Sonetos sobre Saudades

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Sonetos de saudades escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

AusĂŞncia Misteriosa

Uma hora sĂł que o teu perfil se afasta,
Um instante sequer, um sĂł minuto
Desta casa que amo — vago luto
Envolve logo esta morada casta.

Tua presença delicada basta
Para tudo tornar claro e impoluto…
Na tua ausĂŞncia, da Saudade escuto
O pranto que me prende e que me arrasta…

Secretas e sutis melancolias
Recuadas na Noite dos meus dias
VĂŞm para mim, lentas, se aproximando.

E em toda casa, nos objetos, erra
Um sentimento que nĂŁo Ă© da Terra
E que eu mudo e sozinho vou sonhando…

Doce Abismo

Coração, coração! a suavidade,
Toda a doçura do teu nome santo
É como um cálix de falerno e pranto,
De sangue, de luar e de saudade.

Como um beijo de mágoa e de ansiedade,
Como um terno crepĂşsculo d’encanto,
Como uma sombra de celeste manto,
Um soluço subindo a Eternidade.

Como um sudário de Jesus magoado,
Lividamente morto, desolado,
Nas auréolas das flores da amargura.

Coração, coração! onda chorosa,
Sinfonia gemente, dolorosa,
Acerba e melancólica doçura.

O CĂ©u, de Opacas Sombras Abafado

O céu, de opacas sombras abafado,
Tornando mais medonha a noite fea,
Mugindo sobre as rochas, que saltea,
O mar, em crespos montes levantado;

Desfeito em furacões o vento irado;
Pelos ares zunindo a solta area;
O pássaro nocturno, que vozea
No agoireiro cipreste além pousado;

Formam quadro terrĂ­vel, mas aceito,
Mas grato aos olhos meus, grato Ă  fereza
Do ciĂşme e saudade, a que ando afeito.

Quer no horror igualar-me a Natureza;
Porém cansa-se em vão, que no meu peito
Há mais escuridade, há mais tristeza.

VII

Versos feitos por mim na mocidade
O mérito só tem sentimento.
Eram, pra assim dizer, um instrumento
Mais que o prazer ecoando-me a saudade.

Pospondo a fantasia sempre Ă  verdade
Melhor encontrei nesta o ornamento
E, no estudo apurando o sentimento,
Quanto tenho a saber disse-me a idade.

É isso o que vos quero eu ensinar,
Amando-vos qual pode um terno avĂ´,
A quem para as suas cĂŁs engrinaldar

Melhor sĂł poderia o que eu vou
Em carĂ­cias tĂŁo vossas procurar,
Sentindo que de vĂłs inda mais sou.

Mulher De Sede Sedenta

Finge a mulher que nĂŁo se quer vulcĂŁo
num eufemismo frágil de inverdade.
Onde existiu fogueira, abrasação,
basta um sopro na lenha da saudade.

A sede que se faz sede serena
chega filtrada em gotas bem dosadas
regando tantos tântalos na cena
roubando-a como amante acalorada.

O verde que queimaste já não conta
pela falta madura dessas montas
na pressa sem primĂ­cias do alunado.

Hoje nĂŁo. Os chamados escolhidos
são bem poucos, didáticos bandidos
que nĂŁo querem morrer sem ser matados.

XVIII

Dormes… Mas que sussurro a umedecida
Terra desperta? Que rumor enleva
As estrelas, que no alto a Noite leva
Presas, luzindo, Ă  tĂşnica estendida?

SĂŁo meus versos! Palpita a minha vida
Neles, falenas que a saudade eleva
De meu seio, e que vĂŁo, rompendo a treva,
Encher teus sonhos, pomba adormecida!

Dormes, com os seios nus, no travesseiro
Solto o cabelo negro… e ei-los, correndo,
Doudejantes, sutis, teu corpo inteiro

Beijam-te a boca tépida e macia,
Sobem, descem, teu hálito sorvendo
Por que surge tĂŁo cedo a luz do dia?!

Ante a Paisagem

Eu fujo da Paisagem. Tenho medo.
Os pinheirais sĂŁo em marfim bordados.
Sou paisagem-cetim num olhar quedo,
Oiro louco sonhando cortinados.

Fujo de mim porque já sou Paisagem.
Procura-me SatĂŁ no meu chorar…
Seus passos, o ruĂ­do da folhagem.
Cimos de lĂ­rios velhos de luar.

