Ăltimas Vontades
Na branca praia, hoje deserta e fria,
De que se gosta mais do que de gente,
Na branca praia, onde te vi um dia
Para sonhar, jĂĄ tarde, eternamente,Achei (ia jurĂĄ-lo!) Ă nossa espera,
Intacto o rasto dos antigos passos,
Aquela praia, inamovĂvel, era
Espelho de pés leves, depois lassos!E doravante, imploro, em testamento,
Que, nesta areia, a espuma seja a tiara
Do meu cadĂĄver, preso ao teu e ao vento…â VaivĂ©m sexual, que o mar lega aos defuntos? â
Se em vida, agora, tudo nos separa
à meu amor, apodreçamos juntos!
Sonetos sobre PĂ©s
135 resultadosSoneto Para EugĂȘnia
O tempo que te alonga todo dia
é duração que colhes na paisagem,
tĂŁo distante e tĂŁo perto em ventania,
sitiando limites na viagem.Desse mar que se afasta em maresia
o vago em teu olhar se faz aragem
nas vagas que se vĂŁo em vaga via
vigia de teus pés no vão das margens.E o fio da teia vai fugindo fosco,
irreparåvel névoa pressentida
nos livros que nĂŁo leste, nesses poucosmomentos que sobravam da medida.
AngĂșstia de ponteiros, sol deposto,
no tédio das desoras foge a vida.Vida que bem mereces por inteiro,
e Ă© pouca a que te dou de companheiro.
Soneto Da Ilha
Eu deitava na praia, a cabeça na areia
Abria as pernas aos alĂsios e ao luar
Tonto de maresia; e a mão da maré cheia
Vinha coçar meus pĂ©s com seus dedos de mar.Longos ĂȘxtases tinha; amava a Deus em Ăąnsia
E a uma nudez qualquer ĂĄvida de abandono
Enquanto ao longe a clarineta da distĂąncia
Era tambĂȘm um mar que me molhava o sono.E adormecia assim, sonhando, vendo e ouvindo
Pulos de peixes, gritos frouxos, vozes rindo
E a lua virginal arder no plexoEstelar, e o marulho das ondas sucessivas
Da monção, até que alguma entre as mais vivas
Mansa, viesse desaguar pelo meu sexo.
Toada Para Solo De Ocarina
Fio tĂȘnue do cĂ©u em claridade
tece esse manto gris meu agasalho
colhido pelos muros da cidade:
mucosa verde musgo que se espalhacomo tapete denso em chĂŁo de jade
Meus pés de crivo cravam esse atalho
riscando seu grafite no mar que arde
o fogo-de-santelmo em céu talhadoNesse caminho caio em minha sina
caio no mar que lava essa lavoura
num barco Ă©brio que sempre desafinaE colho o sal da noite a lua moura
crescente luz de foice me assassina
e me morro no haxixe com Rimbaud
Despede Teu Pudor
Despede teu pudor com a camisa
E deixa alada louca sem memĂłria
Uma nudez nascida para a glĂłria
Sofrer de meu olhar que te heroĂzaTudo teu corpo tem, nĂŁo te humaniza
Uma cegueira fĂĄcil de vitĂłria
E como a perfeição não tem história
SĂŁo leves teus enredos como a brisaConstante vagaroso combinado
Um anjo em ti se opÔe à luta e luto
E tombo como um sol abandonadoEnquanto amor se esvai a paz se eleva
Teus pés roçando nos meus pés escuto
O respirar da noite que te leva.
Saudade do Teu Corpo
Tenho saudades do teu corpo: ouviste
correr-te toda a carne e toda a alma
o meu desejo â como um anjo triste
que enlaça nuvens pela noite calma?…Anda a saudade do teu corpo (sentes?…)
Sempre comigo: deita-se ao meu lado,
dizendo e redizendo que nĂŁo mentes
quando me escreves: «vem, meu todo amado…Ȉ o teu corpo em sombra esta saudade…
Beijo-lhe as mãos, os pés, os seios-sombra:
a luz do seu olhar Ă© escuridade…Fecho os olhos ao sol para estar contigo.
Ă de noite este corpo que me assombra…
VĂȘs?! A saudade Ă© um escultor antigo!
A Dança Da PsiquĂȘ
A dança dos encéfalos acesos
Começa. A carne é fogo. A alma arde. A espaços
As cabeças, as mãos, os pés e os braços
Tombara, cedendo à ação de ignotos pesos!à então que a vaga dos instintos presos
– MĂŁe de esterilidades e cansaços –
Atira os pensamentos mais devassos
Contra os ossos cranianos indefesos.Subitamente a cerebral coréa
Påra. O cosmos sintético da Idéa
Surge. EmoçÔes extraordinĂĄrias sinto…Arranco do meu crĂąnio as nebulosas.
