Sonetos sobre Poetas

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Sonetos de poetas escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Natal d’um Poeta

Em certo reino, á esquina do planeta,
Onde nasceram meus Avós, meus Paes,
Ha quatro lustres, viu a luz um poeta
Que melhor fôra não a ver jamais.

Mal despontava para a vida inquieta,
Logo ao nascer, mataram-lhe os ideaes,
A falsa-fé, n’uma traição abjecta,
Como os bandidos nas estradas reaes!

E, embora eu seja descendente, um ramo
D’essa arvore de Heroes que, entre perigos
E guerras, se esforçaram pelo ideal:

Nada me importas, Paiz! seja meu amo
O Carlos ou o Zé da Th’reza… Amigos,
Que desgraça nascer em Portugal!

Tormanto do Ideal

Conheci a Beleza que não morre
E fiquei triste. Como quem da serra
Mais alta que haja, olhando aos pés a terra
E o mar, vê tudo, a maior nau ou torre,

Minguar, fundir-se, sob a luz que jorre:
Assim eu vi o mundo e o que ele encerra
Perder a côr, bem como a nuvem que erra
Ao pôr do sol e sobre o mar discorre.

Pedindo à fórma, em vão, a idea pura,
Tropéço, em sombras, na materia dura.
E encontro a imperfeição de quanto existe.

Recebi o baptismo dos poetas,
E assentado entre as fórmas incompletas
Para sempre fiquei palido e triste.

Vaidade

Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!

Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!

Sonho que sou Alguém cá neste mundo …
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a Terra anda curvada!

E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho … E não sou nada! …

Errante

Meu coração da cor dos rubros vinhos
Rasga a mortalha do meu peito brando
E vai fugindo, e tonto vai andando
A perder-se nas brumas dos caminhos.

Meu coração o místico profeta,
O paladino audaz da desventura,
Que sonha ser um santo e um poeta,
Vai procurar o Paço da Ventura…

Meu coração não chega lá decerto…
Não conhece o caminho nem o trilho,
Nem há memória desse sítio incerto…

Eu tecerei uns sonhos irreais…
Como essa mãe que viu partir o filho,
Como esse filho que não voltou mais!

Soneto Ao Falso Fingidor

Há poeta que se ampara na velhice
como um cego que se apóia na bengala
tateando tristes trilhas da sandice
na claudicante fala que se entala.

Empalado nos versos da mesmice
seus poemas-burocratas cospem lágrimas
num chororô nostálgico em pieguice
à procura de glória em ante-salas.

Colhe, assim, as benesses oficiais,
prebendas, sinecuras, doutorados,
honoríficas causas e que tais.

Em vala rasa cala desolado
despindo-se do linho das vestais
para juntar-se ao sono de olvidados.

Vanitas

Cego, em febre a cabeça, a mão nervosa e fria,
Trabalha. A alma lhe sai da pena, alucinada,
E enche-lhe, a palpitar, a estrofe iluminada
De gritos de triunfo e gritos de agonia.

Prende a idéia fugaz; doma a rima bravia,
Trabalha… E a obra, por fim, resplandece acabada:
“Mundo, que as minhas mãos arrancaram do nada!
Filha do meu trabalho! ergue-te à luz do dia!

Cheia da minha febre e da minha alma cheia,
Arranquei-te da vida ao ádito profundo,
Arranquei-te do amor à mina ampla e secreta!

Posso agora morrer, porque vives!” E o Poeta
Pensa que vai cair, exausto, ao pé de um mundo,
E cai – vaidade humana! – ao pé de um grão de areia…

Auto-Retrato

Poeta é certo mas de cetineta
fulgurante de mais para alguns olhos
bom artesão na arte da proveta
narciso de lombardas e repolhos.

Cozido à portuguesa mais as carnes
suculentas da auto-importância
com toicinho e talento ambas partes
do meu caldo entornado na infância.

Nos olhos uma folha de hortelã
que é verde como a esperança que amanhã
amanheça de vez a desventura.

Poeta de combate disparate
palavrão de machão no escaparate
porém morrendo aos poucos de ternura.

