Sonetos sobre Povos

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Sonetos de povos escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

A Gonçalves Dias

Celebraste o domĂ­nio soberano
Das grandes tribos, o tropel fremente
Da guerra bruta, o entrechocar insano
Dos tacapes vibrados rijamente,

O maracá e as flechas, o estridente
Troar da inĂşbia, e o canitar indiano…
E, eternizando o povo americano,
Vives eterno em teu poema ingente.

Estes revoltos, largos rios, estas
Zonas fecundas, estas seculares
Verdejantes e amplĂ­ssimas florestas

Guardam teu nome: e a lira que pulsaste
Inda se escuta, a derramar nos ares
O estridor das batalhas que contaste.

Retrato do HerĂłi

HerĂłi Ă© quem num muro branco inscreve
O fogo da palavra que o liberta:
Sangue do homem novo que diz povo
e morre devagar    de morte certa.

Homem Ă© quem anĂłnimo por leve
lhe ser o nome prĂłprio traz aberta
a alma à fome    fechado o corpo ao breve
instante em que a denĂşncia fica alerta.

HerĂłi Ă© quem morrendo perfilado
Não é santo    nem mártir    nem soldado
Mas apenas    por último    indefeso.

Homem Ă© quem tombando apavorado
dá o sangue ao futuro e fica ileso
pois lutando apagado morre aceso.

Aqui, Onde O Talento Verdadeiro

Aqui, onde o talento verdadeiro
NĂŁo nega o povo o merecido preito;
Aqui onde no pĂşblico respeito
Se conquista o brasĂŁo mais lisonjeiro.

Aqui onde o gĂŞnio sobranceiro
E, de torpes calĂşnias, ao efeito,
JesuĂ­na, dos zoilos a despeito,
És tu que ocupas o lugar primeiro!

Repara como o povo te festeja…
VĂŞ como em teu favor se manifesta,
Mau grado a mĂŁo, que, oculta, te apedreja!

Fazes bem desprezar quem te molesta;
Ser indif’rente ao regougar da inveja,
“Das almas grandes a nobreza Ă© esta.”

Emissário de um Rei Desconhecido

Emissário de um rei desconhecido,
Eu cumpro informes instruções de além,
E as bruscas frases que aos meus lábios vêm
Soam-me a um outro e anĂ´malo sentido…

Inconscientemente me divido
Entre mim e a missĂŁo que o meu ser tem,
E a glória do meu Rei dá-me desdém
Por este humano povo entre quem lido…

NĂŁo sei se existe o Rei que me mandou.
Minha missão será eu a esquecer,
Meu orgulho o deserto em que em mim estou…

Mas há! Eu sinto-me altas tradições
De antes de tempo e espaço e vida e ser…
Já viram Deus as minhas sensações…

Poeira

Poeira leve, a vibrar as moléculas: poeira
Que um pobre sonhador, Ă  luz da Arte, risonho,
Busca fazer faiscar: pĂł, que se ergue Ă  carreira
Do Mazepa do Amor pela estepe do Sonho.

Para ver-te subir, voar da crosta rasteira
Da terra, a trabalhar, todas as forças ponho:
E a seguir teu destino, enlevada, a alma inteira
O teu ciclo fará, seja suave ou tristonho.

Não irás, com certeza, alto ou distante. O insano
Pó não és que, a turvar o céu claro da Itália,
Traz o vento, a bramir, do Deserto africano:

Que Ă©s o humĂ­limo pĂł duma estrada sem povo,
Que, pisado uma vez, pelo ambiente se espalha,
Sente um raio de Sol, cai na terra de novo.

Que Encanto Ă© o Teu?

Amo-te muito, meu amor, e tanto
que, ao ter-te, amo-te mais, e mais ainda
depois de ter-te, meu amor. NĂŁo finda
com o prĂłprio amor o amor do teu encanto.

Que encanto Ă© o teu? Se continua enquanto
sofro a traição dos que, viscosos, prendem,
por uma paz da guerra a que se vendem,
a pura liberdade do meu canto,

um cântico da terra e do seu povo,
nesta invenção da humanidade inteira
que a cada instante há que inventar de novo,

tĂŁo quase Ă© coisa ou sucessĂŁo que passa…
Que encanto Ă© o teu? Deitado Ă  tua beira,
sei que se rasga, eterno, o véu da Graça.

