A Casa Da Rua AbĂlio
A casa que foi minha, hoje Ă© casa de Deus.
Traz no topo uma cruz. Ali vivi com os meus,
Ali nasceu meu filho; ali, sĂł, na orfandade
Fiquei de um grande amor. Às vezes a cidadeDeixo e vou vê-la em meio aos altos muros seus.
Sai de lá uma prece, elevando-se aos céus;
SĂŁo as freiras rezando. Entre os ferros da grade,
Espreitando o interior, olha a minha saudade.Um sussurro também, como esse, em sons dispersos,
Ouvia não há muito a casa. Eram meus versos.
De alguns talvez ainda os ecos falaram,E em seu surto, a buscar o eternamente belo,
Misturados Ă voz das monjas do Carmelo,
Subirão até Deus nas asas da oração.
Sonetos sobre Preces
40 resultadosAd Amicos
Em vão lutamos. Como névoa baça,
A incerteza das coisas nos envolve.
Nossa alma, em quanto cria, em quanto volve,
Nas suas próprias redes se embaraça.O pensamento, que mil planos traça,
É vapor que se esvae e se dissolve;
E a vontade ambiciosa, que resolve,
Como onda entre rochedos se espedaça.Filhos do Amor, nossa alma é como um hino
Ă€ luz, Ă liberdade, ao bem fecundo,
Prece e clamor d’um presentir divino;Mas n’um deserto só, árido e fundo,
Ecoam nossas vozes, que o Destino
Paira mudo e impassĂvel sobre o mundo.
No CĂ©o, se Existe um CĂ©o para quem Chora
No céo, se existe um céo para quem chora.
Céo, para as magoas de quem soffre tanto…
Se é lá do amor o foco, puro e santo,
Chama que brilha, mas que não devora…No céo, se uma alma n’esse espaço mora.
Que a prece escuta e encharga o nosso pranto…
Se ha Pae, que estenda sobre nĂłs o manto
Do amor piedoso… que eu não sinto agora…No céo, ó virgem! findarão meus males:
Hei-de lá renascer, eu que pareço
Aqui ter sĂł nascido para dĂ´res.Ali, Ăł lyrio dos celestes vales!
Tendo seu fim, terão o seu começo.
Para nĂŁo mais findar, nossos amores.
Regenerada
De mĂŁos postas, Ă luz de frouxos cĂrios
Rezas para as Estrelas do Infinito,
Para os Azuis dos siderais EmpĂreos
Das Orações o doloroso rito.Todos os mais recĂ´nditos martĂrios,
As angústias mortais, teu lábio aflito
Soluça, em preces de luar e lĂrios,
Num trêmulo de frases inaudito.Olhos, braços e lábios, mãos e seios,
Presos, d’estranhos, mĂsticos enleios,
Já nas Mágoas estão divinizados.Mas no teu vulto ideal e penitente
Parece haver todo o calor veemente
Da febre antiga de gentis Pecados.
Soneto I – Leandro E Hero
O facho do Helesponto apaga o dia,
Sem que aos olhos de Hero o sono traga,
Que dentro de sua alma nĂŁo se apaga
O fogo com que o facho se acendia.Aflita o seu Leandro ao mar pedia,
Que abrandado por ela, a prece afaga,
E traz-lhe o morto amante numa vaga,
(Talvez vaga de amor, inda que fria).Ao vê-lo pasma, e clama num transporte —
“Leandro!… és morto?!… Que destino infando
Te conduz aos meus braços desta sorte?!!Morreste!… mas… (e às ondas se arrojando
Assim termina já sorvendo a morte)
Hei de, mártir de amor, morrer te amando.”
MagnĂłlia Dos TrĂłpicos
A AraĂşjo Figueredo
Com as rosas e o luar, os sonhos e as neblinas,
Ă“ magnĂłlia de luz, cotovia dos mares,
Formaram-te talvez os brancos nenĂşfares
Da tua carne ideal, de correções felinas.O teu colo pagão de virgens curvas finas
É o mais imaculado e flóreo dos altares,
Donde eu vejo elevar-se eternamente aos ares
Viáticos de amor e preces diamantinas.Abre, pois, para mim os teus braços de seda
E do verso atravĂ©s a lĂmpida alameda
Onde há frescura e sombra e sol e murmurejo;Vem! com a asa de um beijo a boca palpitando,
No alvoroço febril de um pássaro cantando,
Vem dar-me a extrema-unção do teu amor num beijo.
Obrigada!
