Sombra
De olheiras roxas, roxas, quase pretas,
De olhos límpidos, doces, languescentes,
Lagos em calma, pálidos, dormentes
Onde se debruçassem violetas…De mãos esguias, finas hastes quietas,
Que o vento não baloiça em noites quentes…
Nocturno de Chopin… risos dolentes…
Versos tristes em sonhos de Poetas…Beijo doce de aromas perturbantes…
Rosal bendito que dá rosas… Dantes
Esta era Eu e Eu era a Idolatrada!…Ah, cinzas mortas! Ah, luz que se apaga!
Vou sendo, em ti, agora, a sombra vaga
D’alguém que dobra a curva duma estrada…
Sonetos sobre Poetas
76 resultadosO Ideal
Nunca poderá ser pálida bonequinha,
Produto sem frescor qual manequim de molas,
Pés para borzeguins, dedos p’ra castanholas,
Que há-de satisfazer almas como esta minha.Eu deixo a Gavarni, poeta de enfermaria,
Seu rebanho gentil de belezas cloróticas,
Porque nunca encontrei n’essas plantas exóticas
A rubra flor que anela a minha fantasia.Meu torvo coração, na angústia que o oprime,
Sonha Lady Macbeth, alma fadada ao crime,
Pesadelo infernal que um Ésquilo criou;E contigo também, ó Noite grandiosa,
Filha de Miguel-Anjo, esfinge misteriosa,
Sereia colossal que algum Titã gerou!Tradução de Delfim Guimarães
Horas Rubras
Horas profundas, lentas e caladas
Feitas de beijos rubros e ardentes,
De noites de volúpia, noites quentes
Onde há risos de virgens desmaiadas…Oiço olaias em flor às gargalhadas…
Tombam astros em fogo, astros dementes,
E do luar os beijos languescentes
São pedaços de prata p’las estradas…Os meus lábios são brancos como lagos…
Os meus braços são leves como afagos,
Vestiu-os o luar de sedas puras…Sou chama e neve e branca e mist’riosa…
E sou, talvez, na noite voluptuosa,
Ó meu Poeta, o beijo que procuras!
Soneto De Criação
Deus te fez numa fôrma pequenina
De uma argila bem doce e bem morena
Deu-te uns olhos minúsculos de china
Que parecem ter sempre um olhar de pena.Banhou-te o corpo numa fonte fina
Entre os rubores de uma aurora amena
E por criar-te assim, leve e pequena
Soprou-te uma alma calma, cálida e divina.Tão formosa te fez, tão soberana
Que dar-te aos anjos por irmã queria
Mas ao plasmar-te a carne prediletaDeus, comovido, te criara humana
E para tua justa moradia
Atirou-te nos braços do poeta.
Supremo Orgulho
Nunca soube pedir…Nunca soube implorar…
Nasci, tendo este orgulho em minha lama irriquieta,
– há um brilho que incendeia o meu altivo olhar
de crente superior… de indiferente asceta…Minha fronte, jamais, eu soube curvar
na atitude servil de uma existência abjeta…
Ninguém é mais que eu!… Ninguém… e este meu ar
de orgulho, vem da glória imensa de ser poeta…Sou pobre – mas riqueza alguma há igul à minha,
– a mulher que eu amar terá a glória suprema
de um dia se sentir maior que uma rainha….Terá a glória de saber o seu nome
perpetuado por mim nas estrofes de um poema,
desses que a História guarda e o Tempo não consome!
Enquanto Dormes
Não consigo dormir… A meu lado, ressonas
em completo abandono, tranqüila, confiante,
e eu me ponho a pensar em nossas vidas, nossas
vidas, juntas no sonho, como em nosso leito.E me deixo ficar assim, na leve insônia
que me traz à lembrança tantas coisas, tantas,
que fizeram de nós, de nossos passos, uma
rede em que duas linhas são como uma só.E sem querer percebo que o que estou pensando
tem jeito de poesia, em versos simples, versos
sem rimas, e levanto-me, e venho escrevera observar-te à distância, a ressonar, feliz,
sem poderes sequer calcular que a teu lado
um poeta te ama e sonha, e faz versos de amor.
A Teodoro de Banville
De tal modo agarraste a Deusa pela crina,
Com ar dominador, num gesto sacudido
Que se alguém presencia o caso acontecido
Poderia julgar-te um rufião de esquina.Com o límpido olhar, — precoce e ardente vista,
Audaz, vais expandido o orgulho de arquitecto
Em nobres produções, de traço tão correcto,
Que deixam futurar um prodigioso artista.O nosso sangue, Poeta, esvai-se dia a dia!…
Acaso, do Centauro, a túnica sombria,
— Que, fúnebres caudais as velas transformava —Três vezes se tingiu com as barbas subtis
D’aqueles infernais, monstruosos, répteis,
Que Hércules, em crença, a rir, estrangulava?Tradução de Delfim Guimarães
Soneto 549 Tematizado
De duas coisas todo bom poeta
dever tem de falar para ser posto
no círculo dos grandes e no gosto
do povo ser mais um que se projeta:de estrelas e de rosas. Nada veta
que seja seu soneto só composto
de pétalas que espelhem-lhe o desgosto
do amor que feneceu e nos afeta.Também ninguém proíbe que as estrelas
figurem esperanças ou paixões
e todos os sonetos tentem lê-las.Não morre um de Bilac ou de Camões,
mas falta o que um poeta mede pelas
(dum cego) fantasias e visões…
Oficina Irritada
Eu quero compor um soneto duro
como poeta algum ousara escrever.
