Sonetos sobre Sagrado

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Sonetos de sagrado escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Buscando A Cristo

A vós correndo vou, braços sagrados,
Nessa cruz sacrossanta descobertos
Que, para receber-me, estais abertos,
E, por nĂŁo castigar-me, estais cravados.

A vĂłs, divinos olhos, eclipsados
De tanto sangue e lágrimas abertos,
Pois, para perdoar-me, estais despertos,
E, por nĂŁo condenar-me, estais fechados.

A vós, pregados pés, por não deixar-me,
A vĂłs, sangue vertido, para ungir-me,
A vĂłs, cabeça baixa, p’ra chamar-me

A vĂłs, lado patente, quero unir-me,
A vĂłs, cravos preciosos, quero atar-me,
Para ficar unido, atado e firme.

Primavera

A meu irmĂŁo Odilon dos Anjos

Primavera gentil dos meus amores,
– Arca cerĂşlea de ilusões etĂ©reas,
Chova-te o Céu cintilações sidéreas
E a terra chova no teu seio flores!

Esplende, Primavera, os teus fulgores,
Na auréola azul dos dias teus risonhos,
Tu que sorveste o fel das minhas dores
E me trouxeste o néctar dos teus sonhos!

Cedo virá, porém, o triste outono,
Os dias voltarĂŁo a ser tristonhos
E tu hás de dormir o eterno sono,

Num sepulcro de rosas e de flores,
Arca sagrada de cerĂşleos sonhos,
Primavera gentil dos meus amores!

Sexta-Feira Santa

Lua absĂ­ntica, verde, feiticeira,
Pasmada como um vĂ­cio mosntruoso…
Um cão estranho fuça na esterqueira,
Uivando para o espaç fabuloso.

É esta a negra e santa Sexta-Feira!
Cristo está morto, como um vil leproso,
Chagado e frio, na feroz cegueira
Da morte, o sangue roxo e tenebroso.

A serpente do mal e do pecado
Um sinistro veneno esverdeado
Verte do Morto na mudez serena.

Mas da sagrada Redenção do Cristo,
Em vez do grande Amor, puro, imprevisto,
Brotam fosforescĂŞncias de gangrena!

As Minhas Ilusões

Hora sagrada dum entardecer
De Outono, Ă  beira-mar, cor de safira,
Soa no ar uma invisĂ­vel lira …
O sol Ă© um doente a enlanguescer …

A vaga estende os braços a suster,
Numa dor de revolta cheia de ira,
A doirada cabeça que delira
Num Ăşltimo suspiro, a estremecer!

O sol morreu … e veste luto o mar …
E eu vejo a urna de oiro, a balouçar,
À flor das ondas, num lençol de espuma.

As minhas Ilusões, doce tesoiro,
Também as vi levar em urna de oiro,
No mar da Vida, assim … uma por uma …

Negra Fera, Que A Tudo As Garras Lanças

Negra fera, que a tudo as garras lanças,
Já murchaste, insensível a clamores,
Nas faces de Tirsália as rubras flores,
Em meu peito as viçosas esperanças.

Monstro, que nunca em teus estragos cansas,
Vê as três Graças, vê os nus Amores
Como praguejam teus cruéis furores,
Ferindo os rostos, arrancando as tranças!

DomicĂ­lio da noute, horror sagrado,
Onde jaz destruĂ­da a formosura,
Abre-te, dá lugar a um desgraçado.

Eis desço, eis cinzas palpo… Ah, Morte dura!
Ah, Tirsália! Ah, meu bem, rosto adorado!
Torna, torna a fechar-te, Ăł sepultura!

Estrada A Fora

Ela passou por mim toda de preto,
Pela mĂŁo conduzindo uma criança…
E eu cuidei ver ali uma esperança
E uma Saudade em pálido dueto.

Pois, quando a perda de um sagrado afeto
De lastimar esta mulher nĂŁo cansa,
N’uma alegria descuidosa e mansa,
Passa a criança, o beija-flor inquieto.

Também na Vida o gozo e a desventura
Caminham sempre unidos, de mĂŁos dadas,
E o berço, Ă s vezes, leva Ă  sepultura…

No coração, – um horto de martĂ­rios! –
Brotam sem fim as ilusões douradas,
Como nas campas desabrocham lĂ­rios.

A MĂŁe e o Filho

Teu sĂŞr tragicamente enternecido,
Em desespero de alma transformado,
Vae através do espaço escurecido
E pousa no seu tumulo sagrado.

E ele acorda, sentindo-o; e, comovido,
Chora ao vĂŞr teu espirito adorado,
Assim tĂŁo sĂł na noite e arrefecido
E todo de ĂŞrmas lagrimas molhado!