E acho um feixe de forças prodigiosas
Sustentando dois monstros: a alma e o instinto!
O Anjo De Pernas Tortas
A um passe de Didi, Garrincha avança
Colado o couro aos pés, o olhar atento
Dribla um, dribla dois, depois descansa
Como a medir o lance do momento.Vem-lhe o pressentimento; ele se lança
Mais rĂĄpido que o prĂłprio pensamento
Dribla mais um, mais dois; a bola trança
Feliz, entre seus pĂ©s â um pĂ©-de-vento!Num sĂł transporte a multidĂŁo contrita
Em ato de morte se levanta e grita
Seu unĂssono canto de esperança.Garrincha, o anjo, escuta e atende: â Goooool!
Ă pura imagem: um G que chuta um o
Dentro da meta, um 1. à pura dança!
Tormanto do Ideal
Conheci a Beleza que nĂŁo morre
E fiquei triste. Como quem da serra
Mais alta que haja, olhando aos pés a terra
E o mar, vĂȘ tudo, a maior nau ou torre,Minguar, fundir-se, sob a luz que jorre:
Assim eu vi o mundo e o que ele encerra
Perder a cĂŽr, bem como a nuvem que erra
Ao pĂŽr do sol e sobre o mar discorre.Pedindo Ă fĂłrma, em vĂŁo, a idea pura,
Tropéço, em sombras, na materia dura.
E encontro a imperfeição de quanto existe.Recebi o baptismo dos poetas,
E assentado entre as fĂłrmas incompletas
Para sempre fiquei palido e triste.
Elogio da Morte
I
Altas horas da noite, o Inconsciente
Sacode-me com força, e acordo em susto.
Como se o esmagassem de repente,
Assim me påra o coração robusto.Não que de larvas me povÎe a mente
Esse vĂĄcuo nocturno, mudo e augusto,
Ou forceje a razĂŁo por que afugente
Algum remorso, com que encara a custo…Nem fantasmas nocturnos visionĂĄrios,
Nem desfilar de espectros mortuĂĄrios,
Nem dentro de mim terror de Deus ou Sorte…Nada! o fundo dum poço, hĂșmido e morno,
Um muro de silĂȘncio e treva em torno,
E ao longe os passos sepulcrais da Morte.II
Na floresta dos sonhos, dia a dia,
Se interna meu dorido pensamento.
Nas regiÔes do vago esquecimento
Me conduz, passo a passo, a fantasia.Atravesso, no escuro, a névoa fria
D’um mundo estranho, que povĂŽa o vento,
E meu queixoso e incerto sentimento
SĂł das visĂ”es da noite se confia.Que mĂsticos desejos me enlouquecem?
Do Nirvana os abismos aparecem,
A meus olhos, na muda imensidade!N’esta viagem pelo ermo espaço,
as meninas
as minhas filhas nadam. a mais nova
leva nos braços bóias pequeninas,
a outra då um salto e pÔe à prova
o corpo esguio, as longas pernas finas:entre risadas como serpentinas,
vai como a formosinha numa trova,
salta a pés juntos, dedos nas narinas,
e emerge ao sol que o seu cabelo escova.a ĂĄgua tem a pele azul-turquesa
e brilhos e salpicos, e mergulham
feitas pura alegria incandescente.e ficam, de ternura e de surpresa,
nas toalhas de cor em que se embrulham,
ninfinhas sobre a relva, de repente.
Vaidade
Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reĂșne num verso a imensidade!Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!Sonho que sou AlguĂ©m cĂĄ neste mundo …
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a Terra anda curvada!E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho … E nĂŁo sou nada! …
Soneto XXIIII
De ua esperança vã suspenso mouro,
Mas quando a fortes cabos mais me amarro,
Então vou através, então desgarro,
Como barca no Tejo, ou rio Douro.Ah’ quem fora um pastor que seu tesouro
Tem no leve cortiço e tosco tarro,
E de ledo e contente os pés de barro
Julga consigo por cabeça de ouro.Mas aquele que tem de ouro a cabeça
E pés que são de barro em cima sente,
Como não sintirå tanta desgraça.Viva ufano, porém viva contente:
Quebra o barro, por mais que se endureça,
O imortal ouro mil idades passa.
Soneto XXXX
Num seco ramo, nĂș de fruto e folha,
Ua queixosa rola geme e sente
Do casto ninho seu parceiro ausente,
E vĂȘ-lo a cada sombra se lhe antolha.Dali dece a ua fonte onde recolha
Algum alento, e porque nĂŁo consente
A dor ver ĂĄgua clara, juntamente
A envolve c’os pĂ©s e o bico molha.Se ausĂȘncia e amor sentida a rola tem,
Que nem de ausĂȘncia, nem de amor conhece,
Em quem pesar nem sentimento cabe,Que farĂŁo em quem sente o que padece
Quem de seu mal conhece, e de seu bem
Temo que venha a nĂŁo sentir, e acabe.
