Sobresalto
Quantas horas passava contemplando
Seu pequenino Vulto. Era um Anjinho
Dentro de nossa casa, abençoando…
Era uma Flôr, um Astro, um Amorzinho.Um dia, em que ele, ao pé de mim, sósinho
Brincava, estes meus olhos inundando
De graça, de inocencia e de carinho,
De tudo o que Ă© celeste, alegre e brando,Vi tremer sua Imagem, de repente,
No ar, como se fôra Aparição.
E para mim eu disse tristemente:“Pertences a outro mundo, a um cĂ©u mais alto;
Partirás dentro em breve.” E desde entĂŁo
Eu fiquei num constante sobresalto!
Sonetos sobre PĂ©s de Teixeira de Pascoaes
6 resultadosMĂŁe Dolorosa
Vi-o doente, ouvi os seus gemidos;
Sinto a memoria negra, ao recordá-lo!
A MĂŁe baixava os olhos doloridos
Sobre o Filho. E era a Dôr a contemplá-lo!Depois, nesses instantes esquecidos,
Ou lhe falava ou punha-se a beijá-lo…
Mas, retomando, subito, os sentidos,
Estremecia toda em grande abalo!Fugia de ao pé dele suffocada,
A sua escura trança desgrenhada,
Os seus olhos abertos de terror!E entĂŁo, num desespĂŞro, a MĂŁe chorava,
E, por entre gemidos, sĂł gritava:
AmĂ´r! amĂ´r! amĂ´r! amĂ´r! amĂ´r!
Trágica Recordação
Meu Deus! meu Deus! quando me lembro agora
De o ver brincar, e avisto novamente
Seu pequenino Vulto transcendente,
Mas tão perfeito e vivo como outrora!Julgo que ele ainda vive; e que, lá fóra,
Fala em voz alta e brinca alegremente,
E volve os olhos verdes para a gente,
Dois berços de embalar a luz da aurora!Julgo que ele ainda vive, mas já perto
Da Morte: sombra escura, abysmo aberto…
Pesadêlo de treva e nevoeiro!Ó visão da Creança ao pé da Morte!
E a da MĂŁe, tendo ao lado a negra sorte
A calcular-lhe o golpe traiçoeiro!
Encantamento
Quantas vezes, ficava a olhar, a olhar
A tua dĂ´ce e angelica Figura,
Esquecido, embebido num luar,
Num enlêvo perfeito e graça pura!E á força de sorrir, de me encantar,
Deante de ti, mimosa Creatura,
Suavemente sentia-me apagar…
E eu era sombra apenas e ternura.Que inocencia! que aurora! que alegria!
Tua figura de Anjo radiava!
Sob os teus pés a terra florescia,E até meu proprio espirito cantava!
Nessas horas divinas, quem diria
A sorte que já Deus te destinava!
A MĂŁe e o Filho
Teu sĂŞr tragicamente enternecido,
Em desespero de alma transformado,
Vae através do espaço escurecido
E pousa no seu tumulo sagrado.E ele acorda, sentindo-o; e, comovido,
Chora ao vĂŞr teu espirito adorado,
Assim tĂŁo sĂł na noite e arrefecido
E todo de ĂŞrmas lagrimas molhado!E eis que ele diz: “Ă“ MĂŁe, nĂŁo chores mais!
Em vez dos teus suspiros, dos teus ais,
Quero que venha a mim tua alegria!”E sĂł nas horas em que a MĂŁe descança,
É que ele inclina a fronte de creança
E dorme ao pé de ti, Virgem Maria!
Minha Alegria
Minha alegria foi no teu caixĂŁo;
Deitou-se ao pé de ti, na sepultura,
A fim de acalentar teu coração
E tornar-te mais branda a terra dura.Por isso, é para mim consolação
Esta sombria dĂ´r que me tortura!
E ponho-me a cantar na solidĂŁo,
Meu cantico esculpido em noite escura!Consola-me saber minha alegria
Longe de mim, perto de ti, na fria
Cova a que tu baixaste apoz a morte.FĂ´ste tu que m’a deste, meu amĂ´r;
Agora, dou-t’a eu: Ă© a minha flĂ´r;
Eu quero que ela soffra a tua sorte.