E eis que ele diz: “Ă“ MĂŁe, nĂŁo chores mais!
Em vez dos teus suspiros, dos teus ais,
Quero que venha a mim tua alegria!”

E só nas horas em que a Mãe descança,
É que ele inclina a fronte de creança
E dorme ao pé de ti, Virgem Maria!

No Seu Tumulo

Sobre o seu frio berço sepulcral,
Meu espirito resa ajoelhado;
E sente-se perfeito e virginal
Na sua dĂ´r divina concentrado.

CaĂ­, gotas de orvalho matinal!
Astros, caí do céu todo estrelado!
Sêcas flôres do zéfiro outomnal,
Vinde enfeitar-lhe o tumulo sagrado!

Ă“ luar da meia noite, encantamento
De sombra, vem cobri-lo! Ă“ doido Vento,
Dorme com ele, em paz religiosa…

Sobre ele, Ăł terra, sĂŞ brandura apenas;
Faze-te luz, toma o calor das pennas;
SĂŞ MĂŁe perfeita, bĂ´a e carinhosa.

VerĂ´nica

NĂŁo a face do Cristo, a macilenta
Face do Cristo, a dolorosa face…
O martĂ­rio da Cruz passou fugace
E este MartĂ­rio, esta PaixĂŁo Ă© lenta.

Um vivo sangue a face te ensangĂĽenta,
Mais vivo que se o Deus o derramasse;
Porque esta vĂŁ paixĂŁo, para que passe,
É mister dos Titãs a luta incruenta.

Se tu, VisĂŁo da Luz, VisĂŁo sagrada
Queres ser a VerĂ´nica sonhada,
Consoladora dessa dor sombria

Impressa ficara no teu sudário
Não a face do Cristo do Calvário
Mas a face convulsa da Agonia!

A Nossa Senhora Da Madre De Deus Indo Lá O Poeta

Venho, Madre de Deus, ao Vosso monte
E reverente em vosso altar sagrado,
Vendo o Menino em berço argenteado
O sol vejo nascer desse Horizonte.

Oh quanto o verdadeiro Faetonte
Lusbel, e seu exército danado
Se irrita, de que um braço limitado
Exceda na soltura a Alcidemonte.

Quem vossa devoção não enriquece?
A virtude, Senhora, Ă© muito rica,
E a virtude sem vĂłs tudo empobrece.

NĂŁo me espanto, que quem vos sacrifica
Essa hĂłstia do altar, que vos ofrece,
Que vós o enriqueçais, se a vós a aplica.

ManhĂŁ No Campo

A Maria Nunes

Estendo os olhos pelo prado a fora:
Verdura e flores Ă© o que a vista alcança…
– Bendito oásis onde o olhar descansa
Quando saudades do passado chora. –

Escuto ao longe uma canção sonora.
Voz de mulher ou, antes, de criança
Entoa o hino branco da Esperança,
Hino das aves ao nascer da Aurora.
Por toda parte risos e fulgores
E a Natureza desabrochando em flores,
Iluminada pelo Sol risonho,

Recorda um’alma diluĂ­da em prece,
Um coração feliz que inda estremece
Ă€ luz sagrada do primeiro sonho!

II

Celeste… É assim, divina, que te chamas.
Belo nome tu tens, Dona Celeste…
Que outro terias entre humanas damas,
Tu que embora na terra do céu vieste?

Celeste… E como tu Ă©s do cĂ©u nĂŁo amas:
Forma imortal que o espĂ­rito reveste
De luz, nĂŁo temes sol, nĂŁo temes chamas,
Porque Ă©s sol, porque Ă©s luar, sendo celeste.

IncoercĂ­vel como a melancolia,
Andas em tudo: o sol no poente vasto
Pede-te a mágoa do findar do dia.

E a lua, em meio Ă  noite constelada,
Pede-te o luar indefinido e casto
Da tua palidez de hĂłstia sagrada.

Ave! Maria

Ave! Maria das Estrelas, Ave!
Cheia de graça do luar, Maria!
Harmonia de cântico suave,
Das harpas celestiais branda harmonia…

Nuvem d’incensos atravĂ©s da nave
Quando o templo de pompas irradia
E em prantos o ĂłrgĂŁo vai plangendo grave
A profunda e gemente litania…

Seja bendito o fruto do teu ventre,
Jesus, mais belo dentre os astros e entre
As mulheres judaicas mais amado…

Ă“ Luz! Eucaristia da beleza,
Chama sagrada no Evangelho acesa,
Maravilha do Amor e do Pecado!

