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Livro, se luz desejas, mal te enganas.
Quanto melhor será dentro em teu muro
Quieto, e humilde estar, inda que escuro,
Onde ninguĂ©m t’impece, a ninguĂ©m danas!Sujeitas sempre ao tempo obras humanas
Coa novidade aprazem; logo em duro
Ă“dio e desprezo ficam: ama o seguro
SilĂŞncio, fuge o povo, e mĂŁos profanas.Ah! nĂŁo te posso ter! deixa ir comprindo
Primeiro tua idade; quem te move
Te defenda do tempo, e de seus danos.Dirás que a pesar meu fostes fugindo,
Reinando SebastiĂŁo, Rei de quatro anos:
Ano cinquenta e sete: eu vinte e nove.
Sonetos sobre Povos
32 resultadosTrabalho E Luz I
Luz e trabalho, eis a divisa imensa
Da nova legiĂŁo de um mundo novo.
Das águias do porvir fecunde-se o ovo
No vigor do trabalho unido Ă crença.D’árvore humanidade Ă luz intensa
Do livre ensino brota o sĂŁo renovo
Rico de luz se nobilita o povo
Do trabalho na santa recompensa.Trabalham para a luz almas, que alentam
O brilho do trabalho. Os benefĂcios
Da luz da educação a Deus contentam.Trabalho e luz contra o furor dos vĂcios,
No trabalho e na luz que a paz sustentam,
GlĂłria ao Liceu de Artes e de OfĂcios.
Saudade
Aqui outrora retumbaram hinos;
Muito coche real nestas calçadas
E nestas praças, hoje abandonadas,
Rodou por entre os ouropĂ©is mais finos…Arcos de flores, fachos purpurinos,
Trons festivais, bandeiras desfraldadas,
Girândolas, clarins, atropeladas
Legiões de povo, bimbalhar de sinos…Tudo passou! Mas dessas arcarias
Negras, e desses torreões medonhos,
Alguém se assenta sobre as lájeas frias;E em torno os olhos úmidos, tristonhos,
Espraia, e chora, como Jeremias,
Sobre a JerusalĂ©m de tantos sonhos!…
Afrodite II
Cabelo errante e louro, a pedraria
Do olhar faiscando, o mármore luzindo
AlvirrĂłseo do peito, – nua e fria,
Ela Ă© a filha do mar, que vem sorrindo.Embalaram-na as vagas, retinindo,
Ressoantes de pĂ©rolas, – sorria
Ao vĂŞ-la o golfo, se ela adormecia
Das grutas de âmbar no recesso infindo.Vede-a: veio do abismo! Em roda, em pêlo
Nas águas, cavalgando onda por onda
Todo o mar, surge um povo estranho e belo;Vêm a saudá-la todos, revoando,
Golfinhos e tritões, em larga ronda,
Pelos retorsos bĂşzios assoprando.
Ă€ Revolta
A Cassiano CĂ©sar
O sĂ©culo Ă© de revolta — do alto transformismo,
De Darwin, de LittrĂ©, de Spencer, de Laffite —
Quem fala, quem dá leis é o rubro niilismo
Que traz como divisa a bala-dinamite!…Se Ă© força, se Ă© preciso erguer-se um evangelho,
Mais reto, que instrua — estĂ©tico — mais novo
Esmaguem-se do trono os dogmas de um Velho
E lance-se outro sangue aos mĂşsculos do povo!…O vĂcio azinhavrado e os cĂ©rebros raquĂticos,
É pĂ´-los ao olhar dos sĂ©rios analĂticos,
Na ampla, social e esplĂŞndida vitrine!…Ă€ frente!… — Trabalhar a luz da idĂ©ia nova!…
— Pois bem! Seja a idĂ©ia, quem lance o vĂcio Ă cova,
— Pois bem! — Seja a idĂ©ia, quem gere e quem fulmine!…
LXXXIII
Polir na guerra o bárbaro gentio,
Que as leis quase ignorou da natureza,
Romper de altos penhascos a rudeza,
Desentranhar o monte, abrir o rio;Esta a virtude, a glória, o esforço, o brio
Do Russiano HerĂłi, esta a grandeza,
Que igualou de Alexandre a fortaleza,
Que venceu as desgraças de Dario:Mas se a lei do heroĂsmo se procura,
Se da virtude o espĂrito se atende,
Outra idéia, outra máxima o segura:Lá vive, onde no ferro não se acende;
Vive na paz dos povos, na brandura:
VĂłs a ensinais, Ăł Rei; em vĂłs se aprende.
Tentara o Amor de Abril
Tentara o amor de Abril tornar mais duro,
Naquele mês de céu azul cortado
Pelas pandorgas cor do assombro, o brado
Que no meu peito armava o meu futuro;Porque de novo, a procurar, procuro,
De bruços na janela, e debruçado
Por sobre as mágoas deste amor calado,
Nas portas tenebrosas, o ar mais puro.Firmando para o Norte, o brando povo
Das andorinhas parte, e fervoroso
Consuma o seu destino. Eu tento armá-loNo céu da alma, e durmo procurando
Essa firmeza no abandono, e calo,
Por pouco tempo embora o como e o quando.
