Sonetos sobre Sagrado

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Sonetos de sagrado escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Mors – Amor

Esse negro corcel, cujas passadas
Escuto em sonhos, quando a sombra desce,
E, passando a galope, me aparece
Da noite nas fantásticas estradas,

Donde vem ele? Que regiões sagradas
E terrĂ­veis cruzou, que assim parece
Tenebroso e sublime, e lhe estremece
NĂŁo sei que horror nas crinas agitadas?

Um cavaleiro de expressĂŁo potente,
Formidável, mas plácido, no porte,
Vestido de armadura reluzente,

Cavalga a fera estranha sem temor:
E o corcel negro diz: “Eu sou a morte!”
Responde o cavaleiro: “Eu sou o Amor!”

A Morte – O Sol Do TerrĂ­vel

(com tema de Renato Carneiro Campos)

Mas eu enfrentarei o Sol divino,
o Olhar sagrado em que a Pantera arde.
Saberei porque a teia do Destino
nĂŁo houve quem cortasse ou desatasse.

NĂŁo serei orgulhoso nem covarde,
que o sangue se rebela ao toque e ao Sino.
Verei feita em topázio a luz da Tarde,
pedra do Sono e cetro do Assassino.

Ela virá, Mulher, afiando as asas,
com os dentes de cristal, feitos de brasas,
e há de sagrar-me a vista o Gavião.

Mas sei, também, que só assim verei
a coroa da Chama e Deus, meu Rei,
assentado em seu trono do SertĂŁo.

Mealheiro De Almas

Lá, das colheitas do celeste trigo,
Deus ainda escolhe a mais louçã colheita:
É a alma mais serena e mais perfeita
Que ele destina conservar consigo.

Fica lá, livre, isenta de perigo,
TranqĂĽila, pura, lĂ­mpida, direita
A alma sagrada que resume a seita
Dos que fazem do Amor eterno Abrigo.

Ele quer essas almas, os pĂŁes alvos
Das aras celestiais, claros e salvos
Da Terra, em busca das Esferas calmas.

Ele quer delas todo o amor primeiro
Para formar o cândido mealheiro
Que há de estrelar todo o Infinito de almas.

Aquele, a Quem Mil Bens Outorga o Fado

Aquele, a quem mil bens outorga o Fado,
Desejo com razĂŁo da vida amigo
Nos anos igualar Nestor, o antigo,
De trezentos invernos carregado:

Porém eu sempre triste, eu desgraçado,
Que sĂł nesta caverna encontro abrigo,
Porque nĂŁo busco as sombras do jazigo,
Refúgio perdurável, e sagrado?

Ah! bebe o sangue meu, tosca morada;
Alma, quebra as prisões da humanidade,
Despe o vil manto, que pertence ao nada!

Mas eu tremo!…Que escuto?…É a Verdade,
É ela, é ela que do céu me brada:
Oh terrĂ­vel pregĂŁo da eternidade!

Alma Ferida

Alma ferida pelas negra lanças
Da Desgraça, ferida do Destino,
Alma,[a] que as amarguras tecem o hino
Sombrio das cruéis desesperanças,

Não desças, Alma feita de heranças
Da Dor, não desças do teu céu divino.
Cintila como o espelho cristalino
Das sagradas, serenas esperanças.

Mesmo na Dor espera com clemĂŞncia
E sobe Ă  sideral resplandecĂŞncia,
Longe de um mundo que só tem peçonha.

Das ruĂ­nas de tudo ergue-te pura
E eternamente, na suprema Altura,
Suspira, sofre, cisma, sente, sonha!

PĂ©s

VI

LĂ­vidos, frios, de sinistro aspecto,
Como os pés de Jesus, rotos em chaga,
Inteiriçados, dentre a auréola vaga
Do mistério sagrado de um afeto.

Pés que o fluido magnético, secreto
Da morte maculou de estranha e maga
Sensação esquisita que propaga
Um frio n’alma, doloroso e inquieto…

PĂ©s que bocas febris e apaixonadas
Purificaram, quentes, inflamadas,
Com o beijo dos adeuses soluçantes.

Pés que já no caixão, enrijecidos,
Aterradoramente indefinidos
Geram fascinações dilacerantes!

A Freira Morta

(Desterro)

Muda, espectral, entrando as arcarias
Da cripta onde ela jaz eternamente
No austero claustro silencioso — a gente
Desce com as impressões das cinzas frias…

Pelas negras abĂłbadas sombrias
Donde pende uma lâmpada fulgente,
Por entre a frouxa luz triste e dormente
Sobem do claustro as sacras sinfonias.

