Sofredora
Cobre-lhe a fria palidez do rosto
O sendal da tristeza que a desola;
Chora – o orvalho do pranto lhe perola
As faces maceradas de desgosto.Quando o rosário de seu pranto rola,
Das brancas rosas do seu triste rosto
Que rolam murchas como um sol já posto
Um perfume de lágrimas se evola.Tenta às vezes, porém, nervosa e louca
Esquecer por momento a mágoa intensa
Arrancando um sorriso Ă flor da boca.Mas volta logo um negro desconforto,
Bela na Dor, sublime na Descrença.
Como Jesus a soluçar no Horto!
Sonetos sobre Perfume de Augusto dos Anjos
4 resultadosRevelação
II
Treva e fulguração; sânie e perfume;
Massa palpável e éter; desconforto
E ataraxia feto vivo e aborto. ..
– Tudo a unidade do meu ser resume!Sou eu que, ateando da alma o occĂduo lume,
Apreendo, em cisma abismadora absorto,
A potencialidade do que Ă© morto
E a eficácia prolĂfica do estrume!Ah! Sou eu que, transpondo a escarpa
Dos limites orgânicos estreitos,
Dentro nos quais recalco em vĂŁo minha ânsia,Sinto bater na putrescĂvel crusta
Do tegumento que me cobre os peitos
Toda a imortalidade da Substância!
GĂŞnio Das Trevas LĂşgubres, Acolhe-me
GĂŞnio das trevas lĂşgubres, acolhe-me,
Leva-me o esp’rito dessa luz que mata,
E a alma me ofusca e o peito me maltrata,
E o viver calmo e sossegado tolhe-me!Leva-me, obumbra-me em teu seio, acolhe-me
N’asa da Morte redentora, e Ă ingrata
Luz deste mundo em breve me arrebata
E num pallium de tênebras recolhe-me!Aqui há muita luz e muita aurora,
Há perfumes d’amor – venenos d’alma –
E eu busco a plaga onde o repouso mora,E as trevas moram, e, onde d’água raso
O olhar nĂŁo trago, nem me turba a calma
A aurora deste amor que Ă© o meu ocaso!
PlenilĂşnio
Desmaia o plenilúnio. A gaze pálida
Que lhe serve de alvĂssimo sudário
Respira essências raras, toda a cálida
MĂstica essĂŞncia desse alampadário.E a lua Ă© como um pálido sacrário,
Onde as almas das virgens em crisálida
De seios alvos e de fronte pálida,
Derramam a urna dum perfume vário.Voga a lua na etérea imensidade!
Ela, eterna noctâmbula do Amor,
Eu, noctâmbulo da Dor e da Saudade.Ah! como a branca e merencórea lua,
TambĂ©m envolta num sudário – a Dor,
Minh’alma triste pelos cĂ©us flutua!