Homo
Nenhum de vós ao certo me conhece,
Astros do espaço, ramos do arvoredo,
Nenhum adivinhou o meu segredo,
Nenhum interpretou a minha prece…Ninguém sabe quem sou… e mais, parece
Que há dez mil anos já, neste degredo,
Me vê passar o mar, vê-me o rochedo
E me contempla a aurora que alvorece…Sou um parto da Terra monstruoso;
Do húmus primitivo e tenebroso
Geração casual, sem pai nem mãe…Misto infeliz de trevas e de brilho,
Sou talvez Satanás; — talvez um filho
Bastardo de Jeová; — talvez ninguém!
Sonetos sobre Preces de Antero de Quental
4 resultadosHino À Razão
Razão, irmã do Amor e da Justiça,
Mais uma vez escuta a minha prece.
É a voz dum coração que te apetece,
Duma alma livre só a ti submissa.Por ti é que a poeira movediça
De astros, sóis e mundos permanece;
E é por ti que a virtude prevalece,
E a flor do heroísmo medra e viça.Por ti, na arena trágica, as nações
buscam a liberdade entre clarões;
e os que olham o futuro e cismam, mudos,Por ti podem sofrer e não se abatem,
Mãe de filhos robustos que combatem
Tendo o teu nome escrito em seus escudos!
Ad Amicos
Em vão lutamos. Como névoa baça,
A incerteza das coisas nos envolve.
Nossa alma, em quanto cria, em quanto volve,
Nas suas próprias redes se embaraça.O pensamento, que mil planos traça,
É vapor que se esvae e se dissolve;
E a vontade ambiciosa, que resolve,
Como onda entre rochedos se espedaça.Filhos do Amor, nossa alma é como um hino
À luz, à liberdade, ao bem fecundo,
Prece e clamor d’um presentir divino;Mas n’um deserto só, árido e fundo,
Ecoam nossas vozes, que o Destino
Paira mudo e impassível sobre o mundo.
No Céo, se Existe um Céo para quem Chora
No céo, se existe um céo para quem chora.
Céo, para as magoas de quem soffre tanto…
Se é lá do amor o foco, puro e santo,
Chama que brilha, mas que não devora…No céo, se uma alma n’esse espaço mora.
Que a prece escuta e encharga o nosso pranto…
Se ha Pae, que estenda sobre nós o manto
Do amor piedoso… que eu não sinto agora…No céo, ó virgem! findarão meus males:
Hei-de lá renascer, eu que pareço
Aqui ter só nascido para dôres.Ali, ó lyrio dos celestes vales!
Tendo seu fim, terão o seu começo.
Para não mais findar, nossos amores.