Sonetos sobre Roda

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Sonetos de roda escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Soneto a Vermeer

De luto, a minha avó costura à máquina,
e gira um cata-vento em plena sala.
Vejo seu rosto, sombra que a janela
corrompe contra um pátio amarelado

de sol e de mosaicos. Sobre a mesa,
a tesoura, um esquadro, alguns retalhos
e a imĂłvel solidĂŁo. A minha avĂł,
com os seus olhos azuis, o tempo acalma.

A minha avĂł Ă© jovem, mansa e apenas
a limpidez de tudo. Sonho vĂŞ-la
no seu vestido negro, a gola branca
contra o corpo de cão, negro, da máquina:

a roda, de perfil, parece imĂłvel
e a vida nĂŁo se exila na beleza.

Nenhuma outra Viajará pela Sombra Comigo

Já és minha. Repousa com teu sono no meu sono.
Amor, dor, trabalhos, devem dormir agora.
Gira a noite em suas rodas invisĂ­veis
e ao meu lado és pura como o âmbar adormecido.

Nenhuma outra, amor, dormirá com meus sonhos.
Irás, iremos juntos pelas águas do tempo.
Nenhuma outra viajará pela sombra comigo,
apenas tu, sempre-viva, sempre sol, sempre lua.

Já tuas mãos abriram os punhos delicados
e deixaram cair suaves signos sem rumo,
teus olhos fecharam-se como duas asas cinzentas,

enquanto eu sigo a água que levas e me leva:
a noite, o mundo, o vento fiam o seu destino,
e sem ti já não sou senão apenas o teu sonho.

Afrodite II

Cabelo errante e louro, a pedraria
Do olhar faiscando, o mármore luzindo
AlvirrĂłseo do peito, – nua e fria,
Ela Ă© a filha do mar, que vem sorrindo.

Embalaram-na as vagas, retinindo,
Ressoantes de pĂ©rolas, – sorria
Ao vĂŞ-la o golfo, se ela adormecia
Das grutas de âmbar no recesso infindo.

Vede-a: veio do abismo! Em roda, em pĂŞlo
Nas águas, cavalgando onda por onda
Todo o mar, surge um povo estranho e belo;

Vêm a saudá-la todos, revoando,
Golfinhos e tritões, em larga ronda,
Pelos retorsos bĂşzios assoprando.

SilĂŞncio!

No fadário que é meu, neste penar,
Noite alta, noite escura, noite morta,
Sou o vento que geme e quer entrar,
Sou o vento que vai bater-te Ă  porta…

Vivo longe de ti, mas que me importa?
Se eu já não vivo em mim! Ando a vaguear
Em roda Ă  tua casa, a procurar
Beber-te a voz, apaixonada, absorta!

Estou junto de ti e nĂŁo me vĂŞs…
Quantas vezes no livro que tu lĂŞs
Meu olhar se pousou e se perdeu!

Trago-te como um filho, nos meus braços!
E na tua casa…Escuta!…Uns leves passos…
SilĂŞncio, meu Amor!…Abre! Sou eu!…

Apolo E As Nove Musas, Discantando

Apolo e as nove Musas, discantando
com a dourada lira, me influĂ­am
na suave harmonia que faziam,
quando tomei a pena, começando:

-Ditoso seja o dia e hora, quando
tĂŁo delicados olhos me feriam!
Ditosos os sentidos que sentiam
estar se em seu desejo traspassando!

Assi cantava, quando Amor virou
a roda à esperança, que corria
tĂŁo ligeira que quase era invisĂ­vel.

Converteu se me em noite o claro dia;
e, se algüa esperança me ficou,
será de maior mal, se for possível.

LX

Valha-te Deus, cansada fantasia!
Que mais queres de mim? que mais pretendes?
Se quando na esperança mais te acendes,
Se desengana mais tua porfia!

Vagando regiões de dia em dia,
Novas conquistas, e troféus empreendes:
Ah que conheces mal, que mal entendes,
Onde chega do fado a tirania!

Trata de acomodar-te ao movimento
Dessa roda volĂşvel, e descansa
Sobre tĂŁo fatigado pensamento.

E se inda crês no rosto da esperança,
Examina por dentro o fingimento;
E verás tempestade o que é bonança.

XXXV

Aquele, que enfermou de desgraçado,
NĂŁo espere encontrar ventura alguma:
Que o Céu ninguém consente, que presuma,
Que possa dominar seu duro fado.

Por mais, que gire o espĂ­rito cansado
Atrás de algum prazer, por mais em suma,
Que porfie, trabalhe, e se consuma,
Mudança não verá do triste estado.

NĂŁo basta algum valor, arte, ou engenho
A suspender o ardor, com que se move
A infausta roda do fatal despenho:

E bem que o peito humano as forças prove,
Que há de fazer o temerário empenho,
Onde o raio Ă© do CĂ©u, a mĂŁo de Jove.

Senhor AntĂŁo De Sousa De Menezes

Senhor AntĂŁo de Sousa de Menezes,
Quem sobe ao alto lugar, que nĂŁo merece,
Homem sobe, asno vai, burro parece,
Que o subir é desgraça muitas vezes.

A fortunilha, autora de entremezes
Transpõe em burro o herói que indigno cresce:
Desanda a roda, e logo homem parece,
Que Ă© discreta a fortuna em seus reveses.

Homem sei eu que foi vossenhoria,
Quando o pisava da fortuna a roda,
Burro foi ao subir tĂŁo alto clima.

Pois, alto! Vá descendo onde jazia,
Verá quanto melhor se lhe acomoda
Ser homem embaixo do que burro em cima.

Intimidade

Quando, sorrindo, vais passando, e toda
Essa gente te mira cobiçosa,
És bela – e se te nĂŁo comparo Ă  rosa,
É que a rosa, bem vĂŞs, passou de moda…

Anda-me às vezes a cabeça à roda,
Atrás de ti também, flor caprichosa!
Nem pode haver, na multidĂŁo ruidosa,
Coisa mais linda, mais absurda e doida.

Mas Ă© na intimidade e no segredo,
Quando tu coras e sorris a medo,
Que me apraz ver-te e que te adoro, flor!

E nĂŁo te quero nunca tanto (ouve isto)
Como quando por ti, por mim, por Cristo,
Juras – mentindo – que me tens amor…

Converteu-se-me em Noite o Claro Dia

Apolo e as nove Musas, descantando
Com a dourada lira, me influĂ­am
Na suave harmonia que faziam,
Quando tomei a pena, começando:

Ditoso seja o dia e hora, quando
TĂŁo delicados olhos me feriam!
Ditosos os sentidos que sentiam
Estar-se em seu desejo traspassando!

Assim cantava, quando Amor virou
A roda à esperança, que corria
TĂŁo ligeira, que quase era invisĂ­vel.

Converteu-se-me em noite o claro dia;
E, se alguma esperança me ficou,
Será de maior mal, se for possível.

Paira No AmbĂ­guo Destinar-Se

Paira no ambĂ­guo destinar-se
Entre longĂ­nquos precipĂ­cios,
A ânsia de dar-se preste a dar-se
Na sombra vaga entre suplĂ­cios,

Roda dolente do parar-se
Para, velados sacrifĂ­cios,
Não ter terraços sobre errar-se
Nem ilusões com interstícios,

Tudo velado, e o Ăłcio a ter-se
De leque em leque, a aragem fina
Com consciĂŞncia de perder-se…

Tamanha a flama e pequenina
Pensar na mágoa japonesa
Que ilude as sirtes da Certeza.