As tuas mĂŁos fechadas e desertas,
Janelas pra o jardim, jamais abertas,
Fiam de mármore um correr de rios…

E os teus olhos cansados de saudades.
Eunucos possuindo divindades…
Hora-luar a de teus olhos frios…

MarĂ­lia De Dirceu

Soneto 12

Obrei quando o discurso me guiava,
Ouvi aos sábios quando errar temia;
Aos Bons no gabinete o peito abria,
Na rua a todos como iguais tratava.

Julgando os crimes nunca os votos dava
Mais duro, ou pio do que a Lei pedia;
Mas devendo salvar ao justo, ria,
E devendo punir ao réu, chorava.

NĂŁo foram, Vila Rica, os meus projetos
Meter em fĂ©rreo cofre cĂłpia d’ouro
Que farte aos filhos, e que chegue aos netos:

Outras sĂŁo as fortunas, que me agouro,
Ganhei saudades, adquiri afetos,
Vou fazer destes bens melhor tesouro.

VisĂŁo

Noiva de Satanás, Arte maldita,
Mago Fruto letal e proibido,
Sonâmbula do Além, do Indefinido
Das profundas paixões, Dor infinita.

Astro sombrio, luz amarga e aflita,
Das Ilusões tantálico gemido,
Virgem da Noite, do luar dorido,
Com toda a tua Dor oh! sĂŞ bendita!

Seja bendito esse clarĂŁo eterno
De sol, de sangue, de veneno e inferno,
De guerra e amor e ocasos de saudade…

Sejam benditas, imortalizadas
As almas castamente amortalhadas
Na tua estranha e branca Majestade!

Ela Ia, Tranquila Pastorinha

Ela ia, tranquila pastorinha,
Pela estrada da minha imperfeição.
Segui-a, como um gesto de perdĂŁo,
O seu rebanho, a saudade minha…

“Em longes terras hás de ser rainha”
Um dia lhe disseram, mas em vĂŁo…
Seu vulto perde-se na escuridĂŁo…
SĂł sua sombra ante meus pĂ©s caminha…

Deus te dĂŞ lĂ­rios em vez desta hora,
E em terras longe do que eu hoje sinto
Serás, rainha não, mas só pastora

SĂł sempre a mesma pastorinha a ir,
E eu serei teu regresso, esse indistinto
Abismo entre o meu sonho e o meu porvir…

Alvorada Eterna

Quando formos os dois já bem velhinhos,
já bem cansados, trôpegos, vencidos,
um ao outro apoiados, nos caminhos,
depois de tantos sonhos percorridos…

Quando formos os dois já bem velhinhos
a lembrar tempos idos e vividos,
sem mais nada colher, nem mesmo espinhos
nos gestos desfolhados e pendidos…

Quando formos só os dois, já bem velhinhos,
lá onde findam todos os caminhos
e onde a saudade, o chĂŁo, de folhas junca…

Olha amor, os meus olhos, bem no fundo,
e hás de ver que este amor em que me inundo
Ă© uma alvorada que nĂŁo morre nunca!

Natureza Humana

Cheguei. Sinto de novo a natureza
Longe do pandemĂ´nio da cidade
Aqui tudo tem mais felicidade
Tudo Ă© cheio de santa singeleza

Vagueio pela mĂşrmura leveza
Que deslumbra de verde e claridade
Mas nada. Resta vĂ­vida a saudade
Da cidade em bulĂ­cio e febre acesa

Ante a perspectiva da partida
Sinto que me arranca algo da vida
Mas quero ir. E ponho-me a pensar

Que a vida Ă© esta incerteza que em mim mora
A vontade tremenda de ir-me embora
E a tremenda vontade de ficar.

Esfinge

Sou filha da charneca erma e selvagem.
Os giestais, por entre os rosmaninhos,
Abrindo os olhos d’oiro, p’los caminhos,
Desta minh’alma ardente sĂŁo a imagem.

Embalo em mim um sonho vĂŁo, miragem:
Que tu e eu, em beijos e carinhos,
Eu a Charneca e tu o Sol, sozinhos,
Fôssemos um pedaço de paisagem!

E Ă  noite, Ă  hora doce da ansiedade
Ouviria da boca do luar
O De Profundis triste da saudade…

E Ă  tua espera, enquanto o mundo dorme,
Ficaria, olhos quietos, a cismar…
Esfinge olhando a planĂ­cie enorme…

Choro De Vagas

Não é de águas apenas e de ventos,
No rude som, formada a voz do Oceano.
Em seu clamor – ouço um clamor humano;
Em seu lamento – todos os lamentos.

