Ontologia do Amor
Tua carne é a graça tenra dos pomares
e abre-se teu ventre de uma a outra lua;
de teus prĂłprios seios descem dois luares
e desse luar vestida Ă© que ficas nua.Ă‚nsia de voo em asas de ficar
de ti mesma sou o mar e o fundo.
Praia dos seres, quem te viajar
só naufragando recupera o mundo.Ritmo de céu, por quem és pergunta
de uma azul resposta que nĂŁo trazes junta
vitral de carne em catedral infinda.Ter-te amor é já rezar-te, prece
de um imenso altar onde acontece
quem no próprio corpo é céu ainda.
Sonetos sobre Seios
109 resultadosPrimeira ComunhĂŁo
Grinaldas e véus brancos, véus de neve,
VĂ©us e grinaldas purificadores,
VĂŁo as Flores carnais, as alvas Flores
Do Sentimento delicado e leve.Um luar de pudor, sereno e breve,
De ignotos e de prĂ´nubos pudores,
Erra nos pulcros virginais brancores
Por onde o Amor parábolas descreve…Luzes claras e augustas, luzes claras
Douram dos templos as sagradas aras,
Na comunhĂŁo das nĂveas hĂłstias frias…Quando seios pubentes estremecem,
Silfos de sonhos de volĂşpia crescem,
Ondulantes, em formas alvadias…
ĂŠxtase
Quando vens para mim, abrindo os braços
Numa carĂcia lânguida e quebrada,
Sinto o esplendor de cantos de alvorada
Na amorosa fremência dos teus passos.Partindo os duros e terrestres laços,
A alma tonta, em delĂrio, alvoroçada,
Sobe dos astros a radiosa escada
Atravessando a curva dos espaços.Vens, enquanto que eu, perplexo d’espanto,
Mal te posso abraçar, gozar-te o encanto
Dos seios, dentre esses rendados folhos.Nem um beijo te dou! abstrato e mudo
Diante de ti, sinto-te, absorto em tudo,
Uns rumores de pássaros nos olhos.
Quando Me Ergui Ela Dormia, Nua
Quando me ergui ela dormia, nua
E sorria, em seu sono desmaiada
Tinha a face longĂnqua e iluminada
E alto, sseu sexo sugava a Lua.Toquei-a, ela fremiu, gemeu, na sua
Doce fala, e bateu a mão alçada
No ar, e foi deixá-la de guardada
Sob a nádega fria, forte e cruaTão louca a minha amiga, linda e louca
Minha amiga, em seu branco devaneio
De mim, eu de amor pouco e vida poucaMas que tinha deixado sem receio
Um segredo de carne em sua boca
E uma gota de leite no seu seio
Esta Palavra Saudade
Junto de um catre vil, grosseiro e feio,
por uma noite de luar saudoso,
Camões, pendida a fronte sobre o seio,
cisma, embebido num pesar lutuoso…Eis que na rua um cântico amoroso
subitâneo se ouviu da noite em meio:
Já se abrem as adufas com receio…
Noites de amores! Que trovar mimoso!Camões acorda e à gelosia assoma;
e aquele canto, como um antigo aroma,
ressuscita-lhe os risos do passado.Viu-se moço e feliz, e ah! nesse instante,
no azul viu perpassar, claro e distante,
de NatĂ©rcia gentil o vulto amado…
MarĂlia De Dirceu
Soneto 5
Ao templo do Destino fui levado:
Sobre o altar num cofre se firmava,
Em cujo seio cada qual buscava,
Tremendo, anĂşncio do futuro estado.Tiro um papel e lio – cĂ©u sagrado,
Com quanta causa o coração pulsava!
Este duro decreto escrito estava
Com negra tinta pela mĂŁo do fado:“Adore Polidoro a bela Ormia,
sem dela conseguir a recompensa,
nem quebrar-lhe os grilhões a tirania.”Dar mĂŁos Amor mo arranca, e sem detença,
TrĂŞs vezes o levando Ă boca impia,
Jurou cumprir à risca a tal sentença.
Consulta
Chamei em volta do meu frio leito
As memĂłrias melhores de outra idade,
Formas vagas, que Ă s noites, com piedade,
Se inclinam, a espreitar, sobre o meu peito…E disse-lhes: No mundo imenso e estreito
Valia a pena, acaso, em ansiedade
Ter nascido? Dizei-mo com verdade,
Pobres memĂłrias que eu ao seio estreito.Mas elas perturbaram-se – coitadas!
E empalideceram, contristadas,
Ainda a mais feliz, a mais serena…E cada uma delas, lentamente,
Com um sorriso mĂłrbido, pungente,
Me respondeu: – NĂŁo, nĂŁo valia a pena!