Fosse Eu Apenas, Não Sei Onde Ou Como

Fosse eu apenas, não sei onde ou como,
Uma coisa existente sem viver,
Noite de Vida sem amanhecer
Entre as sirtes do meu dourado assomo….

Fada maliciosa ou incerto gnomo
Fadado houvesse de não pertencer
Meu intuito gloríola com Ter
A árvore do meu uso o único pomo…

Fosse eu uma metáfora somente
Escrita nalgum livro insubsistente
Dum poeta antigo, de alma em outras gamas,

Mas doente, e , num crepúsculo de espadas,
Morrendo entre bandeiras desfraldadas
Na última tarde de um império em chamas…

San Gabriel II

Vem conduzir as naus, as caravelas,
Outra vez, pela noite, na ardentia,
Avivada das quilhas. Dir-se-ia
Irmos arando em um montão de estrelas.

Outra vez vamos! Côncavas as velas,
Cuja brancura, rútila de dia,
O luar dulcifica. Feeria
Do luar não mais deixes de envolvê-las!

Vem guiar-nos, Arcanjo, à nebulosa
Que do além mar vapora, luminosa,
E à noite lactescendo, onde, quietas,

Fulgem as velhas almas namoradas…
– Almas tristes, severas, resignadas,
De guerreiros, de santos, de poetas.

Lembrança

Fui Essa que nas ruas esmolou
E fui a que habitou Paços Reais;
No mármore de curvas ogivais
Fui Essa que as mãos pálidas poisou…

Tanto poeta em versos me cantou!
Fiei o linho à porta dos casais…
Fui descobrir a Índia e nunca mais
Voltei! Fui essa nau que não voltou…

Tenho o perfil moreno, lusitano,
E os olhos verdes, cor do verde Oceano,
Sereia que nasceu de navegantes…

Tudo em cinzentas brumas se dilui…
Ah, quem me dera ser Essas que eu fui,
As que me lembro de ter sido… dantes!…

Gomes Leal

Sangra, sinistro, a alguns o astro baço.
Seus três anéis irreversíveis são
A desgraça, a tristeza, a solidão.
Oito luas fatais fitam no espaço.

Este, poeta, Apolo em seu regaço
A Saturno entregou. A plúmbea mão
Lhe ergueu ao alto o aflito coração.
E, erguido, o apertou, sangrando lasso.

Inúteis oito luas da loucura
Quando a cintura tríplice denota
Solidão e desgraça e amargura!

Mas da noite sem fim um rastro brota,
Vestígios de maligna formosura:
É a lua além de Deus, álgida e ignota.

África

Na partilha das sáfaras conquistas
Desta Líbia de mouros rancorosos,
O Deserto foi dado aos Poderosos
E o Oásis, florido e mínimo, aos Artistas.

E os felizes, quais são? Os mil sofistas
Da Ventura, a pedir, de olhos gulosos,
Terra e mais terra? Ou o que limita os gozos
E em sete palmos acomoda as vistas?

Certo, não sereis vós, ó Donatários
Do alvo Deserto, que velais, em guerra,
A áurea carga dos vossos dromedários.

Mas, tu, ó Poeta, que, por onde fores,
Teus sete palmos hás de achar na terra
Abrindo em trigo, rebentado em flores!

Arrependo-me de a Meter num Romance

O poema tem mais pressa que o romance,
Asa de fogo para te levar:
Assim, pois, se houver lama que te lance
Ao corpo quente algum, hei-de chorar.

Deus fez o poeta por que não descanse
No golfo do destino e amores no mar:
Vem um, de onda, cobri-la — e ela que dance!
Vem outro — e faz menção de me enfeitar.

Os outros a conspurcam, mas é minha!
Chicoteá-la vou com a própria espinha,
Estreitam-me de amor seus braços mornos,

Transformo seus gemidos em meus uivos
E torno anéis dos seus cabelos ruivos
Na raspa canelada dos meus cornos.

