Dor Suprema
Um amigo me disse: «O que tu crias
É sonho e pretensão, tudo fingido;
O pranto com que a mente sã desvias
É decerto forçado e pretendido!Em toda a canção e conto que fazes
Porquê palavra dura, amargurada?
Por que ao vero e bom não te comprazes
E, jovem, a alegria é desdenhada?»Porque, amigo, embora seja a loucura
Ora doce, ora dor inominada,
Nunca a dor humana a dor aturaDa mente louca, da loucura ciente;
Porque a ciência ganha é completada
Com o saber dum mal sempre iminente.
Sonetos sobre Saber
66 resultadosSer
Cansada expectativa tão ansiosa
que ser só eu na minha vida espalha!
Na longa noite em que se tece a malha
do que não serei nunca, fervorosaminha presença rútila e curiosa
arde sombria como um arder de palha,
curiosa apenas de saber se goza
o voar das cinzas quando o vento calhalá onde o levantá-las é verdade.
Inutilmente se mistura tudo,
que a mesma ansiedade, já esquecida,de novo recomeça. Mas quem há-de
contrariá-la? Eu não, que não me iludo:
Viver é isto, quando se é só vida.
A Vós Seu Resplendor Deu Sol e Lua
Pelos raros extremos que mostrou
Em sábia Palas, Vénus em formosa,
Diana em casta, Juno em animosa,
África, Europa e Ásia as adorou.Aquele saber grande que juntou
Espírito e corpo em liga generosa,
Esta mundana máquina lustrosa
De só quatro elementos fabricou.Mas fez maior milagre a natureza
Em vós, Senhoras, pondo em cada uma
O que por todas quatro repartiu.A vós seu resplendor deu Sol e Lua:
A vós com viva luz, graça e pureza,
Ar, Fogo, Terra e Água vos serviu.
Ser Poeta
Ser Poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim…
É condensar o mundo num só grito!E é amar-te, assim, perdidamente…
É seres alma e sangue e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda gente!
Amo-te Sem Saber Como
Não te amo como se fosses rosa de sal, topázio
ou seta de cravos que propagam o fogo:
amo-te como se amam certas coisas obscuras,
secretamente, entre a sombra e a alma.Amo-te como a planta que não floriu e tem
dentro de si, escondida, a luz das flores,
e, graças ao teu amor, vive obscuro em meu corpo
o denso aroma que subiu da terra.Amo-te sem saber como, nem quando, nem onde,
amo-te directamente sem problemas nem orgulho:
amo-te assim porque não sei amar de outra maneira,a não ser deste modo em que nem eu sou nem tu és,
tão perto que a tua mão no meu peito é minha,
tão perto que os teus olhos se fecham com meu sono.
Ignoto Deo
Desisti de saber qual é o Teu nome,
Se tens ou não tens nome que Te demos,
Ou que rosto é que toma, se algum tome,
Teu sopro tão além de quanto vemos.Desisti de Te amar, por mais que a fome
Do Teu amor nos seja o mais que temos,
E empenhei-me em domar, nem que os não dome,
Meus, por Ti, passionais e vãos extremos.Chamar-Te amante ou pai… grotesco engano
Que por demais tresanda a gosto humano!
Grotesco engano o dar-te forma! E enfim,Desisti de Te achar no quer que seja,
De Te dar nome, rosto, culto, ou igreja…
– Tu é que não desistirás de mim!
O Convertido
Entre os filhos dum século maldito
Tomei também lugar na ímpia mesa,
Onde, sob o folgar, geme a tristeza
Duma ânsia impotente de infinito.Como os outros, cuspi no altar avito
Um rir feito de fel e de impureza…
Mas um dia abalou-se-me a firmeza,
Deu-me um rebate o coração contrito!Erma, cheia de tédio e de quebranto,
Rompendo os diques ao represo pranto,
Virou-se para Deus minha alma triste!Amortalhei na Fé o pensamento,
E achei a paz na inércia e esquecimento…
Só me falta saber se Deus existe!
