Sonetos sobre Poder de Luís de CamÔes

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Apartava-Se Nise De Montano

Apartava-se Nise de Montano,
em cuja alma partindo-se ficava;
que o pastor na memĂłria a debuxava,
por poder sustentar-se deste engano.

Pelas praias do Índico Oceano
sobre o curvo cajado s’encostava,
e os olhos pelas ĂĄguas alongava,
que pouco se doĂ­am de seu dano.

Pois com tamanha mĂĄgoa e saudade
(dezia) quis deixar-me a que eu adoro,
por testemunhas tomo CĂ©u e estrelas.

Mas se em vĂłs, ondas, mora piedade,
levai também as lågrimas que choro,
pois assi me levais a causa delas!

Ditoso Seja Aquele Que Somente

Ditoso seja aquele que somente
se queixa de amorosas esquivanças;
ois por elas não perde as esperanças
de poder n’algum tempo ser contente.

Ditoso seja quem, estando ausente,
não sente mais que a pena das lembranças;
porqu’, inda que se tema de mudanças,
menos se teme a dor quando se sente.

Ditoso seja, enfim, qualquer estado
onde enganos, desprezos e isenção
trazem o coração atormentado.

Mas triste quem se sente magoado
d’erros em que nĂŁo pode haver perdĂŁo,
sem ficar n’alma a mĂĄgoa do pecado.

Somente se Queixa de Amorosas Esquivanças

Ditoso seja aquele que somente
Se queixa de amorosas esquivanças;
Pois por elas não perde as esperanças
De poder nalgum tempo ser contente.

Ditoso seja quem estando ausente
Não sente mais que a pena das lembranças;
Porqu’inda que se tema de mudanças,
Menos se teme a dor quando se sente.

Ditoso seja, enfim, qualquer estado,
Onde enganos, desprezos e isenção
Trazem um coração atormentado.

Mas triste quem se sente magoado
De erros em que nĂŁo pode haver perdĂŁo
Sem ficar na alma a mĂĄgoa do pecado.

Chorai, Ninfas, Os Fados Poderosos

Chorai, Ninfas, os fados poderosos
daquela soberana fermosura!
Onde foram parar na sepultura
aqueles reais olhos graciosos?

Ó bens do mundo, falsos e enganosos!
Que mĂĄgoas para ouvir! Que tal figura
jaza sem resplandor na terra dura,
com tal rosto e cabelos tĂŁo fermosos!

Das outras que serĂĄ, pois poder teve
a morte sobre cousa tanto bela
que ela eclipsava a luz do claro dia?

Mas o mundo nĂŁo era dino dela,
por isso mais na terra nĂŁo esteve;
ao CĂ©u subiu, que jĂĄ *se* lhe devia.

Tal Mostra DĂĄ De Si Vossa Figura

Tal mostra dĂĄ de si vossa figura,
Sibela, clara luz da redondeza,
que as forças e o poder da natureza
com sua claridade mais apura.

Quem viu ĂŒa confiança tĂŁo segura,
tĂŁo singular esmalte da beleza,
que não padeça mais, se ter defesa
contra vossa gentil vista procura?

Eu, pois, por escusar essa esquivança,
a razĂŁo sujeitei ao pensamento,
que, rendida, os sentidos lhe entregaram.

Se vos ofende o meu atrevimento,
inda podeis tomar nova vingança
nas relĂ­quias da vida, que escaparam.

Quis Deixar-me a que Eu Adoro

Apartava-se Nise de Montano,
Em cuja alma, partindo-se, ficava,
Que o pastor na memĂłria a debuxava,
Por poder sustentar-se deste engano.

Por Ć©a praia do Índico Oceano
Sobre o curvo cajado se encostava,
E os olhos pelas ĂĄguas alongava,
Que pouco se doĂ­am de seu dano.

Pois com tamanha mĂĄgoa e saudade,
(Dizia) quis deixar-me a que eu adoro,
Por testemunhas tomo céu e estrelas.

Mas se em vĂłs, ondas, mora piedade,
Levai também as lågrimas que choro,
Pois assim me levais a causa delas.

Olhos Fermosos, Em Quem Quis Natura

Olhos fermosos, em quem quis Natura
mostrar do seu poder altos sinais,
se quiserdes saber quanto possais,
vede-me a mim, que sou vossa feitura.

Pintada em mim se vĂȘ vossa figura,
no que eu padeço retratada estais;
que, se eu passo tormentos desiguais,
muito mais pode vossa fermosura.

De mim nĂŁo quero mais que o meu desejo:
ser vosso; e sĂł de ser vosso me arreio,
porque o vosso penhor em mim se assele.

!TĂŁo me lembro de mim quando vos vejo,
nem do mundo; e nĂŁo erro, porque creio,
que, em lembrar-me de vĂłs, cumpro com ele.

Coitado! que em um tempo choro e rio

Coitado! que em um tempo choro e rio;
Espero e temo, quero e aborreço;
Juntamente me alegro e entristeço;
Du~a cousa confio e desconfio.

Voo sem asas; estou cego e guio;
E no que valho mais menos mereço.
Calo e dou vozes, falo e emudeço,
Nada me contradiz, e eu aporfio.

Queria, se ser pudesse, o impossĂ­vel;
Queria poder mudar-me e estar quedo;
Usar de liberdade e estar cativo;

Queria que visto fosse e invisĂ­vel;
Queira desenredar-me e mais me enredo:
Tais os extremos em que triste vivo!

Amor Fero e Cruel, Fortuna Escura

GrĂŁo tempo hĂĄ jĂĄ que soube da Ventura
A vida que me tinha destinada,
Que a longa experiĂȘncia da passada
Me dava claro indĂ­cio da futura.

Amor fero e cruel, Fortuna escura,
Bem tendes vossa força exprimentada;
Assolai, destruĂ­, nĂŁo fique nada;
Vingai-vos desta vida, que inda dura.

Soube Amor da Ventura que a nĂŁo tinha,
E por que mais sentisse a falta dela,
De imagens impossĂ­veis me mantinha.

Mas vĂłs, Senhora, pois que minha estrela
NĂŁo foi melhor, vivei nesta alma minha,
Que nĂŁo tem a Fortuna poder nela.