Sonetos sobre Peito de Cláudio Manuel da Costa

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Sonetos de peito de Cláudio Manuel da Costa. Leia este e outros sonetos de Cláudio Manuel da Costa em Poetris.

LVIII

Altas serras, que ao CĂ©u estais servindo
De muralhas, que o tempo nĂŁo profana,
Se Gigantes nĂŁo sois, que a forma humana
Em duras penhas foram confundindo?

lá sobre o vosso cume se está rindo
O Monarca da luz, que esta alma engana;
Pois na face, que ostenta, soberana,
O rosto de meu bem me vai fingindo.

Que alegre, que mimoso, que brilhante
Ele se me afigura! Ah qual efeito
Em minha alma se sente neste instante!

Mas ai! a que delĂ­rios me sujeito!
Se quando no Sol vejo o seu semblante,
Em vĂłs descubro Ăł penhas o seu peito?

LXVI

NĂŁo te assuste o prodĂ­gio: eu, caminhante,
Sou uma voz, que nesta selva habito;
Chamei-me o pastor Fido; de um delito
Me veio o meu estrago; eu fui amante.

Uma ninfa perjura, uma inconstante
Neste estado me pĂ´s: do peito aflito,
Por eterno castigo, arranco um grito,
Que desengane o peregrino errante.

Se em ti se dá piedade, ó passageiro,
(Que assim o pede a minha sorte escura)
Atende ao meu aviso derradeiro:

Lágrimas não te peço, nem ternura:
Por voto um desengano, te requeiro
Que consagres Ă  minha sepultura.

XLVII

Que inflexĂ­vel se mostra, que constante
Se vê este penhasco! já ferido
Do proceloso vento, e já batido
Do mar, que nele quebra a cada instante!

NĂŁo vi; nem hei de ver mais semelhante
Retrato dessa ingrata, a que o gemido
Jamais pode fazer, que enternecido
Seu peito atenda Ă s queixas de um amante.

Tal Ă©s, ingrata Nise: a rebeldia,
Que vĂŞs nesse penhasco, essa dureza
Há de ceder aos golpes algum dia:

Mas que diversa Ă© tua natureza!
Dos contĂ­nuos excessos da porfia,
Recobras novo estĂ­mulo Ă  fereza.

LXXX

Quando cheios de gosto, e de alegria
Estes campos diviso florescentes,
Então me vêm as lágrimas ardentes
Com mais ânsia, mais dor, mais agonia.

Aquele mesmo objeto, que desvia
Do humano peito as mágoas inclementes,
Esse mesmo em imagens diferentes
Toda a minha tristeza desafia.

Se das flores a bela contextura
Esmalta o campo na melhor fragrância,
Para dar uma idéia da ventura;

Como, ó Céus, para os ver terei constância,
Se cada flor me lembra a formosura
Da bela causadora de minha ânsia?

LXXVI

Enfim te hei de deixar, doce corrente
Do claro, do suavĂ­ssimo Mondego;
Hei de deixar-te enfim; e um novo pego
Formará de meu pranto a cópia ardente.

De ti me apartarei; mas bem que ausente,
Desta lira serás eterno emprego;
E quanto influxo hoje a dever-te chego,
Pagará de meu peito a voz cadente.

Das ninfas, que na fresca, amena estância
Das tuas margens Ăşmidas ouvia,
Eu terei sempre n’alma a consonância;

Desde o prazo funesto deste dia
Serão fiscais eternos da minha ânsia
As memĂłrias da tua companhia.

LXXIX

Entre este álamo, o Lise, e essa corrente,
Que agora estĂŁo meus olhos contemplando,
Parece, que hoje o céu me vem pintando
A mágoa triste, que meu peito sente.

Firmeza a nenhum deles se consente
Ao doce respirar do vento brando;
O tronco a cada instante meneando,
A fonte nunca firme, ou permanente.

Na líquida porção, na vegetante
CĂłpia daquelas ramas se figura
Outro rosto, outra imagem semelhante:

Quem nĂŁo sabe, que a tua formosura
Sempre móvel está, sempre inconstante,
Nunca fixa se viu, nunca segura?

L

MemĂłrias do presente, e do passado
Fazem guerra cruel dentro em meu peito;
E bem que ao sofrimento ando já feito,
Mais que nunca desperta hoje o cuidado.

Que diferente, que diverso estado
É este, em que somente o triste efeito
Da pena, a que meu mal me tem sujeito,
Me acompanha entre aflito, e magoado!