Lacrimae Rerum

Noite, irmĂŁ da RazĂŁo e irmĂŁ da Morte,
Quantas vezes tenho eu interrogado
Teu verbo, teu oráculo sagrado,
Confidente e intérprete da Sorte!

Aonde sĂŁo teus sĂłis, como corte
De almas inquietas, que conduz o Fado?
E o homem porque vaga desolado
E em vĂŁo busca a certeza que o conforte?

Mas, na pompa de imenso funeral,
Muda, a noite, sinistra e triunfal,
Passa volvendo as horas vagarosas…

É tudo, em torno a mim, dúvida e luto;
E, perdido num sonho imenso, escuto
O suspiro das coisas tenebrosas…

Idealismo

Falas de amor, e eu ouço tudo e calo!
O amor da Humanidade Ă© uma mentira.
É. E é por isto que na minha lira
De amores fĂşteis poucas vezes falo.

O amor! Quando virei por fim a amá-lo?!
Quando, se o amor que a Humanidade inspira
É o amor do sibarita e da hetaíra,
De Messalina e de Sardanapalo?!

Pois Ă© mister que, para o amor sagrado,
O mundo fique imaterializado
– Alavanca desviada do seu fulcro –

E haja sĂł amizade verdadeira
Duma caveira para outra caveira,
Do meu sepulcro para o teu sepulcro?!

Ó Tranças De Que Amor Prisões Me Tece

Ó tranças de que Amor prisões me tece,
Ă“ mĂŁos de neve, que regeis meu fado!
Ó tesouro! Ó mistério! Ó par sagrado,
Onde o menino alĂ­gero adormece!

Ă“ ledos olhos, cuja luz parece
TĂŞnue raio de sol! Ă“ gesto amado,
De rosas e açucenas semeado,
Por quem morrera esta alma, se pudesse!

Ó lábios, cujo riso a paz me tira,
E por cujos dulcĂ­ssimos favores
Talvez o prĂłprio JĂşpiter suspira!

Ó perfeições! Ó dons encantadores!
De quem sois? Sois de VĂŞnus? – É mentira;
Sois de MarĂ­lia, sois dos meus amores.

Tudo Passa – I

Aquela moça graciosa e bela
Que passa sempre de vestido escuro
E traz nos lábios um sorriso puro,
Triste e formoso como os olhos dela…

Diz que su’alma tĂ­mida e singela
Já não tem coração: que o mundo impuro
Para sempre o matou… e o seu futuro
Foi-se n’um sonho, desmaiada estrela.

Ela nĂŁo sabe que o desgosto passa
Nem que do orvalho a abençoada graça
Faz reviver a planta que emurchece.

Flávia! nas almas juvenis, formosas,
Berço sagrado de jasmins e rosas,
O coração nĂŁo morre: ele adormece…

Abrigo Celeste

Estrela triste a refletir na lama,
Raio de luz a cintilar na poeira,
Tens a graça sutil e feiticeira,
A doçura das curvas e da chama.

Do teu olhar um fluido se derrama
De tão suave, cândida maneira
Que Ă©s a sagrada pomba alvissareira
Que para o Amor toda a minh’alma chama.

Meu ser anseia por teu doce apoio,
Nos outros seres sĂł encontra joio
Mas sĂł no teu todo o divino trigo.

Sou como um cego sem bordĂŁo de arrimo
Que do teu ser, tateando, me aproximo
Como de um céu de carinhoso abrigo.

Asas Abertas

As asas da minh’alma estĂŁo abertas!
Podes te agasalhar no meu Carinho,
Abrigar-te de frios no meu Ninho
Com as tuas asas trĂŞmulas, incertas.

Tu’alma lembra vastidões desertas
Onde tudo Ă© gelado e Ă© sĂł espinho.
Mas na minh’alma encontrarás o Vinho
e as graças todas do Conforto certas.

Vem! Há em mim o eterno Amor imenso
Que vai tudo florindo e fecundando
E sobe aos céus como sagrado incenso.

Eis a minh’alma, as asas palpitando
Com a saudade de agitado lenço
o segredo dos longes procurando…

Respiro e Vejo

Respiro e vejo. A noite e cada sol
vĂŁo rompendo de mim a todo o instante,
tarde e manhĂŁ que sĂŁo tecido tempo,
chuva e colheita. O céu, repouso e vento.

Vergel de aves. Vou entre viveiros,
a caçar com o olhar, passarinhagem
dos pequeninos sĂłis e das estrelas
que emigram neste céu de goiabeiras.

mas sigo a jardinagem, podo o tempo,
o desgosto do espaço, a sombra e o fogo,
as florações da luz e da cegueira.

E, no dia, suspensa cachoeira,
neste jogo sagrado, vivo e vejo
o que veio em meus olhos desenhado.