Ao EstrĂdulo Solene Dos Bravos
–Â Os TrĂłpicos pulando as palmas batem…
Em pĂ© nas ondas – O Equador dĂĄ vivas!…Ao estrĂdulo solene dos bravos! das platĂ©ias,
Prossegues altaneira, oh! Ădolo da arte!…
–Â O sol pĂĄra o curso p’ra bem de admirar-te
– O sol, o grande sol, o misto das idĂ©ias.A velha natureza escreve-te odissĂ©ias…
A estrela, a nĂvea concha, o arbusto… em toda a parte
Retumba a doce orquestra que ousa proclamar-te
Assombro do ideal, em duplas melopéias!Perpassam vagos sons na harpa do mistério
LĂĄ, quando no proscĂȘnio te ergues imperando
– Oh! Ăbis magistral do mundo azul – sidĂ©rio!EntĂŁo da imensidade, audaz vem reboando
De palmas o tufão, veloz, febril, aéreo
Que cai dentro das almas e as vai arrebatando!…
Chuva E Sol
Agrada Ă vista e Ă fantasia agrada
Ver-te, através do prisma de diamantes
Da chuva, assim ferida e atravessada
Do sol pelos venĂĄbulos radiantes…Vais e molhas-te, embora os pĂ©s levantes:
– Par de pombos, que a ponta delicada
Dos bicos metem nĂĄgua e, doidejantes,
Bebem nos regos cheios da calçada…Vais, e, apesar do guarda-chuva aberto,
Borrifando-te colmam-te as goteiras
De pérolas o manto mal coberto;E estrelas mil cravejam-te, fagueiras,
Estrelas falsas, mas que assim de perto,
Rutilam tanto, como as verdadeiras…
Evolução
Fui rocha em tempo, e fui no mundo antigo
tronco ou ramo na incĂłgnita floresta…
Onda, espumei, quebrando-me na aresta
Do granito, antiquĂssimo inimigo…Rugi, fera talvez, buscando abrigo
Na caverna que ensombra urze e giesta;
O, monstro primitivo, ergui a testa
No limoso paĂșl, glauco pascigo…Hoje sou homem, e na sombra enorme
Vejo, a meus pés, a escada multiforme,
Que desce, em espirais, da imensidade…Interrogo o infinito e Ă s vezes choro…
Mas estendendo as mĂŁos no vĂĄcuo, adoro
E aspiro unicamente Ă liberdade.
PĂ©s
VI
LĂvidos, frios, de sinistro aspecto,
Como os pés de Jesus, rotos em chaga,
Inteiriçados, dentre a auréola vaga
Do mistério sagrado de um afeto.Pés que o fluido magnético, secreto
Da morte maculou de estranha e maga
Sensação esquisita que propaga
Um frio n’alma, doloroso e inquieto…PĂ©s que bocas febris e apaixonadas
Purificaram, quentes, inflamadas,
Com o beijo dos adeuses soluçantes.Pés que jå no caixão, enrijecidos,
Aterradoramente indefinidos
Geram fascinaçÔes dilacerantes!
Plena Nudez
Eu amo os gregos tipos de escultura:
PagĂŁs nuas no mĂĄrmore entalhadas;
Não essas produçÔes que a estufa escura
Das modas cria, tortas e enfezadas.Quero um pleno esplendor, viço e frescura
Os corpos nus; as linhas onduladas
Livres: de carne exuberante e pura
Todas as saliĂȘncias destacadas…NĂŁo quero, a VĂȘnus opulenta e bela
De luxuriantes formas, entrevĂȘ-la
De transparente tĂșnica atravĂ©s:Quero vĂȘ-la, sem pejo, sem receios,
Os braços nus, o dorso nu, os seios
Nus… toda nua, da cabeça aos pĂ©s!
MĂŁe Dolorosa
Vi-o doente, ouvi os seus gemidos;
Sinto a memoria negra, ao recordĂĄ-lo!
A MĂŁe baixava os olhos doloridos
Sobre o Filho. E era a DĂŽr a contemplĂĄ-lo!Depois, nesses instantes esquecidos,
Ou lhe falava ou punha-se a beijĂĄ-lo…
Mas, retomando, subito, os sentidos,
Estremecia toda em grande abalo!Fugia de ao pé dele suffocada,
A sua escura trança desgrenhada,
Os seus olhos abertos de terror!E entĂŁo, num desespĂȘro, a MĂŁe chorava,
E, por entre gemidos, sĂł gritava:
AmĂŽr! amĂŽr! amĂŽr! amĂŽr! amĂŽr!