Uma paz de sepulcro apĂłs se estende…
E no luar da lâmpada que pende
Brilham clarões de amores condenados…

Como que vem do tĂşmulo da morta
Um gemido de dor que os ares corta,
Atravessando os mármores sagrados!

As Cathedraes

Como vos amo ver Ăł cathedraes sosinhas,
A recortar o azul das noutes constelladas!
Erguidos corucheus, mysticas andorinhas,
– Ă“ grandes cathedraes do sol ensanguentadas!

Como vos amo ver, pombas alvoroçadas!
Ogivas ideaes, anjos de puras linhas,
E Ăł criptas sem luz, aonde embalsamadas
Dormem de mĂŁos em cruz as santas e as rainhas!

Em vĂŁo olhaes o Ceu sagradas epopeias!
Flores de renda e luz, d’incenso e aromas cheias,
Aves celestiaes banhadas da manhĂŁ!

Em vĂŁo santos e reis, Ăł monges dos desertos!
Em vĂŁo, em vĂŁo resais, sobre os livros abertos,
– O Ceu por que chorais Ă© uma ficção christĂŁ!

Ecos D’alma

Oh! madrugada de ilusões, santíssima,
Sombra perdida lá do meu Passado,
Vinde entornar a clâmide puríssima
Da luz que fulge no ideal sagrado!

Longe das tristes noutes tumulares
Quem me dera viver entre quimeras,
Por entre o resplandor das Primaveras
Oh! madrugada azul dos meus sonhares;

Mas quando vibrar a Ăşltima balada
Da tarde e se calar a passarada
Na bruma sepulcral que o céu embaça,

Quem me dera morrer entĂŁo risonho,
Fitando a nebulosa do meu Sonho
E a Via-Láctea da Ilusão que passa!

I

Talvez sonhasse, quando a vi. Mas via
Que, aos raios do luar iluminada
Entre as estrelas trĂŞmulas subia
Uma infinita e cintilante escada.

E eu olhava-a de baixo, olhava-a… Em cada
Degrau, que o ouro mais lĂ­mpido vestia,
Mudo e sereno, um anjo a harpa doirada,
Ressoante de sĂşplicas, feria…

Tu, mãe sagrada! vós também, formosas
Ilusões! sonhos meus! íeis por ela
Como um bando de sombras vaporosas.

E, Ăł meu amor! eu te buscava, quando
Vi que no alto surgias, calma e bela,
O olhar celeste para o meu baixando…

Noites Amadas

Ă“ noites claras de lua cheia!
Em vosso seio, noites chorosas,
Minh’alma canta como a sereia,
Vive cantando n’um mar de rosas;

Noites queridas que Deus prateia
Com a luz dos sonhos das nebulosas,
Ă“ noites claras de lua cheia,
Como eu vos amo, noites formosas!

VĂłs sois um rio de luz sagrada
Onde, sonhando, passa embalada
Minha Esperança de mágoas nua…

Ă“ noites claras de lua plena
Que encheis a terra de paz serena,
Como eu vos amo, noites de lua!

Floripes

Fazes lembrar as mouras dos castelos,
As errantes visões abandonadas
Que pelo alto das torres encantadas
Suspiravam de trĂŞmulos anelos.

Traços ligeiros, tímidos, singelos
Acordam-te nas formas delicadas
Saudades mortas de regiões sagradas,
Carinhos, beijos, lágrimas, desvelos.

Um requinte de graça e fantasia
Dá-te segredos de melancolia,
Da Lua todo o lânguido abandono…

Desejos vagos, olvidadas queixas
VĂŁo morrer no calor dessas madeixas,
Nas virgens florescĂŞncias do teu sono.

Nona Sinfonia

É por dentro de um homem que se ouve
o tom mais alto que tiver a vida
a glĂłria de cantar que tudo move
a força de viver enraivecida.

Num palácio de sons erguem-se as traves
que seguram o tecto da alegria
pedras que sĂŁo ao mesmo tempo as aves
mais livres que voaram na poesia.

Para o alto se voltam as volutas
hieráticas    sagradas    impolutas
dos sons que surgem rangem e se somem.

Mas de baixo Ă© que irrompem absolutas
as humanas palavras resolutas.
Por deus não basta. É mais preciso o Homem.

Saudades

Saudades! Sim.. talvez.. e por que nĂŁo?…
Se o sonho foi tĂŁo alto e forte
Que pensara vê-lo até à morte
Deslumbrar-me de luz o coração!

Esquecer! Para quĂŞ?… Ah, como Ă© vĂŁo!
Que tudo isso, Amor, nos nĂŁo importe.
Se ele deixou beleza que conforte
Deve-nos ser sagrado como o pĂŁo.