Tristes lembranças! e que em vão componho
A memĂłria da vossa sombra escura!
Que néscio em vós a ponderar me ponho!

Ide-vos; que em tĂŁo mĂ­sera loucura
Todo o passado bem tenho por sonho;
SĂł Ă© certa a presente desventura.

XCVIII

Destes penhascos fez a natureza
O berço, em que nasci! oh quem cuidara,
Que entre penhas tĂŁo duras se criara
Uma alma terna, um peito sem dureza!

Amor, que vence os tigre por empresa
Tomou logo render-me; ele declara
Contra o meu coração guerra tão rara,
Que nĂŁo me foi bastante a fortaleza.

Por mais que eu mesmo conhecesse o dano,
A que dava ocasiĂŁo minha brandura,
Nunca pude fugir ao cego engano:

Vós, que ostentais a condição mais dura,
Temei, penhas, temei; que Amor tirano,
Onde há mais resistência, mais se apura.

XLIII

Quem Ă©s tu? (ai de mim!) eu reclinado
No seio de uma vĂ­bora! Ah tirana!
Como entre as garras de uma tigre hircana
Me encontro de repente sufocado!

NĂŁo era essa, que eu tinha posta ao lado,
Da minha Nise a imagem soberana?
Não era… mas que digo! ela me engana:
Sim, que eu a vejo ainda no mesmo estado:

Pois como no letargo a fantasia
TĂŁo cruel ma pintou, tĂŁo inconstante,
Que a vi… ? mas nada vi; que eu nada cria.

Foi sonho; foi quimera; a um peito amante
Amor nĂŁo deu favores um sĂł dia,
Que a sombra de um tormento os nĂŁo quebrante.

XVII

Deixa, que por um pouco aquele monte
Escute a glĂłria, que a meu peito assiste:
Porque nem sempre lastimoso, e triste
Hei de chorar Ă  margem desta fonte.

Agora, que nem sombra há no horizonte,
Nem o álamo ao zéfiro resiste,
Aquela hora ditosa, em que me viste
Na posse de meu bem, deixa, que conte.

Mas que modo, que acento, que harmonia
Bastante pode ser, gentil pastora,
Para explicar afetos de alegria!

Que hei de dizer, se esta alma, que te adora,
SĂł costumada Ă s vozes da agonia,
A frase do prazer ainda ignora!

XXXV

Aquele, que enfermou de desgraçado,
NĂŁo espere encontrar ventura alguma:
Que o Céu ninguém consente, que presuma,
Que possa dominar seu duro fado.

Por mais, que gire o espĂ­rito cansado
Atrás de algum prazer, por mais em suma,
Que porfie, trabalhe, e se consuma,
Mudança não verá do triste estado.

NĂŁo basta algum valor, arte, ou engenho
A suspender o ardor, com que se move
A infausta roda do fatal despenho:

E bem que o peito humano as forças prove,
Que há de fazer o temerário empenho,
Onde o raio Ă© do CĂ©u, a mĂŁo de Jove.

LIX

Lembrado estou, Ăł penhas, que algum dia,
Na muda solidĂŁo deste arvoredo,
Comuniquei convosco o meu segredo,
E apenas brando o zéfiro me ouvia.

Com lágrimas meu peito enternecia
A dureza fatal deste rochedo,
E sobre ele uma tarde triste, e quĂŞdo
A causa de meu mal eu escrevia.

Agora torno a ver, se a pedra dura
Conserva ainda intacta essa memĂłria,
Que debuxou entĂŁo minha escultura.

Que vejo! esta Ă© a cifra: triste glĂłria!
Para ser mais cruel a desventura,
Se fará imortal a minha história.

XLIV

Há quem confie, Amor, na segurança
De um falsĂ­ssimo bem, com que dourando
O veneno mortal, vás enganando
Os tristes corações numa esperança!

Há quem ponha inda cego a confiança
Em teu fingido obséquio, que tomando
Lições de desengano, não vá dando
Pelo mundo certeza da mudança!

Há quem creia, que pode haver firmeza
Em peito feminil, quem advertido
Os cultos nĂŁo profane da beleza!

Há inda, e há de haver, eu não duvido,
Enquanto nĂŁo mudar a Natureza
Em Nise a formosura, o amor em Fido.

LXXV

Clara fonte, teu passo lisonjeiro
Pára, e ouve-me agora um breve instante;
Que em paga da piedade o peito amante
Te será no teu curso companheiro.

