Sonetos sobre Pobres de Fernando Pessoa

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Sonetos de pobres de Fernando Pessoa. Leia este e outros sonetos de Fernando Pessoa em Poetris.

Eu

Sou louco e tenho por memĂłria
Uma longínqua e infiel lembrança
De qualquer dita transitĂłria
Que sonhei ter quando criança.

Depois, malograda trajetĂłria
Do meu destino sem esperança,
Perdi, na névoa da noite inglória,
O saber e o ousar da aliança.

SĂł guardo como um anel pobre
Que a todo herdeiro sĂł faz rico
Um frio perdido que me cobre

Como um céu dossel de mendigo,
Na curva inĂştil em que fico
Da estrada certa que nĂŁo sigo.

Soneto Já Antigo

Olha, Daisy: quando eu morrer tu hás de
dizer aos meus amigos aĂ­ de Londres,
embora nĂŁo o sintas, que tu escondes
a grande dor da minha morte. Irás de

Londres p’ra Iorque, onde nasceste (dizes…
que eu nada que tu digas acredito),
contar Ă quele pobre rapazito
que me deu tantas horas tĂŁo felizes,

Embora nĂŁo o saibas, que morri…
mesmo ele, a quem eu tanto julguei amar,
nada se importará… Depois vai dar

a notĂ­cia a essa estranha Cecily
que acreditava que eu seria grande…
Raios partam a vida e quem lá ande!

Barrow-On-Furness III

Corre, raio de rio, e leva ao mar
A minha indiferença subjetiva!
Qual “leva ao mar”! Tua presença esquiva
Que tem comigo e com o meu pensar?

Lesma de sorte! Vivo a cavalgar
A sombra de um jumento. A vida viva
Vive a dar nomes ao que nĂŁo se ativa,
Morre a pĂ´r etiquetas ao grande ar…

Escancarado Furness, mais trĂŞs dias
Te, aturarei, pobre engenheiro preso
A sucessibilĂ­ssimas vistorias…

Depois, ir-me-ei embora, eu e o desprezo
(E tu irás do mesmo modo que ias),
Qualquer, na gare, de cigarro aceso…

As Tuas MĂŁos Terminam Em Segredo

As tuas mĂŁos terminam em segredo.
Os teus olhos sĂŁo negros e macios
Cristo na cruz os teus seios (?) esguios
E o teu perfil princesas no degredo…

Entre buxos e ao pé de bancos frios
Nas entrevistas alamedas, quedo
O vendo põe o seu arrastado medo
Saudoso o longes velas de navios.

Mas quando o mar subir na praia e for
Arrasar os castelos que na areia
As crianças deixaram, meu amor,

Será o haver cais num mar distante…
Pobre do rei pai das princesas feias
No seu castelo Ă  rosa do Levante !

Há Um Poeta Em Mim Que Deus Me Disse

Há um poeta em mim que Deus me disse…
A Primavera esquece nos barrancos
As grinaldas que trouxe dos arrancos
Da sua efĂŞmera e espectral ledice…

Pelo prado orvalhado a meninice
Faz soar a alegria os seus tamancos…
Pobre de anseios teu ficar nos bancos
Olhando a hora como quem sorrisse…

Florir do dia a capitĂ©is de Luz…
Violinos do silĂŞncio enternecidos…
TĂ©dio onde o sĂł ter tĂ©dio nos seduz…

Minha alma beija o quadro que pintou…
Sento-me ao pé dos séculos perdidos
E cismo o seu perfil de inĂ©rcia e vĂ´o…