Quantas vezes, Amor, já te esqueci,
Para mais doidamente me lembrar
Mais decididamente me lembrar de ti!

E quem dera que fosse sempre assim:
Quanto menos quisesse recordar
Mais saudade andasse presa a mim!

Poz-te Deus Sobre a Fronte a MĂŁo Piedosa

Poz-te Deus sobre a fronte a mĂŁo piedosa:
O que fada o poeta e o soldado
Volveu a ti o olhar, de amor velado,
E disse-te: «vae, filha, sê formosa!»

E tu, descendo na onda harmoniosa,
Pousaste n’este solo angustiado,
Estrela envolta n’um clarĂŁo sagrado,
Do teu limpido olhar na luz radiosa…

Mas eu… posso eu acaso merecer-te?
Deu-te o Senhor, mulher! o que Ă© vedado,
Anjo! Deu-te o Senhor um mundo á parte.

E a mim, a quem deu olhos para ver-te,
Sem poder mais… a mim o que me ha dado?
Voz, que te cante, e uma alma para amar-te!

Feliz!

Ser de beleza, de melamcolia,
Espírito de graça e de quebranto,
Deus te bendiga o doloroso pranto,
Enxugue as tuas lágrimas um dia.

Se a tu’alma Ă© d’estrela e d’harmonia,
Se o que vem dela tem divino encanto,
Deus a proteja no sagrado manto,
No céu, que é o vale azul da Nostalgia.

Deus a proteja na felicidade
Do sonho, do mistério, da saudade,
De cânticos, de aroma e luz ardente.

E sĂŞ feliz e sĂŞ feliz subindo,
Subindo, a Perfeição na alma sentindo
Florir e alvorecer libertamente!

Sanhudo, Inexorável Despotismo

Sanhudo, inexorável Despotismo
Monstro que em pranto, em sangue a fĂşria cevas,
Que em mil quadros horrĂ­ficos te enlevas,
Obra da Iniquidade e do AteĂ­smo:

Assanhas o danado Fanatismo,
Porque te escore o trono onde te enlevas;
Por que o sol da Verdade envolva em trevas
E sepulte a RazĂŁo num denso abismo.

Da sagrada Virtude o colo pisas,
E aos satélites vis da prepotência
De crimes infernais o plano gizas,

Mas, apesar da bárbara insolência,
Reinas sĂł no ext’rior, nĂŁo tiranizas
Do livre coração a independência.

PrincĂ­pio de Amores com MarĂ­lia

Um rácimo ferral engrinaldado
Com rosas carmesins no seu regaço,
Tinha MarĂ­lia um dia, e o pĂ©, c’um laço,
De fita verde mar lhe tinha atado.

Eu, de seus magos olhos já tocado,
Junto dela cheguei com leve passo,
E furtando-lhe o cacho, dele faço
NĂ©ctar que a Jove, igual, nunca foi dado

Em taça de cristal, co’as mesmas rosas,
E do mesmo listĂŁo toda enfeitada,
O licor lhe fui pĂ´r nas mĂŁos mimosas.

MarĂ­lia se sorriu, bebeu, corada,
O sagrado elixir e as deleitosas
PrimĂ­cias deu d’Amor, por Baco instada.

Com Os Mortos

Os que amei, onde estĂŁo? Idos, dispersos,
arrastados no giro dos tufões,
Levados, como em sonho, entre visões,
Na fuga, no ruir dos universos…

E eu mesmo, com os pés também imersos
Na corrente e à mercê dos turbilhões,
Só vejo espuma lívida, em cachões,
E entre ela, aqui e ali, vultos submersos…

Mas se paro um momento, se consigo
Fechar os olhos, sinto-os a meu lado
De novo, esses que amei vivem comigo,

Vejo-os, ouço-os e ouvem-me também,
Juntos no antigo amor, no amor sagrado,
Na comunhĂŁo ideal do eterno Bem.

Ergue, Criança, A Fronte Condorina

Ergue, criança, a fronte condorina
Que é tua fronte, oh!, genial criança,
É como a estrela-d’alva da esperança,
Do talento sagrado que a ilumina!

Ergue-a, pois, e que, à auréola purpurina
Do Sol da CiĂŞncia, o rĂştilo tesouro
Do Estudo – o Grande Mestre – que te ensina,
Chova sobre ela suas gemas d’ouro!

E hoje que colhes um laurel bendito,
Aceita a saudação que num contrito
Fervor, eleva, qual penhor sincero

Um peito amigo a outro peito amigo,
A um gĂŞnio que desponta e que eu bendigo,
A um coração de irmão que tanto quero!