LXVI
NĂŁo te assuste o prodĂgio: eu, caminhante,
Sou uma voz, que nesta selva habito;
Chamei-me o pastor Fido; de um delito
Me veio o meu estrago; eu fui amante.Uma ninfa perjura, uma inconstante
Neste estado me pĂ´s: do peito aflito,
Por eterno castigo, arranco um grito,
Que desengane o peregrino errante.Se em ti se dá piedade, ó passageiro,
(Que assim o pede a minha sorte escura)
Atende ao meu aviso derradeiro:Lágrimas não te peço, nem ternura:
Por voto um desengano, te requeiro
Que consagres Ă minha sepultura.
Sonetos sobre Piedade de Cláudio Manuel da Costa
5 resultadosLIV
Ninfas gentis, eu sou, o que abrasado
Nos incĂŞndios de Amor, pude alguma hora,
Ao som da minha cĂtara sonora,
Deixar o vosso império acreditado.Se vós, glórias de amor, de amor cuidado,
Ninfas gentis, a quem o mundo adora,
NĂŁo ouvis os suspiros, de quem chora,
Ficai-vos; eu me vou; sigo o meu fado.Ficai-vos; e sabei, que o pensamento
Vai tĂŁo livre de vĂłs, que da saudade
Não receia abrasar-se no tormento.Sim; que solta dos laços a vontade,
Pelo rio hei de ter do esquecimento
Este, aonde jamais achei piedade.
LXXV
Clara fonte, teu passo lisonjeiro
Pára, e ouve-me agora um breve instante;
Que em paga da piedade o peito amante
Te será no teu curso companheiro.Eu o primeiro fui, fui o primeiro,
Que nos braços da ninfa mais constante
Pude ver da fortuna a face errante
Jazer por glĂłria de um triunfo inteiro.Dura mĂŁo, inflexĂvel crueldade
Divide o laço, com que a glória, a dita
Atara o gosto ao carro da vaidade:E para sempre a dor ter n’alma escrita,
De um breve bem nasce imortal saudade,
De um caduco prazer mágoa infinita.
LII
Que molesta lembrança, que cansada
Fadiga Ă© esta! vejo-me oprimido,
Medindo pela magoa do perdido
A grandeza da glória já passada.Foi grande a dita sim; porem lembrada,
Inda a pena Ă© maior de a haver perdido;
Quem nĂŁo fora feliz, se o haver sido
Faz, que seja a paixĂŁo mais avultada!PropĂcio imaginei (Ă© bem verdade)
O malévolo fado: oh quem pudera
Conhecer logo a hipĂłcrita piedade!Mas que em vĂŁo esta dor me desespera,
Se já entorpecida a enfermidade
Inda agora o remédio se pondera!
XXI
De um ramo desta faia pendurado
Veja o instrumento estar do pastor Fido;
Daquele, que entre os mais era aplaudido,
Se alguma vez nas selvas escutado.Ser eternamente consagrado
Um ai saudoso, um fĂşnebre gemido;
Enquanto for no monte repetido
O seu nome, o seu canto levantado.Se chegas a este sĂtio, e te persuade
A algum pesar a sua desventura,
Corresponde em afetos de piedade;Lembra te, caminhante, da ternura
De seu canto suave; e uma saudade
Por obséquio dedica à sepultura.