O Suspiro
Voai, brandos meninos tentadores,
Filhos de VĂ©nus, deuses da ternura,
Adoçai-me a saudade amarga e dura,
Levai-me este suspiro aos meus amores:Dizei-lhe que nasceu dos dissabores
Que influi nos coraçÔes a formosura;
Dizei-lhe que é penhor da fé mais pura,
Porção do mais leal dos amadores:Se o fado para mim sempre mesquinho,
A outro ofârece o bem de que me afasta,
E em ais lhe envia Ulina o seu carinho:Quando um deles soltar na esfera vasta,
Trazei-o a mim, torcendo-lhe o caminho;
Eu sou tĂŁo infeliz, que isso me basta.
Sonetos sobre PorçÔes
6 resultadosAh! Os RelĂłgios
Amigos, nĂŁo consultem os relĂłgios
quando um dia eu me for de vossas vidas
em seus fĂșteis problemas tĂŁo perdidas
que atĂ© parecem mais uns necrolĂłgiosâŠPorque o tempo Ă© uma invenção da morte:
nĂŁo o conhece a vida â a verdadeira â
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma Ă© dividida:
não cabe, a cada qual, uma porção.E os Anjos entreolham-se espantados
quando alguĂ©m â ao voltar a si da vida â
acaso lhes indaga que horas sĂŁoâŠ
LXXIX
Entre este ĂĄlamo, o Lise, e essa corrente,
Que agora estĂŁo meus olhos contemplando,
Parece, que hoje o céu me vem pintando
A mĂĄgoa triste, que meu peito sente.Firmeza a nenhum deles se consente
Ao doce respirar do vento brando;
O tronco a cada instante meneando,
A fonte nunca firme, ou permanente.Na lĂquida porção, na vegetante
CĂłpia daquelas ramas se figura
Outro rosto, outra imagem semelhante:Quem nĂŁo sabe, que a tua formosura
Sempre mĂłvel estĂĄ, sempre inconstante,
Nunca fixa se viu, nunca segura?
II
Leia a posteridade, Ăł pĂĄtrio Rio,
Em meus versos teu nome celebrado;
Por que vejas uma hora despertado
O sono vil do esquecimento frio:NĂŁo vĂȘs nas tuas margens o sombrio,
Fresco assento de um ĂĄlamo copado;
NĂŁo vĂȘs ninfa cantar, pastar o gado
Na tarde clara do calmoso estio.Turvo banhando as pĂĄlidas areias
Nas porçÔes do riquĂssimo tesouro
O vasto campo da ambição recreias.Que de seus raios o planeta louro
Enriquecendo o influxo em tuas veias,
Quanto em chamas fecunda, brota em ouro.
O Deus-Verme
Factor universal do transformismo.
Filho da teleológica matéria,
Na superabundùncia ou na miséria,
Verme â Ă© o seu nome obscuro de batismo.Jamais emprega o acĂ©rrimo exorcismo
Em sua diĂĄria ocupação fĂșnerea,
E vive em contubérnio com a bactéria,
Livre das roupas do antropomorfismo.Almoça a podridão das drupas agras,
Janta hidrĂłpicos, rĂłi vĂsceras magras
E dos defuntos novos incha a mĂŁoâŠAh! Para ele Ă© que a carne podre fica,
E no inventårio da matéria rica
Cabe aos seus filhos a maior porção!
Soneto
Ao meu primeiro filho nascido morto com 7 meses incompletos 2 fevereiro 1911.
Agregado infeliz de sangue e cal,
Fruto rubro de carne agonizante,
Filho da grande força fecundante
De minha brĂŽnzea trama neuronial,Que poder embriolĂłgico fatal
Destruiu, com a sinergia de um gigante,
Em tua morfogĂȘnese de infante
A minha morfogĂȘnese ancestral?!Porção de minha plĂĄsmica substĂąncia,
Em que logar irĂĄs passar a infĂąncia,
Tragicamente anĂŽnimo, a feder?!âŠAh! Possas tu dormir feto esquecido,
Panteisticamente dissolvido
Na noumenalidade do NĂO SER!