Sonetos sobre Saudades de Auta de Souza

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Lágrimas

A meu irmão João Câncio

Eu nĂŁo sei o que tenho… Essa tristeza
Que um sorriso de amor nem mesmo aclara,
Parece vir de alguma fonte amara
Ou de um rio de dor na correnteza.
Minh’alma triste na agonia presa,
NĂŁo compreende esta ventura clara,
Essa harmonia maviosa e rara
Que ouve cantar além, pela devesa.

Eu nĂŁo sei o que tenho… Esse martĂ­rio,
Essa saudade roxa como um lĂ­rio,
Pranto sem fim que dos meus olhos corre,

Ai, deve ser o trágico tormento,
O estertor prolongado, lento, lento,
Do Ăşltimo adeus de um coração que morre…

CrepĂşsculo

A Julia Lyra

O Angelus soa. Vagarosamente
A noite desce, plácida e divina.
Ouço gemer meu coração doente
Chorando a tarde, a noiva peregrina.

Há pelo Espaço um ciciar dolente
De prece em torno da Igrejinha em ruĂ­na…
Pássaros voam compassadamente;
Treme no galho a rosa purpurina…

E eu sinto que a tristeza vem suspensa
Sobre as asas da noite erma e sombria…
E que, n’essa hora de saudade imensa,

Rindo e chorando desce ao coração:
Toda a doçura da melancolia,
Todo o conforto da recordação.

Estrada A Fora

Ela passou por mim toda de preto,
Pela mĂŁo conduzindo uma criança…
E eu cuidei ver ali uma esperança
E uma Saudade em pálido dueto.

Pois, quando a perda de um sagrado afeto
De lastimar esta mulher nĂŁo cansa,
N’uma alegria descuidosa e mansa,
Passa a criança, o beija-flor inquieto.

Também na Vida o gozo e a desventura
Caminham sempre unidos, de mĂŁos dadas,
E o berço, Ă s vezes, leva Ă  sepultura…

No coração, – um horto de martĂ­rios! –
Brotam sem fim as ilusões douradas,
Como nas campas desabrocham lĂ­rios.

ManhĂŁ No Campo

A Maria Nunes

Estendo os olhos pelo prado a fora:
Verdura e flores Ă© o que a vista alcança…
– Bendito oásis onde o olhar descansa
Quando saudades do passado chora. –

Escuto ao longe uma canção sonora.
Voz de mulher ou, antes, de criança
Entoa o hino branco da Esperança,
Hino das aves ao nascer da Aurora.
Por toda parte risos e fulgores
E a Natureza desabrochando em flores,
Iluminada pelo Sol risonho,

Recorda um’alma diluĂ­da em prece,
Um coração feliz que inda estremece
Ă€ luz sagrada do primeiro sonho!

Irineu

Num dia turvo assim foi que partiste
Cheio de dor e de tristeza cheio.
Eu fiquei a chorar num doido anseio
Olhando o espaço merencório, triste.

Não sei se mágoa mais profunda existe
Que esta saudade que me oprime o seio,
Pois a amargura que ferir-me veio
Naquele dia, Ăł meu irmĂŁo! persiste.

Os anos que se foram! Entanto, eu cismo
A todo o instante, no profundo abismo
Que veio a morte entre nĂłs dois abrir.

Mas cada noite, n’asa de uma prece,
Ou num raio de sol quando amanhece,
Vejo tu’alma para o cĂ©u subir…

Lydia

A Esther

Feliz de quem se vai na tua idade,
Murmura aquele que nĂŁo crĂŞ na vida,
E nĂŁo pensa sequer na mĂŁe querida
Que te contempla cheia de saudade.

Pobre inocente! Se alegrar quem há-de
Com tua sorte, rosa empalidecida!
Branca açucena inda em botão, caída,
O que irás tu fazer na eternidade?

Foges da terra em busca de venturas?
Mas, meu amor, se conseguires tĂŞ-las,
De certo, não será nas sepulturas.

Fica entre nĂłs, irmĂŁ das andorinhas:
Deus fez do Céu a pátria das estrelas,
Do olhar das mĂŁes o CĂ©u das criancinhas.