Olhos Fermosos, Em Quem Quis Natura
Olhos fermosos, em quem quis Natura
mostrar do seu poder altos sinais,
se quiserdes saber quanto possais,
vede-me a mim, que sou vossa feitura.Pintada em mim se vê vossa figura,
no que eu padeço retratada estais;
que, se eu passo tormentos desiguais,
muito mais pode vossa fermosura.De mim não quero mais que o meu desejo:
ser vosso; e só de ser vosso me arreio,
porque o vosso penhor em mim se assele.!Tão me lembro de mim quando vos vejo,
nem do mundo; e não erro, porque creio,
que, em lembrar-me de vós, cumpro com ele.
Eu Cantarei De Amor Tão Docemente
Eu cantarei de amor tão docemente,
por uns termos em si tão concertados,
que dous mil acidentes namorados
faça sentir ao peito que não sente.Farei que amor a todos avivente,
pintando mil segredos delicados,
brandas iras, suspiros namorados,
temerosa ousadia e pena ausente.Também, Senhora, do desprezo honesto
de vossa vista branda e rigorosa,
contentar me hei dizendo a menos parte.Porém, para cantar de vosso gesto
a composição alta e milagrosa,
aqui falta saber, engenho e arte.
Fim
Nem foi mesmo preciso que você falasse,
era um pressentimento antigo dentro de mim,
há muito, na expressão que havia em sua face
via que o nosso amor ia chegando ao fim…Hoje, para encontrá-la, eu quase que não vim…
Era o medo covarde deste desenlace…
E tudo terminou… e foi melhor assim
talvez, para você, que tudo terminasse…Nosso amor, – e ninguém há de saber por que,
morreu (bem que o sentimos pelo nosso olhar),
e não somos culpados nem eu, nem você…E o que é estranho afinal é que tudo acabasse,
sem que nenhum de nós falasse em terminar,
– e assim como se tudo ainda continuasse…
Do que Nada se Sabe
A lua ignora que é tranquila e clara
E não pode sequer saber que é lua;
A areia, que é a areia. Não há uma
Coisa que saiba que sua forma é rara.As peças de marfim são tão alheias
Ao abstracto xadrez como essa mão
Que as rege. Talvez o destino humano,
Breve alegria e longas odisseias,Seja instrumento de Outro. Ignoramos;
Dar-lhe o nome de Deus não nos conforta.
Em vão também o medo, a angústia, a absortaE truncada oração que iniciamos.
Que arco terá então lançado a seta
Que eu sou? Que cume pode ser a meta?
Noemi
Eu quisera saber em que ela pensa,
Esta mimosa e santa criatura
Quando indeciso o seu olhar procura
Alguma estrela pelo Azul suspensa;E que tristeza, indefinida, imensa,
Do seu olhar na flama, ardente e pura,
Intérmina e suave se condensa
Como as brumas no Céu em noite escura.Pobre criança! Que infinita mágoa
Punge-te o seio e te anuvia os olhos
– Benditos olhos sempre rasos d’água! –Choras… E o mundo te oferece flores…
Deixa os espinhos, lágrimas e abrolhos,
Só para mim, que só conheço dores!
Cá nesta Babilónia
Cá nesta Babilónia, donde mana
Matéria a quanto mal o mundo cria;
Cá, onde o puro Amor não tem valia,
Que a Mãe, que manda mais, tudo profana;Cá, onde o mal se afina, o bem se dana,
E pode mais que a honra a tirania;
Cá, onde a errada e cega Monarquia
Cuida que um nome vão a Deus engana;Cá, neste labirinto, onde a Nobreza,
O Valor e o Saber pedindo vão
Às portas da Cobiça e da Vileza;Cá, neste escuro caos de confusão,
Cumprindo o curso estou da natureza.
Vê se me esquecerei de ti, Sião!
Soneto
Senhora, eu trajo o luto do passado,
Este luto sem fim que é o meu Calvário
E anseio e choro, delirante e vário,
Sonâmbulo da dor angustiado.Quantas venturas que me acalentaram!