A Nininha Andrade
… E tu rezas por mim! Como agradeço
Essa esmola gentil de teu carinho…
Como as torturas de minh’alma esqueço
Nessa tua oração, floco de arminho!Eu te bendigo, ó santa que estremeço,
Alma tĂŁo pura como a flor do linho.
É tua prece à mágoa que padeço
Asa de pomba defendendo um ninho!Reza, criança! Junta as mãos nevadas
E cerra as nĂveas pálpebras amadas
Sobre os teus olhos como um lindo véu…Depois, nas asas de uma prece ardente,
Deixa cantar minh’alma docemente,
Deixa subir meu coração ao céu!
XXXIII
Quando adivinha que vou vĂŞ-Ia, e Ă escada
Ouve-me a voz e o meu andar conhece,
Fica pálida, assusta-se, estremece,
E não sei por que foge envergonhada.Volta depois. À porta, alvoroçada,
Sorrindo, em fogo as faces, aparece:
E talvez entendendo a muda prece
De meus olhos, adianta-se apressada.Corre, delira, multiplica os passos;
E o chĂŁo, sob os seus passos murmurando,
Segue-a de um hino, de um rumor de festaE ah! que desejo de a tomar nos braços,
O movimento rápido sustando
Das duas asas que a paixĂŁo lhe empresta.
IV
Vagueiam suavemente os teus olhares
Pelo amplo céu franjado em linho:
Comprazem-te as visões crepusculares…
Tu Ă©s uma ave que perdeu o ninho.Em que nichos doirados, em que altares
Repoisas, anjo errante, de mansinho?
E penso, ao ver-te envolta em véus de luares,
Que vês no azul o teu caixão de pinho.És a essência de tudo quanto desce
Do solar das celestes maravilhas…
– Harpa dos crentes, cĂtola da prece…Lua eterna que nĂŁo tivesse fases,
Cintilas branca, imaculada brilhas,
E poeiras de astros nas sandálias trazes…
Ontologia do Amor
Tua carne é a graça tenra dos pomares
e abre-se teu ventre de uma a outra lua;
de teus prĂłprios seios descem dois luares
e desse luar vestida Ă© que ficas nua.Ă‚nsia de voo em asas de ficar
de ti mesma sou o mar e o fundo.
Praia dos seres, quem te viajar
só naufragando recupera o mundo.Ritmo de céu, por quem és pergunta
de uma azul resposta que nĂŁo trazes junta
vitral de carne em catedral infinda.Ter-te amor é já rezar-te, prece
de um imenso altar onde acontece
quem no próprio corpo é céu ainda.
Soneto Ă Rendeira
O linho é uma oração remota, nesse
fluir fabril de fio para a flor.
Move-se o coração da moça, e esquece
o tempo prisioneiro, em derredorda sombra esguia que Ă almofada tece.
Move-se, em seu afĂŁ modelador
de paz, o mito imemorial da prece
que do limbo da morte inventa o amor.Movem-se dentro dela o sol e o vento.
Move-se o mar, e os pĂłrticos se movem
das águas em perpétuo movimento…Move-se a gênese em seu corpo jovem.
E, enquanto o olhar medita, os dedos tecem
gestos de amor que os lábios não conhecem.
IX
De outras sei que se mostram menos frias,
Amando menos do que amar pareces.
Usam todas de lágrimas e preces:
Tu de acerbas risadas e ironias.De modo tal minha atenção desvias,
Com tal perĂcia meu engano teces,
Que, se gelado o coração tivesses,
Certo, querida, mais ardor terias.Olho-te: cega ao meu olhar te fazes …
Falo-te – e com que fogo a voz levanto! –
Em vão… Finges-te surda às minhas frases…Surda: e nem ouves meu amargo pranto!
Cega: e nem vĂŞs a nova dor que trazes
Ă€ dor antiga que doĂa tanto!
Choro De Vagas
Não é de águas apenas e de ventos,
No rude som, formada a voz do Oceano.
Em seu clamor – ouço um clamor humano;
Em seu lamento – todos os lamentos.São de náufragos mil estes acentos,
Estes gemidos, este aiar insano;
Agarrados a um mastro, ou tábua, ou pano,
Vejo-os varridos de tufões violentos;Vejo-os na escuridão da noite, aflitos,
Bracejando ou já mortos e de bruços,
Largados das marés, em ermas plagas…Ah! que são deles estes surdos gritos,
Este rumor de preces e soluços
E o choro de saudades destas vagas!
