Sonetos sobre Reflexos

7 resultados
Sonetos de reflexos escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Rio Abaixo

Treme o rio, a rolar, de vaga em vaga…
Quase noite. Ao sabor do curso lento
Da ĂĄgua, que as margens em redor alaga,
Seguimos. Curva os bambuais o vento.

Vivo, hĂĄ pouco, de pĂșrpura, sangrento,
Desmaia agora o Ocaso. A noite apaga
A derradeira luz do firmamento…
Rola o rio, a tremer, de vaga em vaga.

Um silĂȘncio tristĂ­ssimo por tudo
Se espalha. Mas a lua lentamente
Surge na fĂ­mbria do horizonte mudo:

E o seu reflexo pĂĄlido, embebido
Como um glĂĄdio de prata na corrente,
Rasga o seio do rio adormecido.

Minha Culpa

A Artur Ledesma

Sei lĂĄ! Sei lĂĄ! Eu sei lĂĄ bem
Quem sou?! Um fogo-fĂĄtuo, uma miragem…
Sou um reflexo… um canto de paisagem
Ou apenas cenĂĄrio! Um vaivĂ©m…

Como a sorte: hoje aqui, depois além!
Sei lĂĄ quem Sou?! Sei lĂĄ! Sou a roupagem
Dum doido que partiu numa romagem
E nunca mais voltou! Eu sei lĂĄ quem!…

Sou um verme que um dia quis ser astro…
Uma estĂĄtua truncada de alabastro…
Uma chaga sangrenta do Senhor…

Sei lĂĄ quem sou?! Sei lĂĄ! Cumprindo os fados,
Num mundo de vaidades e pecados,
Sou mais um mau, sou mais um pecador…

Logos

Tu, que eu não vejo, e estås ao pé de mim
E, o que Ă© mais, dentro de mim — que me rodeias
Com um nimbo de afectos e de idéias,
Que sĂŁo o meu princĂ­pio, meio e fim…

Que estranho ser Ă©s tu (se Ă©s ser) que assim
Me arrebatas contigo e me passeias
Em regiÔes inominadas, cheias
De encanto e de pavor… de nĂŁo e sim…

És um reflexo apenas da minha alma,
E em vez de te encarar com fronte calma,
Sobressalto-me ao ver-te, e tremo e exoro-te…

Falo-te, calas… calo, e vens atento…
És um pai, um irmĂŁo, e Ă© um tormento
Ter-te a meu lado… Ă©s um tirano, e adoro-te!

Noiva Da Agonia

TrĂȘmula e sĂł, de um tĂșmulo surgindo,
Aparição dos ermos desolados,
Trazes na face os frios tons magoados,
De quem anda por tĂșmulos dormindo…

A alta cabeça no esplendor, cingindo
Cabelos de reflexos irisados,
Por entre aureolas de clarÔes prateados,
Lembras o aspecto de um luar diluindo…

NĂŁo Ă©s, no entanto, a torva Morte horrenda,
Atra, sinistra, gélida, tremenda,
Que as avalanches da IlusĂŁo governa…

Mas ah! Ă©s da Agonia a Noiva triste
Que os longos braços lívidos abriste
Para abraçar-me para a Vida eterna!

Nimbos

Nimbos de bronze que empanais escuros
O santuĂĄrio azul da Natureza,
Quando vos vejo, negros palinuros
Da tempestade negra e da tristeza,

Abismados na bruma enegrecida,
Julgo ver nos reflexos de minh’alma
As mesmas nuvens deslizando em calma,
Os nimbos das procelas desta vida;

Mas quando o céu é límpido, sem bruma
Que a transparĂȘncia tolde, sem nenhuma
Nuvem sequer, entĂŁo, num mar de esp’rança,

Que o céu reflete, a vida é qual risonho
Batel, e a alma Ă© a FlĂąmula do sonho,
Que o guia e o leva ao porto da bonança.

O Último NĂșmero

Hora da minha morte. Hirta, ao meu lado,
A idĂ©ia estertorava-se… No fundo
Do meu entendimento moribundo
jazia o Ășltimo nĂșmero cansado.

Era de vĂȘ-lo, imĂłvel, resignado,
Tragicamente de si mesmo oriundo,
Fora da sucessĂŁo, estranho ao mundo,
Com o reflexo fĂșnebre do Increado:

Bradei: – Que fazes ainda no meu crĂąnio?
E o Ășltimo nĂșmero, atro e subterrĂąneo,
Parecia dizer-me: “É tarde, amigo!

Pois que a minha ontogĂȘnica Grandeza
Nunca vibrou em tua lĂ­ngua presa,
NĂŁo te abandono mais! Morro contigo!”