Sonetos sobre PorçÔes

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Sonetos de porçÔes escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

O Suspiro

Voai, brandos meninos tentadores,
Filhos de VĂ©nus, deuses da ternura,
Adoçai-me a saudade amarga e dura,
Levai-me este suspiro aos meus amores:

Dizei-lhe que nasceu dos dissabores
Que influi nos coraçÔes a formosura;
Dizei-lhe que é penhor da fé mais pura,
Porção do mais leal dos amadores:

Se o fado para mim sempre mesquinho,
A outro of’rece o bem de que me afasta,
E em ais lhe envia Ulina o seu carinho:

Quando um deles soltar na esfera vasta,
Trazei-o a mim, torcendo-lhe o caminho;
Eu sou tĂŁo infeliz, que isso me basta.

Ah! Os RelĂłgios

Amigos, nĂŁo consultem os relĂłgios
quando um dia eu me for de vossas vidas
em seus fĂșteis problemas tĂŁo perdidas
que até parecem mais uns necrológios


Porque o tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida – a verdadeira –
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.

Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma Ă© dividida:
não cabe, a cada qual, uma porção.

E os Anjos entreolham-se espantados
quando alguĂ©m – ao voltar a si da vida –
acaso lhes indaga que horas são


LXXIX

Entre este ĂĄlamo, o Lise, e essa corrente,
Que agora estĂŁo meus olhos contemplando,
Parece, que hoje o céu me vem pintando
A mĂĄgoa triste, que meu peito sente.

Firmeza a nenhum deles se consente
Ao doce respirar do vento brando;
O tronco a cada instante meneando,
A fonte nunca firme, ou permanente.

Na líquida porção, na vegetante
CĂłpia daquelas ramas se figura
Outro rosto, outra imagem semelhante:

Quem nĂŁo sabe, que a tua formosura
Sempre mĂłvel estĂĄ, sempre inconstante,
Nunca fixa se viu, nunca segura?

II

Leia a posteridade, Ăł pĂĄtrio Rio,
Em meus versos teu nome celebrado;
Por que vejas uma hora despertado
O sono vil do esquecimento frio:

NĂŁo vĂȘs nas tuas margens o sombrio,
Fresco assento de um ĂĄlamo copado;
NĂŁo vĂȘs ninfa cantar, pastar o gado
Na tarde clara do calmoso estio.

Turvo banhando as pĂĄlidas areias
Nas porçÔes do riquíssimo tesouro
O vasto campo da ambição recreias.

Que de seus raios o planeta louro
Enriquecendo o influxo em tuas veias,
Quanto em chamas fecunda, brota em ouro.

O Deus-Verme

Factor universal do transformismo.
Filho da teleológica matéria,
Na superabundùncia ou na miséria,
Verme – Ă© o seu nome obscuro de batismo.

Jamais emprega o acérrimo exorcismo
Em sua diĂĄria ocupação fĂșnerea,
E vive em contubérnio com a bactéria,
Livre das roupas do antropomorfismo.

Almoça a podridão das drupas agras,
Janta hidrĂłpicos, rĂłi vĂ­sceras magras
E dos defuntos novos incha a mão


Ah! Para ele Ă© que a carne podre fica,
E no inventårio da matéria rica
Cabe aos seus filhos a maior porção!

Soneto

Ao meu primeiro filho nascido morto com 7 meses incompletos 2 fevereiro 1911.

Agregado infeliz de sangue e cal,
Fruto rubro de carne agonizante,
Filho da grande força fecundante
De minha brĂŽnzea trama neuronial,

Que poder embriolĂłgico fatal
Destruiu, com a sinergia de um gigante,
Em tua morfogĂȘnese de infante
A minha morfogĂȘnese ancestral?!

Porção de minha plåsmica substùncia,
Em que logar irĂĄs passar a infĂąncia,
Tragicamente anînimo, a feder?!


Ah! Possas tu dormir feto esquecido,
Panteisticamente dissolvido
Na noumenalidade do NÃO SER!