Por Entre O Beberibe, E O Oceano
Por entre o Beberibe, e o Oceano
Em uma areia sáfia, e lagadiça
Jaz o Recife povoação mestiça,
Que o Belga edificou Ămpio tirano.O Povo Ă© pouco, e muito pouco urbano,
Que vive à mercê de uma lingüiça,
Unha de velha insĂpida enfermiça,
E camarões de charco em todo o ano.As damas cortesãs, e por rasgadas
Olhas podridas, sĂŁo, e pestilĂŞncias,
Elas com purgações, nunca purgadas.Mas a culpa têm vossas reverências,
Pois as trazem rompidas, e escaladas
Com cordões, com bentinhos, e indulgências.
Prece A Anchieta
Santo: erguesses a cruz na selva escura;
HerĂłi: plantasses nossa velha aldeia;
Mestre: ensinasses a doutrina pura;
Poeta: escrevesses versos sobre a areia!Golpeia a cruz a foice inculta e dura;
Invade a vila multidĂŁo alheia;
Morre a voz santa entre a distância e a altura;
Apaga o poema a onda espumejante e cheia…Santo, herĂłi, mestre e poeta: — Pela glĂłria
que destes a esta Terra e a sua HistĂłria,
Pela dor que sofremos sempre nĂłs.Pelo bem que quisesses a este povo,
O novo Cristo deste Mundo Novo,
Padre José de Anchieta, orai por nós!
Adagas Cujas JĂłias Velhas Galas
Adagas cujas jĂłias velhas galas…
Opalesci amar-me entre mĂŁos raras,
E fluido a febres entre um lembrar de aras,
O convĂ©s sem ninguĂ©m cheio de malas…O Ăntimo silĂŞncio das opalas
Conduz orientes até jóias caras,
E o meu anseio vai nas rotas claras
De um grande sonho cheio de Ăłcio e salas…Passa o cortejo imperial, e ao longe
O povo só pelo cessar das lanças
Sabe que passa o seu tirano, e estrugeSua ovação, e erguem as crianças
Mas o teclado as tuas mĂŁos pararam
E indefinidamente repousaram…
Disputa em FamĂlia
I
Sai das nuvens, levanta a fronte e escuta
O que dizem teus filhos rebelados,
Velho Jeová de longa barba hirsuta,
Solitário em teus Céus acastelados:« — Cessou o império enfim da força bruta!
NĂŁo sofreremos mais, emancipados,
O tirano, de mĂŁo tenaz e astuta,
Que mil anos nos trouxe arrebanhados!Enquanto tu dormias impassĂvel,
Topámos no caminho a liberdade
Que nos sorriu com gesto indefinĂvel…Já provámos os frutos da verdade…
Ă“ Deus grande, Ăł Deus forte, Ăł Deus terrĂvel.
NĂŁo passas d’uma vĂŁ banalidade! — »II
Mas o velho tirano solitário,
De coração austero e endurecido,
Que um dia, de enjoado ou distraido,
Deixou matar seu filho no Calvário,Sorriu com rir estranho, ouvindo o vário
Tumultuoso coro e alarido
Do povo insipiente, que, atrevido,
Erguia a voz em grita ao seu sacrário:« — Vanitas vanitatum! (disse). É certo
Que o homem vão medita mil mudanças,
Sem achar mais do que erro e desacerto.Muito antes de nascerem vossos pais
D’um barro vil,
O Teu Olhar
Passam no teu olhar nobres cortejos,
Frotas, pendões ao vento sobranceiros,
Lindos versos de antigos romanceiros,
CĂ©us do Oriente, em brasa, como beijos,Mares onde nĂŁo cabem teus desejos;
Passam no teu olhar mundos inteiros,
Todo um povo de herĂłis e marinheiros,
Lanças nuas em rútilos lampejos;Passam lendas e sonhos e milagres!
Passa a ĂŤndia, a visĂŁo do Infante em Sagres,
Em centelhas de crença e de certeza!E ao sentir-te tão grande, ao ver-te assim,
Amor, julgo trazer dentro de mim
Um pedaço da terra portuguesa!
DantĂŁo
Parece-me que o vejo iluminado.
Erguendo delirante a grande fronte
– De um povo inteiro o fĂşlgido horizonte
Cheio de luz, de idĂ©ias constelado!De seu crânio vulcĂŁo – a rubra lava
Foi que gerou essa sublime aurora
– Noventa e trĂŞs – e a levantou sonora
Na fronte audaz da populaça brava!Olhando para a histĂłria – um sĂ©culo e a lente
Que mostra-me o seu crânio resplandente
Do passado atravĂ©s o vĂ©u profundo…Há muito que tombou, mas inquebrável
De sua voz o eco formidável
Estruge ainda na razĂŁo do mundo!