Eu o primeiro fui, fui o primeiro,
Que nos braços da ninfa mais constante
Pude ver da fortuna a face errante
Jazer por glĂłria de um triunfo inteiro.

Dura mĂŁo, inflexĂ­vel crueldade
Divide o laço, com que a glória, a dita
Atara o gosto ao carro da vaidade:

E para sempre a dor ter n’alma escrita,
De um breve bem nasce imortal saudade,
De um caduco prazer mágoa infinita.

XLIX

Os olhos tendo posto, e o pensamento
No rumo, que demanda, mais distante;
As ondas bate o Grego Navegante,
Entregue o leme ao mar, a vela ao vento

Em vão se esforça o harmonioso acento
Da sereia, que habita o golfo errante;
Que resistindo o espĂ­rito constante,
Vence as lisonjas do enganoso intento.

Se pois, ninfas gentis, rompe a Cupido
O arco, a flecha, o dardo, a chama acesa
De um peito entre os herĂłis esclarecido;

Que vem buscar comigo a néscia empresa,
Se inda mais, do que Ulisses atrevido,
Sei vencer os encantos da beleza!

LXXXII

Piedosos troncos, que a meu terno pranto
Comovidos estais, uma inimiga
E quem fere o meu peito, Ă© quem me obriga
A tanto suspirar, a gemer tanto.

Amei a Lise; Ă© Lise o doce encanto,
A bela ocasiĂŁo desta fadiga;
Deixou-me; que quereis, troncos, que eu diga
Em um tormento, em um fatal quebranto?

Deixou-me a ingrata Lise: se alguma hora
VĂłs a vĂŞdes talvez, dizei, que eu cego
Vos contei… mas calai, calai embora.

Se tanto a minha dor a elevar chego,
Em fé de um peito, que tão fino adora,
Ao meu silĂŞncio o meu martĂ­rio entrego.

LXXVIII

Campos, que ao respirar meu triste peito
Murcha, e seca tornais vossa verdura,
Não vos assuste a pálida figura,
Com que o meu rosto vedes tĂŁo desfeito.

VĂłs me vistes um dia o doce efeito
Cantar do Deus de Amor, e da ventura;
Isso já se acabou; nada já dura;
Que tudo à vil desgraça está sujeito.

Tudo se muda enfim: nada há, que seja
De tão nobre, tão firme segurança,
Que nĂŁo encontre o fado, o tempo, a inveja.

Esta ordem natural a tudo alcança;
E se alguém um prodígio ver deseja,
Veja meu mal, que só não tem mudança.

XXVIII

Faz a imaginação de um bem amado,
Que nele se transforme o peito amante;
Daqui vem, que a minha alma delirante
Se não distingue já do meu cuidado.

Nesta doce loucura arrebatado
Anarda cuido ver, bem que distante;
Mas ao passo, que a busco neste instante
Me vejo no meu mal desenganado.

Pois se Anarda em mim vive, e eu nela vivo,
E por força da idéia me converto
Na bela causa de meu fogo ativo;

Como nas tristes lágrimas, que verto,
Ao querer contrastar seu gĂŞnio esquivo,
TĂŁo longe dela estou, e estou tĂŁo perto.

XXIX

Ai Nise amada! se este meu tormento,
Se estes meus sentidĂ­ssimos gemidos
Lá no teu peito, lá nos teus ouvidos
Achar pudessem brando acolhimento;

Como alegre em servir-te, como atento
Meus votos tributara agradecidos!
Por séculos de males bem sofridos
Trocara todo o meu contentamento.

Mas se na incontrastável, pedra dura
De teu rigor não há correspondência,
Para os doces afetos de ternura;

Cesse de meus suspiros a veemĂŞncia;
Que Ă© fazer mais soberba a formosura
Adorar o rigor da resistĂŞncia.

LXXXI

Junto desta corrente contemplando
Na triste falta estou de um bem que adoro;
Aqui entre estas lágrimas, que choro,
Vou a minha saudade alimentando.

Do fundo para ouvir-me vem chegando
Das claras hamadrĂ­ades o coro;
E desta fonte ao murmurar sonoro,
Parece, que o meu mal estĂŁo chorando.

Mas que peito há de haver tão desabrido,
Que fuja Ă  minha dor! que serra, ou monte
Deixará de abalar-se a meu gemido!

Igual caso nĂŁo temo, que se conte;
Se até deste penhasco endurecido
O meu pranto brotar fez uma fonte.