A Dor

Torva Babel das lágrimas, dos gritos,
Dos soluços, dos ais, dos longos brados,
A Dor galgou os mundos ignorados,
Os mais remotos, vagos infinitos.

Lembrando as religiões, lembrando os ritos,
Avassalara os povos condenados,
Pela treva, no horror, desesperados,
Na convulsão de Tântalos aflitos.

Por buzinas e trompas assoprando
As gerações vão todas proclamando
A grande Dor aos frĂ­gidos espaços…

E assim parecem, pelos tempos mudos,
Raças de Prometeus titânios, rudos,
Brutos e colossais, torcendo os braços!

Voz Interior

(A JoĂŁo de Deus)

Embebido n’um sonho doloroso,
Que atravessam fantásticos clarões,
Tropeçando n’um povo de visões,
Se agita meu pensar tumultuoso…

Com um bramir de mar tempestuoso
Que até aos céus arroja os seus cachões,
AtravĂ©s d’uma luz de exalações,
Rodeia-me o Universo monstruoso…

Um ai sem termo, um trágico gemido
Ecoa sem cessar ao meu ouvido,
Com horrĂ­vel, monĂłtono vaivĂ©m…

Só no meu coração, que sondo e meço,
Não sei que voz, que eu mesmo desconheço,
Em segredo protesta e afirma o Bem!

Soneto 549 Tematizado

De duas coisas todo bom poeta
dever tem de falar para ser posto
no cĂ­rculo dos grandes e no gosto
do povo ser mais um que se projeta:

de estrelas e de rosas. Nada veta
que seja seu soneto sĂł composto
de pétalas que espelhem-lhe o desgosto
do amor que feneceu e nos afeta.

Também ninguém proíbe que as estrelas
figurem esperanças ou paixões
e todos os sonetos tentem lĂŞ-las.

Não morre um de Bilac ou de Camões,
mas falta o que um poeta mede pelas
(dum cego) fantasias e visões…

Soneto IX

Nessa tua janela, solitário,
entre as grades douradas da gaiola,
teu amigo de exílio, teu canário
canta, e eu sei que esse canto te consola.

E, lá na rua, o povo tumultuário
ouvindo o canto que daqui se evola
crê que é o nosso romance extraordinário
que naquela canção se desenrola.

Mas, cedo ou tarde, encontrarás, um dia,
calado e frio, na gaiola fria,
o teu canário que cantava tanto.

E eu chorarei. Teu pobre confidente
ensinou-me a chorar tĂŁo docemente,
que todo mundo pensará que eu canto.

Esforço Grande, Igual Ao Pensamento;

Esforço grande, igual ao pensamento;
pensamentos em obras divulgados,
e nĂŁo em peito timido encerrados
e desfeitos despois em chuva e vento;

animo da cobiça baixa isento,
dino por isso sĂł de altos estados,
fero açoute dos nunca bem domados
povos do Malabar sanguinolento;

gentileza de membros corporais,
ornados de pudica continĂŞncia,
obra por certo rara de natura:

estas virtudes e outras muitas mais,
dinas todas da homérica eloquência,
jazem debaixo desta sepultura

Uma Gravura Fantástica

Um vulto singular, um fantasma faceto,
Ostenta na cabeça horrível de esqueleto
Um diadema de lata, – Ăşnico enfeite a orná-lo
Sem espora ou ping’lim, monta um pobre cavalo,

Um espectro também, rocinante esquelético,
Em baba a desfazer-se como um epitético,
Atravessando o espaço, os dis lá vão levados,
O Infinito a sulcar, como dragões alados.

O Cavaleiro brande um gládio chamejante
Por sobre as multidões que pisa rocinante.
E como um gran-senhor, que seus reinos visite,

Percorre o cemitério enorme, sem limite,
Onde jazem, no alvor d’uma luz branca e terna,
Os povos da HistĂłria antiga e da moderna.

Tradução de Delfim Guimarães