São de náufragos mil estes acentos,
Estes gemidos, este aiar insano;
Agarrados a um mastro, ou tábua, ou pano,
Vejo-os varridos de tufões violentos;

Vejo-os na escuridĂŁo da noite, aflitos,
Bracejando ou já mortos e de bruços,
Largados das marĂ©s, em ermas plagas…

Ah! que sĂŁo deles estes surdos gritos,
Este rumor de preces e soluços
E o choro de saudades destas vagas!

Ă‚ngelus

Desmaia a tarde. Além, pouco e pouco, no poente,
O sol, rei fatigado, em seu leito adormece:
Uma ave canta, ao longe; o ar pesado estremece
Do Ângelus ao soluço agoniado e plangente.

Salmos cheios de dor, impregnados de prece,
Sobem da terra ao céu numa ascensão ardente.
E enquanto o vento chora e o crepĂşsculo desce,
A ave-maria vai cantando, tristemente.

Nest’hora, muita vez, em que fala a saudade
Pela boca da noite e pelo som que passa,
Lausperene de amor cuja mágoa me invade,

Quisera ser o som, ser a noite, Ă©bria e douda
De trevas, o silêncio, esta nuvem que esvoaça,
Ou fundir-me na luz e desfazer-me toda.

Lágrimas Tristes Tomarão Vingança

Se somente hora alguma em vĂłs piedade
De tĂŁo longo tormento se sentira,
Amor sofrera, mal que eu me partira
De vossos olhos, minha saudade.

Apartei-me de vĂłs, mas a vontade,
Que por o natural na alma vos tira,
Me faz crer que esta ausĂŞncia Ă© de mentira;
Porém venho a provar que é de verdade.

Ir-me-ei, Senhora; e neste apartamento
Lágrimas tristes tomarão vingança
Nos olhos de quem fostes mantimento.

Desta arte darei vida a meu tormento,
Que, enfim, cá me achará minha lembrança
Sepultado no vosso esquecimento.

Linda InĂŞs

Choram ainda a tua morte escura
Aquelas que chorando a memoraram;
As lágrimas choradas não secaram
Nos saudosos campos da ternura.

Santa entre as santas pela má ventura,
Rainha, mais que todas que reinaram;
Amada, os teus amores nĂŁo passaram
E Ă©s sempre bela e viva e loira e pura.

Ă“ Linda, sonha aĂ­, posta em sossĂŞgo
No teu muymento de alva pedra fina,
Como outrora na Fonte do Mondego.

Dorme, sombra de graça e de saudade,
Colo de Garça, amor, moça menina,
Bem-amada por toda a eternidade!

Lágrimas

A meu irmão João Câncio

Eu nĂŁo sei o que tenho… Essa tristeza
Que um sorriso de amor nem mesmo aclara,
Parece vir de alguma fonte amara
Ou de um rio de dor na correnteza.
Minh’alma triste na agonia presa,
NĂŁo compreende esta ventura clara,
Essa harmonia maviosa e rara
Que ouve cantar além, pela devesa.

Eu nĂŁo sei o que tenho… Esse martĂ­rio,
Essa saudade roxa como um lĂ­rio,
Pranto sem fim que dos meus olhos corre,

Ai, deve ser o trágico tormento,
O estertor prolongado, lento, lento,
Do Ăşltimo adeus de um coração que morre…

Saudade do Teu Corpo

Tenho saudades do teu corpo: ouviste
correr-te toda a carne e toda a alma
o meu desejo – como um anjo triste
que enlaça nuvens pela noite calma?…

Anda a saudade do teu corpo (sentes?…)
Sempre comigo: deita-se ao meu lado,
dizendo e redizendo que nĂŁo mentes
quando me escreves: «vem, meu todo amado…»

É o teu corpo em sombra esta saudade…
Beijo-lhe as mãos, os pés, os seios-sombra:
a luz do seu olhar Ă© escuridade…

Fecho os olhos ao sol para estar contigo.
É de noite este corpo que me assombra…
VĂŞs?! A saudade Ă© um escultor antigo!

Soneto 272 A Fernanda Montenegro

MillĂ´r falava dela com respeito.
Passei a respeitá-la de antemão.
Millôr falou, é lei, preste atenção.
Fernanda se supera no perfeito.

Foi, desde “A falecida”, em meu conceito
subindo, polimĂłrfica ascensĂŁo.
Até na maquinal televisão
solene e natural, seu prĂłprio jeito.

Fui vê-la no teatro. É verdadeira.
Inspira carinhosa intimidade.
Parece a mĂŁe, a tia, uma enfermeira,

aquela professora… Que saudade!
A grande dama Ă© nossa, brasileira.
Que bom! Que “Bravo!” seu Brasil lhe brade!