LXII
Torno a ver-vos, Ăł montes; o destino
Aqui me torna a pĂ´r nestes oiteiros;
Onde um tempo os gabões deixei grosseiros
Pelo traje da CĂ´rte rico, e fino.Aqui estou entre Almendro, entre Corino,
Os meus fiéis, meus doces companheiros,
Vendo correr os mĂseros vaqueiros
Atrás de seu cansado desatino.Se o bem desta choupana pode tanto,
Que chega a ter mais preço, e mais valia,
Que da cidade o lisonjeiro encanto;Aqui descanse a louca fantasia;
E o que té agora se tornava em pranto,
Se converta em afetos de alegria.
Sonetos sobre Ricos de Cláudio Manuel da Costa
4 resultadosXIV
Quem deixa o trato pastoril amado
Pela ingrata, civil correspondĂŞncia,
Ou desconhece o rosto da violĂŞncia,
Ou do retiro a paz nĂŁo tem provado.Que bem Ă© ver nos campos transladado
No gĂŞnio do pastor, o da inocĂŞncia!
E que mal Ă© no trato, e na aparĂŞncia
Ver sempre o cortesĂŁo dissimulado!Ali respira amor sinceridade;
Aqui sempre a traição seu rosto encobre;
Um só trata a mentira, outro a verdade.Ali não há fortuna, que soçobre;
Aqui quanto se observa, Ă© variedade:
Oh ventura do rico! Oh bem do pobre!
XXIV
Sonha em torrentes d’água, o que abrasado
Na sede ardente está; sonha em riqueza
Aquele, que no horror de uma pobreza
Anda sempre infeliz, sempre vexado:Assim na agitação de meu cuidado
De um contĂnuo delĂrio esta alma presa,
Quando Ă© tudo rigor, tudo aspereza,
Me finjo no prazer de um doce estado.Ao despertar a louca fantasia
Do enfermo, do mendigo, se descobre
Do torpe engano seu a imagem fria:Que importa pois, que a idĂ©ia alĂvios cobre,
Se apesar desta ingrata aleivosia,
Quanto mais rico estou, estou mais pobre.
LI
Adeus, Ădolo belo, adeus, querido,
Ingrato bem; adeus: em paz te fica;
E essa vitĂłria mĂsera publica,
Que tens barbaramente conseguido.Eu parto, eu sigo o norte aborrecido
De meu fado infeliz: agora rica
De despojos, a teu desdém aplica
O rouco acento de um mortal gemido.E se acaso alguma hora menos dura
Lembrando-te de um triste, consultares
A série vil da sua desventura;Na imensa confusão de seus pesares
Acharás, que ardeu simples, ardeu pura
A vĂtima de uma alma em teus altares.