Mau peito, túm’lo do prazer finado,
Foi outrora do riso abençoado,
O berço onde as venturas se embalaram.Mas não queiras saber nunca, risonha,
O mistério d’um peito que estertora
E o segredo d’um’alma que não sonha!Não, não busques saber por que, Senhora,
É minha sina perenal, tristonha
– Cantar o Ocaso quando surge a Aurora.
À Discórdia
Pouco importa amarrar com mão valente
A Discórdia infernal, com cem cadeias,
Que ela tem subtilezas, tem ideias
De saber desligar-se facilmente.De que serve lançar limpa semente
Em chão infecto, de zizânias feias,
De ervilhacas, lericas, joio, aveias,
Sem os campos limpar primeiramente?Ninguém, té gora, à ligadura górdia
O nó soube desdar, que o vil Egoísmo
Empata as vazas à geral Concórdia.Não se pode extinguir o Despotismo,
Nem acabar c’o império da Discórdia,
Sem cortar a raiz do Fanatismo.
Supremo Orgulho
Nunca soube pedir…Nunca soube implorar…
Nasci, tendo este orgulho em minha lama irriquieta,
– há um brilho que incendeia o meu altivo olhar
de crente superior… de indiferente asceta…Minha fronte, jamais, eu soube curvar
na atitude servil de uma existência abjeta…
Ninguém é mais que eu!… Ninguém… e este meu ar
de orgulho, vem da glória imensa de ser poeta…Sou pobre – mas riqueza alguma há igul à minha,
– a mulher que eu amar terá a glória suprema
de um dia se sentir maior que uma rainha….Terá a glória de saber o seu nome
perpetuado por mim nas estrofes de um poema,
desses que a História guarda e o Tempo não consome!
Divina
Eu não busco saber o inevitável
Das espirais da tua vi matéria.
Não quero cogitar da paz funérea
Que envolve todo o ser inconsolável.Bem sei que no teu circulo maleável
De vida transitória e mágoa seria
Há manchas dessa orgânica miséria
Do mundo contingente , imponderável .Mas o que eu amo no teu ser obscuro
E o evangélico mistério puro
Do sacrifício que te torna heroína.São certos raios da tu’alma ansiosa
E certa luz misericordiosa,
E certa auréola que te fez divina!
Amei Demais
Madruguei demais. Fumei demais. Foram demais
todas as coisas que na vida eu emprenhei.
Vejo-as agora grávidas. Redondas. Coisas tais,
como as tais coisas nas quais nunca pensei.Demais foram as sombras. Mais e mais.
Cada vez mais ardentes as sombras que tirei
do imenso mar de sol, sem praia ou cais,
de onde parti sem saber por que embarquei.Amei demais. Sempre demais. E o que dei
está espalhado pelos sítios onde vais
e pelos anos longos, longos, que passeià procura de ti. De mim. De ninguém mais.
E os milhares de versos que rasguei
antes de ti, eram perfeitos. Mas banais.
E Havia A Via Estreita
(Para Alexei Bueno)
Aquém de mim há quem procure sombras
como quem cata a vida em folhas mortas.
Se não as acha, sobra-lhe do encontro
a coisa ida via estreita porta.Saber do pó que lambe esses escombros
a pouca luz que espouca e me transporta
é ser e ter em mim o Outro que escondo
que vive a deslizar por ruas tortas.Comigo sou, estou e ficarei
tecendo a tessitura que me esplende
na luz esparramada dessa grei.Se aquém de mim, alguém, que me vende
os olhos, saiba: a via já passei.
E o verso vem comigo e não se rende.
Cruzada Nova
Vamos saber das almas os segredos,
Os círculos patéticos da Vida,
Dar-lhes a luz do Amor compadecida
E defendê-las dos secretos medos.Vamos fazer dos áridos rochedos
Manar a água lustral e apetecida,
Pelos ansiosos corações bebida
No silêncio e na sombra d’arvoredos.Essas irmãs furtivas das estrelas,
Se não formos depressa defendê-las,
Morrerão sem encanto e sem carinho.Paladinos da límpida Cruzada!
Conquistemos, sem lança e sem espada,
As almas que encontrarmos no Caminho.