Rebelado
Ri tua face um riso acerbo e doente,
Que fere, ao mesmo tempo que contrista…
Riso de ateu e riso de budista
Gelado no Nirvana impenitente.Flor de sangue, talvez, e flor dolente
De uma paixĂŁo espiritual de artista,
Flor de Pecado sentimentalista
Sangrando em riso desdenhosamente.Da alma sombria de tranqĂĽilo asceta
Bebeste, entanto, a morbidez secreta
Que a febre das insânias adormece.Mas no teu lábio convulsivo e mudo
Mesmo até riem, com desdéns de tudo,
As sĂlabas simbĂłlicas da Prece!
Ă‚ngelus
Desmaia a tarde. Além, pouco e pouco, no poente,
O sol, rei fatigado, em seu leito adormece:
Uma ave canta, ao longe; o ar pesado estremece
Do Ângelus ao soluço agoniado e plangente.Salmos cheios de dor, impregnados de prece,
Sobem da terra ao céu numa ascensão ardente.
E enquanto o vento chora e o crepĂşsculo desce,
A ave-maria vai cantando, tristemente.Nest’hora, muita vez, em que fala a saudade
Pela boca da noite e pelo som que passa,
Lausperene de amor cuja mágoa me invade,Quisera ser o som, ser a noite, ébria e douda
De trevas, o silêncio, esta nuvem que esvoaça,
Ou fundir-me na luz e desfazer-me toda.
Toda Palavra
Toda palavra voa nebulosa
até chegar latente ao nosso chão.
Pousa sem pressa ou prece em mansa prosa
caĂda chuva breve de verĂŁo.Toda palavra se abre generosa
para abrigar segredos num porĂŁo
lá onde sobram sombras sinuosas
levantando a poeira no perdĂŁo.Toda palavra veste-se vistosa
para fazer afagos na paixĂŁo
uma pantera em paz, porém tinhosa.Toda palavra enfim é explosão
que o mundo sĂł Ă© mundo por osmose
pois há um outro ser no coração
Velando
Junto dela, velando… E sonho, e afago
Imagens, sonhos, versos comovido…
Vejo-a dormir… O meu olhar é um lago
Em que um lĂrio alvorece reflectido…Vejo-a dormir e sonho… SĂł de vĂŞ-la
Meu olhar se perfuma e em minha vista
Há todo um céu de Amor a estremecê-la
E a devoção ansiosa dum Artista…– Nuvem poisada, alvente, sobre a neve
Das montanhas do céu, – ó sono leve,
Hálito de jasmim, lĂrio, luar…Respiração de flor, doçura, prece…
-Ó rouxinóis, calai! Fonte, adormece!…
Senão o meu Amor pode acordar!…
Enlevo
Porque esse olhar de sombra de temor
Se perde em mim, Ă s horas do sol posto,
Quando é de âmbar translúcido o teu rosto,
E a tua alma desmaia como flor;Porque essas mĂŁos, ardidas de fervor,
Ampararam minha vida de desgosto,
Pobre que sou, Mulher, eu hei composto
Harmonias de prece em teu louvor!Dei-te a minha alma para ti nascida,
Meus versos que sĂŁo mais que a minha vida;
Por Deus, perdoa ao mĂsero mendigo!Perdoa a quem, ansioso de outro mundo,
Implora Ă Morte o sono mais profundo,
Só pela graça de sonhar contigo!
Tudo Passa – II
O coração não morre: ele adormece…
E antes morresse o coração traĂdo,
Mulher que choras teu amor perdido,
Amor primeiro que nĂŁo mais se esquece!Quando tu vais rezar, quando anoitece,
Beijas as contas do colar partido;
E o coração n’um trêmulo gemido
Vem perturbar a paz de tua prece.Reza baixinho, Ăł noiva desolada!
E quando, Ă tarde, pela mesma estrada
Chorando fores esse imenso amor…Geme de manso, juriti dolente!
Vais acordar o coração doente…
NĂŁo o despertes para nova dor.
Anjo
Quando a fitar-te ainda o sol declina
E a cor dos teus cabelos no Ar flutua,
A tua alma na minha se insinua,
Teu vulto Ă© prece alando-se, divina!A nossa voz, esparsa em luz, fascina;
A nossa voz… perdoa, Amor, a tua!
Ergues o olhar: crece em silĂŞncio a lua,
Como uma flor, na tarde peregrina!E a tua graça, etéreo Abril jucundo,
Bênção de Deus que tudo beija e alcança,
Sorri em flor na escuridão do Mundo…A luz do Céu é o teu olhar sem fim;
E, no silêncio feito de esperança,
ouço o teu coração bater por mim!