Poz-te Deus Sobre a Fronte a Mão Piedosa

Poz-te Deus sobre a fronte a mão piedosa:
O que fada o poeta e o soldado
Volveu a ti o olhar, de amor velado,
E disse-te: «vae, filha, sê formosa!»

E tu, descendo na onda harmoniosa,
Pousaste n’este solo angustiado,
Estrela envolta n’um clarão sagrado,
Do teu limpido olhar na luz radiosa…

Mas eu… posso eu acaso merecer-te?
Deu-te o Senhor, mulher! o que é vedado,
Anjo! Deu-te o Senhor um mundo á parte.

E a mim, a quem deu olhos para ver-te,
Sem poder mais… a mim o que me ha dado?
Voz, que te cante, e uma alma para amar-te!

O Mar

Que nostalgia vem das tuas vagas,
Ó velho mar, ó lutador Oceano!
Tu de saudades íntimas alagas
O mais profundo coração humano.

Sim! Do teu choro enorme e soberano,
Do teu gemer nas desoladas plagas
Sai o quer que é, rude sultão ufano,
Que abre nos peitos verdadeiras chagas.

Ó mar! ó mar! embora esse eletrismo,
Tu tens em ti o gérmen do lirismo,
És um poeta lírico demais.

E eu para rir com humor das tuas
Nevroses colossais, bastam-me as luas
Quando fazem luzir os seus metais…

Águas Da Saudade Para Dirson Costa Que O Musicou

Sou apenas um homem na paisagem
na tarde de silêncio e de mormaço.
Só o vento me anima na passagem
deixando no seu rosto o seu compasso.

Sou apenas um poeta na viagem
olhando pelo olhar dos olhos baços
a distância que abriga vaga margem
das águas da saudade nos meus passos.

Bem me quis esta vila que me habita,
e bem me dei de encantos nos seus becos.
Contudo, não cantei sua desdita.

Dessa Manaus distante, restam crespas
pegadas, chão de rugas; minha pista
banhada em banzeiros do Rio Negro.

Soneto 529 Extra-Expresso

Mandou aquele abraço para o Rio.
De Sampa enalteceu a Freguesia.
Levou compasso e régua da Bahia.
Em Londres troca o Trópico por frio.

Com Jorge, Rita e Marley antevi-o.
Com Berry, Cliff ou Wonder bem veria.
Com ele fez escola a ecologia
e a escola fez o samba em que folio.

Veado ou pica-pau, ele os compacta;
metáfora, se abstrata, ele a concreta;
com síntese a internet ele retrata.

É ágil, presto, esperto, pois poeta;
agílimo, da raça expressa a nata;
agudo, mas dulcíssimo: ultra-esteta!

A Anto!

Poeta da saudade, ó meu poeta qu´rido
Que a morte arrebatou em seu sorrir fatal,
Ao escrever o Só pensaste enternecido
Que era o mais triste livro deste Portugal,

Pensaste nos que liam esse teu missal,
Tua bíblia de dor, teu chorar sentido
Temeste que esse altar pudesse fazer mal
Aos que comungam nele a soluçar contigo!

Ó Anto! Eu adoro os teus estranhos versos,
Soluços que eu uni e que senti dispersos
Por todo o livro triste! Achei teu coração…

Amo-te como não te quis nunca ninguém,
Como se eu fosse, ó Anto, a tua própria mãe
Beijando-te já frio no fundo do caixão!

Soneto 573 Barbarizado

Já se disse: sete é conta de mentira e lenda.
Também dizem que de azar o treze é cifra certa.
Isso explica a redondilha como porta aberta
no cantar dos repentistas, na feroz contenda,

à bazófia descarada, onde é melhor a emenda
que o soneto decassílabo, no qual se enxerta
entre termos eruditos a falácia esperta,
lei de todo bom poeta que seu peixe venda.

Outrossim, também se explica por que nunca é visto
um soneto alexandrino, mas de pé quebrado:
este, a cuja tentação do treze não resisto.

Vou chamá-lo “aleijadinho”, pois, em vez de errado,
tem caráter de obra-prima, pelo menos nisto:
completar catorze versos sem ficar quadrado!