sempre feito…
Terias sempre a sorte que tiveste!Tinhas de ser assim… Teus olhos fitos,
Que nĂŁo sĂŁo d’este mundo e onde eu leio
Uns mistérios tão tristes e infinitos,Tua voz rara e esse ar vago e esquecido,
Tudo me diz a mim, e assim o creio,
Que para isto sĂł tinhas nascido!