Sonetos sobre Pés de Luís de CamÔes

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Posto me tem Fortuna em tal estado

Posto me tem Fortuna em tal estado,
E tanto a seus pés me tem rendido!
NĂŁo tenho que perder jĂĄ, de perdido;
NĂŁo tenho que mudar jĂĄ, de mudado.

Todo o bem pera mim Ă© acabado;
Daqui dou o viver jĂĄ por vivido;
Que, aonde o mal Ă© tĂŁo conhecido,
Também o viver mais serå escusado,

Se me basta querer, a morte quero,
Que bem outra esperança não convém;
E curarei um mal com outro mal.

E, pois do bem tĂŁo pouco bem espero,
Jå que o mal este só remédio tem,
Não me culpem em querer remédio tal.

Sentindo Se Tomada A Bela Esposa

Sentindo se tomada a bela esposa
de CĂ©falo, no crime consentido,
para os montes fugia do marido;
e nĂŁo sei se de astuta, ou vergonhosa.

Porque ele, enfim, sofrendo a dor ciosa,
de amor cego e forçoso compelido,
apĂłs ela se vai como perdido,
jĂĄ perdoando a culpa criminosa.

Deita se aos pés da Ninfa endurecida,
que do cioso engano estĂĄ agravada;
jĂĄ lhe pede perdĂŁo, jĂĄ pede a vida.

Ó força de afeição desatinada!
Que da culpa contra ele cometida,
perdĂŁo pedia Ă  parte que Ă© culpada!

Por Cima Destas Águas, Forte E Firme

Por cima destas ĂĄguas, forte e firme,
irei por onde as sortes ordenaram,
pois, por cima de quantas me choraram
aqueles claros olhos, pude vir me.

JĂĄ chegado era o fim de despedir me,
jĂĄ mil impedimentos se acabaram,
quando rios de amor se atravessaram
a me impedir o passo de partir me.

Passei os eu com Ăąnimo obstinado,
com que a morte forçada e gloriosa
faz o vencido jĂĄ desesperado.

Em que figura, ou gesto desusado,
pode jĂĄ fazer medo a morte irosa,
a quem tem a seus pés rendido e atado?