Passagem
Não quero amor demais na minha hora
nem o sinistro choro carpideiro.
Só quero esse sorriso que me escora
como lembrança leve em meu canteiro.Se bem plantado, o mórbido estertora-se
evanescentemente, no roteiro
do poema em teu louvor, grave, Senhora,
meus traços mais rebeldes, companheiros.Teus olhos já cantei as suas grades
que não me prendem só por essa calma
senão o que apascentam sem alarde.E na minha hora quero ter-te em palma,
apenas na passagem dessa margem,
palmeira verde que te quero na alma.
Sonetos sobre Poema de Anibal Beça
4 resultadosArs De Eros
Enquanto vias vi fôrmas e formas
mas sabia que vinhas ver os versos
depois de veres várias folhas mortas
desse outono jardim nosso em regressos.Não adianta rosnar pantera morna
o tempo rasga sempre um vento espesso
embora não queiramos ser da horta
estrume de um adubo tão perverso,E não me venha viúva simbolista
reclamar dos poemas tão transgressos
pois te mostro a visão livre e anarquista.Se é para ver que venha então diverso
o modo de te amar mais tribalista
que morro nesse clímax dos possessos.
Prólogo
Cavo a cova como um cavalo os cascos cava
se no cavá-lo invoca a fúria de ferir
E tanto mais se cava que a alma não se lava
e as águas já me levam léguas a fingirCava costura cavo à cava enviesada
e o talhe tinge a sombra em descaída pena
Nessa escritura a sina foge desgarrada
e o corte torce a mão e a garra do poemaE dono não sou mais senão o torto artífice
dessas linhas traçadas a dois e por um
E assim me assino esse uno e esse outro Majnun
que por louca paixão da noite é seu partícipemesmo sem Laila veste a dor e se vislumbra
nos lobos do deserto donos da penumbra
Poeira (Para José Felix)
Do pó ao pólen posta-se o poema
na penumbra do parto antecipado.
Abre-se uma janela sem algema
presa somente do seu próprio fado.Areia e barro, sol com sua gema,
a gala clara do ovo, visgo dado
ao solo só de vértebras, seu tema
variado na avena: chão arado.O tropo, o trapo, as vestes: eis aí
a massa que caldeia essa bigorna
ensolando alimárias ao se de si.Nada é constante e tudo se transforma.
Eppur si muove em ánima no giz
escrito no vaivém se vai e torna.