Ad Amicos
Em vão lutamos. Como névoa baça,
A incerteza das coisas nos envolve.
Nossa alma, em quanto cria, em quanto volve,
Nas suas próprias redes se embaraça.O pensamento, que mil planos traça,
É vapor que se esvae e se dissolve;
E a vontade ambiciosa, que resolve,
Como onda entre rochedos se espedaça.Filhos do Amor, nossa alma é como um hino
Ă€ luz, Ă liberdade, ao bem fecundo,
Prece e clamor d’um presentir divino;Mas n’um deserto sĂł, árido e fundo,
Ecoam nossas vozes, que o Destino
Paira mudo e impassĂvel sobre o mundo.
Sonetos sobre Plano
8 resultadosMarat
Foia a alma cruel das barricadas!…
Misto de luz e lama!… se ele ria,
As pĂşrpuras gelavam-se e rangia
Mais de um trono, se dava gargalhadas!…Fanático da luz… porĂ©m seguia
Do crime as torvas, lĂvidas pisadas.
Armava, à noite, aos corações ciladas,
Batia o despotismo à luz do dia.No seu cérebro tremente negrejavam
Os planos mais cruéis e cintilavam
As idéias mais bravas e brilhantes.Há muito que um punhal gelou-lhe o seio.
Passou… deixou na histĂłria um rastro cheio
De lágrimas e luzes ofuscantes.
Sanhudo, Inexorável Despotismo
Sanhudo, inexorável Despotismo
Monstro que em pranto, em sangue a fĂşria cevas,
Que em mil quadros horrĂficos te enlevas,
Obra da Iniquidade e do AteĂsmo:Assanhas o danado Fanatismo,
Porque te escore o trono onde te enlevas;
Por que o sol da Verdade envolva em trevas
E sepulte a RazĂŁo num denso abismo.Da sagrada Virtude o colo pisas,
E aos satélites vis da prepotência
De crimes infernais o plano gizas,Mas, apesar da bárbara insolência,
Reinas sĂł no ext’rior, nĂŁo tiranizas
Do livre coração a independência.
Soneto IX
Para do mundo dar completo cabo,
Lá do negro recinto o soberano
Meditava a forjar horrĂvel plano
Coçando a grenha, sacudindo o rabo.Merecedor enfim de imenso gabo,
Eis o que assim disse muito ufano:
Para a missão cumprir — digesto humano
Quero fazer — que nasça hoje um diabo.E o 23 de maio nisso raia…
TeotĂ´nio nasceu, e a fama soa
Jamais ter visto infame dessa laia.Pois para SatĂŁ ser mesmo em pessoa,
Traja, qual bruxa velha, negra saia,
Como o rei dos bandalhos tem coroa.
Afrodite I
Móvel, festivo, trépido, arrolando,
Ă€ clara voz, talvez da turba iriada
De sereias de cauda prateada,
Que vĂŁo com o vento os carmes concertando,O mar, – turquesa enorme, iluminada,
Era, ao clamor das águas, murmurando,
Como um bosque pagĂŁo de deuses, quando
Rompeu no Oriente o pálio da alvorada.As estrelas clarearam repentinas,
E logo as vagas sĂŁo no verde plano
Tocadas de ouro e irradiações divinas;O oceano estremece, abrem-se as brumas,
E ela aparece nua, Ă flor de oceano,
Coroada de um cĂrculo de espumas.
Ao Tempo
Levanta o pano, Ăł tragador das eras,
A cena mostra das fatais desditas,
Pois que no giro das paixões que incitas
Tragar venturas, vorazmente, esperas.Do vário mundo que só nutre feras,
Co’a torva dextra lhe desvia as ditas.
Solta das asas as Tentações malditas,
Os filhos traga, que indolente geras.Leva de rojo, c’o decretado gume,
Planos que traças ao profundo Averno.
Acende e apaga da RazĂŁo o lume!Ă“ Tempo, Ăł Tempo, regedor do Inferno!
Louvem-te as FĂşrias, de quem tens ciĂşme,
Que só adoro as decisões do Eterno.
VestĂgios Divinos
(Na Serra de Marumbi)
Houve deuses aqui, se nĂŁo me engano;
Novo Olimpo talvez aqui fulgia;
Zeus agastava-se, Afrodite ria,
Juno toda era orgulho e ciĂşme insano.Nos arredores, na montanha ou plano,
Diana caçava, Actéon a perseguia.
Espalhados na bruta serrania,
Inda há uns restos da forja de Vulcano.Por toda esta extensĂssima campina
Andaram Faunos, Náiades e as Graças,
E em banquete se uniu a grei divina.Os convivas pagĂŁos ainda hoje os topas
Mudados em pinheiros, como taças,
No hurra festivo erguendo no ar as copas.
Lavoura
Calma colheita do verbo sereno
Madura mansidĂŁo que se apresenta
Nessa escolha do fruto mais ameno
Servido Ă mesa suado e tĂŁo sedento.Palavras semeadas num terreno
Quintal comum, adubo que se inventa
Na lida da lavoura em plano pleno
De quem se sabe longe da tormenta.O fruto verde envolto nas lianas
Há muito debelado do seu travo
Hoje se escolhe o doce em filigranas.No duro aprendizado fiz-me escravo
Cavalo de um arado em terra plana
Transpirando crepúsculos no estábulo.