Mancebos! De Mil Louros Triunfantes
Mancebos! De mil louros triunfantes
Adornai o Moisés da mocidade,
O Anjo que nos guia da verdade
Pelos doces caminhos sempre ovantes.Coroai de grinaldas verdejantes
Quem rompeu para a Pátria nova idade,
Guiando pelas leis sĂŁs da amizade
Os moços do progresso sempre amantes.Vê, Brasil, este filho que o teu nome
Sobre o mapa dos povos ilustrados
Descreve qual o forte de VendĂ´me.Conhece que os Andradas e os Machados,
Que inda vivem nas asas do renome
Não morrem nestes céus abençoados;
Já Foste Rico e Forte e Soberano
Já foste rico e forte e soberano,
Já deste leis a mundos e nações,
Heróico Portugal, que o gram Camões
Cantou, como o nĂŁo pĂ´de um ser humano!Zombando do furor do mar insano,
Os teus nautas, em fracos galeões,
Descobriram longĂnquas regiões,
Perdidas na amplidĂŁo do vasto oceano.Hoje vejo-te triste e abatido,
E quem sabe se choras, ou entĂŁo,
Relembras com saudade o tempo ido?Mas a queda fatal nĂŁo temas, nĂŁo.
Porque o teu povo, outrora tĂŁo temido,
Ainda tem ardor no coração.
Um Dia Guttemberg
Um dia Guttemberg c’o a alma aos cĂ©us suspensa,
Pegou do escopro ingente e pĂ´s-se a trabalhar!
E fez do velho mundo um rútilo alcançar
Ao mágico clangor de sua idéia imensa!Rolou por todo o globo a luz da sacra imprensa!
Ruiu o despotismo no pĂł, a esbravejar…
Uniram-se n’um lago, o cĂ©u, a terra, o mar…
Rasgou-se o manto atroz da horrĂvel treva densa!…Ergueram-se mil povos ao som das melopĂ©ias,
Das grandes cavatinas olĂmpicas da arte!
Raiou o novo sol das fĂşlgidas idĂ©ias!…PorĂ©m, quem lance luz maior por toda a parte
És tu, sublime atriz, ó misto de epopéias
Que sabes no tablado subir, endeusar-te!…
Campesinas III
As papoulas da saĂşde
Trouxeram-te um ar mais novo,
Ă“ bela filha do povo,
Rosa aberta de virtude.Do campo viçoso e rude
Regressas, como um renovo,
E eu ao ver-te, os olhos movo
De um modo que nunca pude.Bravo ao campo e bravo a seara
Que deram-te a pele clara
SĂŁo rubores de alvorada.Que esses teus beijos agora
Tenham sabores de amora
E de romĂŁ estalada.
Rompeu-Se O Denso VĂ©u Do Atroz Marasmo
Rompeu-se o denso véu do atroz marasmo
E como por fatal, negro hebetismo
De antro sepulcral, de fundo abismo
O povo ressurgiu com entusiasmo!O Zoilo mazorral se queda pasmo
Supõe quimera ser, ser cataclismo
Roga, já por dobrez, por ceticismo
De nĂ©scio, vil truĂŁo solta o sarcasmo.PerdĂŁo, Filho da Luz, minh’alma exora,
Porém, a pátria diz, somente agora
Os grilhões biparti de atroz moleza!E ele, o nosso herói já redivivo
De pé, sem se curvar, sereno, altivo
Co’as raias do porvir mede a grandeza!
3A Sombra – Ester
Vem! no teu peito cálido e brilhante
O nardo oriental melhor transpira!
Enrola-te na longa cachemira,
Como as judias moles do Levante,Alva a clâmide aos ventos – roçagante…
TĂşmido o lábio, onde o saltĂ©rio gira…
Ă“ musa de Israel! pega da lira…
Canta os martĂrios de teu povo errante!Mas nĂŁo… brisa da pátria alĂ©m revoa,
E ao delamber-lhe o braço de alabastro,
Falou-lhe de partir… e parte… e voa. . .Qual nas algas marinhas desce um astro…
Linda Ester! teu perfil se esvai… s’escoa…
SĂł me resta um perfume… um canto… um rastro…
Lusitânia Querida
Lusitânia querida! Se não choro
Vendo assim lacerado o teu terreno,
NĂŁo Ă© de ingrata filha o dĂł pequeno;
Rebeldes julgo os ais, se te deploro.Admiro de teus danos o decoro.
Bebeu SĂłcrates firme seu veneno;
E em qualquer parte do perigo o aceno
Encontra e cresce o teu valor, que adoro.Mais que a vitĂłria vale um sofrer belo;
E assaz te vingas de opressões fatais,
Se arrasada te vês, sem percebê-lo.Povos! a independência que abraçais
Aplaude, alegre, o estrago, e grita ao vĂŞ-lo:
“RuĂna sim, mas servidĂŁo jamais!”