Eu quero pintar um soneto escuro,
seco, abafado, difícil de ler.Quero que meu soneto, no futuro,
não desperte em ninguém nenhum prazer.
E que, no seu maligno ar imaturo,
ao mesmo tempo saiba ser, não ser.Esse meu verbo antipático e impuro
há de pungir, há de fazer sofrer,
tendão de Vênus sob o pedicuro.Ninguém o lembrará: tiro no muro,
cão mijando no caos, enquanto Arcturo,
claro enigma, se deixa surpreender.
Ecce Homo
Desbaratamos deuses, procurando
Um que nos satisfaça ou justifique.
Desbaratamos esperança, imaginando
Uma causa maior que nos explique.Pensando nos secamos e perdemos
Esta força selvagem e secreta,
Esta semente agreste que trazemos
E gera heróis e homens e poetas.Pois deuses somos nós. Deuses do fogo
Malhando-nos a carne, até que em brasa
Nossos sexos furiosos se confundam,Nossos corpos pensantes se entrelacem
E sangue, raiva, desespero ou asa,
Os filhos que tivermos forem nossos.
A Maior Tortura
A um grande poeta de Portugal
Na vida, para mim, não há deleite.
Ando a chorar convulsa noite e dia…
E não tenho uma sombra fugidia
Onde poise a cabeça, onde me deite!E nem flor de lilás tenho que enfeite
A minha atroz, imensa nostalgia! …
A minha pobre Mãe tão branca e fria
Deu-me a beber a Mágoa no seu leite!Poeta, eu sou um cardo desprezado,
A urze que se pisa sob os pés.
Sou, como tu, um riso desgraçado!Mas a minha tortura inda é maior:
Não ser poeta assim como tu és
Para gritar num verso a minha Dor!…
A Água
Eu fui a sombra a converter-se em luz,
E fui a névoa a transformar-se em cor,
E fui o pranto a consagrar a dor,
Quando brilhei nos olhos de Jesus.E fui a nuvem a buscar a altura,
E recebi do Sol a cor da chama.
Caí na terra e converti-me em lama
Para a tornar melhor e menos dura!Fui pranto de perdão e de humildade…
E foi nuns olhos cheios de saudade
Que mais linda me fiz e desejei!…E fui rio… e fui mar… e onda… e espuma…
E, em sonho de Poetas, fui à bruma…
O vago… o indeciso… o que não sei….
Renúncia
Quero-te muito, muito – o nosso amor
é belo, bem o sei, mas não o mereço…
– da incerteza em que vivo não me esqueço,
– só da renúncia eu devo pois dispor…Não passo de um ousado sonhador
nascido na pobreza – reconheço
que a riqueza dos versos não tem preço:
– o destino de um poeta é enganador…Dividir meu viver, eu, pois, não quero…
Poderás amanhã vir maldizer
este amor que é a ilusão que mais venero…Esquece… Esquece os sonhos que eu desfiz…
-Para o teu bem tu deves me esquecer
já que não posso te fazer feliz!…
To Sleep, To Dream
Dormir, sonhar — o poeta inglês o disse…
Ah! Mas se a gente nunca mais sonhasse
Ah! Mas se a gente nunca mais dormisse
E a ilusões não mais acalentasse?E o que importava que o futuro risse
De um visionário que tal cousa ideasse;
Se não seria o único que abrisse
Uma exceção da vida humana à face?…Se os imortais filósofos modernos
Que derrubaram todos os infernos,
Que destruíram toda a teogonia.Orientando a triste humanidade,
Deixaram, mais e mais, a piedade
Inteiramente desolada e fria?
O Assinalado
Tu és o louco da imortal loucura,
O louco da loucura mais suprema.
A Terra é sempre a tua negra algema,
Prende-te nela a extrema Desventura.Mas essa mesma algema de amargura,
Mas essa mesma Desventura extrema
Faz que tu’alma suplicando gema
E rebente em estrelas de ternura.Tu és o Poeta, o grande Assinalado
Que povoas o mundo despovoado,
De belezas etrenas, pouco a pouco…Na Natureza prodigiosa e rica
Toda a audácia dos nervos justifica
Os teus espasmos imortais de louco!
Almas Indecisas
Almas ansiosas, trêmulas, inquietas,
Fugitivas abelhas delicadas
Das colméias de luz das alvoradas,
Almas de melancólicos poetas.Que dor fatal e que emoções secretas
vos tornam sempre assim desconsoladas,
Na pungência de todas as espadas,
Na dolência de todos os ascetas?!Nessa esfera em que andais, sempre indecisa,
Que tormento cruel vos nirvaniza,
Que agonias titânicas são estas?!Por que não vindes, Almas imprevistas,
Para a missão das límpidas Conquistas
E das augustas, imortais Promessas?!