XVIII
Dormes… Mas que sussurro a umedecida
Terra desperta? Que rumor enleva
As estrelas, que no alto a Noite leva
Presas, luzindo, Ă tĂşnica estendida?SĂŁo meus versos! Palpita a minha vida
Neles, falenas que a saudade eleva
De meu seio, e que vĂŁo, rompendo a treva,
Encher teus sonhos, pomba adormecida!Dormes, com os seios nus, no travesseiro
Solto o cabelo negro… e ei-los, correndo,
Doudejantes, sutis, teu corpo inteiroBeijam-te a boca tépida e macia,
Sobem, descem, teu hálito sorvendo
Por que surge tĂŁo cedo a luz do dia?!
A Minha AusĂŞncia de Ti
Foi tal e qual o inverno a minha ausĂŞncia
de ti, prazer dum ano fugitivo:
dias nocturnos, gelos, inclemĂŞncia;
que nudez de dezembro o frio vivo.E esse tempo de exĂlio era o do verĂŁo;
era a excessiva gravidez do outono
com a volĂşpia de maio em cada grĂŁo:
um seio viĂşvo, sem senhor nem dono.Essa posteridade em seu esplendor
uma esperança de órfãos me parecia:
contigo ausente, o verĂŁo teu servidoremudeceu as aves todo o dia.
Ou tanto as deprimiu, que a folha arfava
e no temor do inverno desmaiava.Tradução de Carlos de Oliveira
Lubricidade
Quisera ser a serpe venenosa
Que dá-te medo e dá-te pesadelos
Para envolverem, Ăł Flor maravilhosa,
Nos flavos turbilhões dos teus cabelos.Quisera ser a serpe veludosa
Para, enroscada em mĂşltiplos novelos,
Saltar-te aos seios de fluidez cheirosa
E babujá-los e depois mordĂŞ-los…Talvez que o sangue impuro e flamejante
Do teu lânguido corpo de bacante,
Da langue ondulação de águas do RenoEstranhamente se purificasse…
Pois que um veneno de áspide vorace
Deve ser morto com igual veneno…
O Misantropo
A boca, Ă s vezes, o louvor escapa
E o pranto aos olhos; mas louvor e pranto
Mentem: tapa o louvor a inveja, enquanto
O pranto a vesga hipocrisia tapa.Do louvor, com que espanto, sob a capa
Vejo tanta dobrez, ludĂbrio tanto!
E o pranto em olhos vejo, com que espanto,
Que escarnecem dos mais, rindo Ă socapa!Porque, desde que esse Ăłdio atroz me veio,
Só traições vejo em cada olhar venusto?
PerfĂdias sĂł em cada humano seio?Acaso as almas poderei sem custo
Ver, perspĂcuo e melhor, sĂł quando odeio?
E Ă© preciso odiar para ser justo?!
Saint-Just
Quando à tribuna ele se ergueu, rugindo,
– Ao forte impulso das paixões audazes
Ardente o lábio de terrĂveis frases
E a luz do gĂŞnio em seu olhar fulgindo,A tirania estremeceu nas bases,
De um rei na fronte ressumou, pungindo,
Um suor de morte e um terror infindo
Gelou o seio aos cortesĂŁos sequazes –Uma alma nova ergueu-se em cada peito,
Brotou em cada peito uma esperança,
De um sono acordou, firme, o Direito –E a Europa – o mundo – mais que o mundo, a França –
Sentiu numa hora sob o verbo seu
As comoções que em séculos não sofreu!
Bendita
Bendita sejas, minha mĂŁe, bendito
Seja o teu seio, imaculado e santo,
Onde derrama as gotas de seu pranto
Meu dolorido coração aflito.Ó minha mãe, ó anjo sacrossanto,
Bendito seja o teu amor, bendito!
Ouve do CĂ©u o amargurado grito
Cheio da dor de quem soluça tanto.E deixa que repouse em teus joelhos
A minha fronte, ouvindo os teus conselhos
Longe do mundo, ó sempiterna dita!Envia lá do céu no teu sorriso
A morte que levou-te ao ParaĂso…
Bendita sejas, minha mĂŁe, bendita!
Soneto II – A Uma Inconstante
De uma ingrata em troféu despedaçado
Meu coração devora amor cruento,
Trocando em fero e bárbaro tormento
Quantos prazeres concedeu-me o fado.No seio d’alma, já dilacerado,
Negras fúrias do báratro apascento!
Filtra-me o delirante pensamento
De zelos negro fel envenenado.Desprezo, ingratidão, fria esquivança
Da cruel por quem morro, em tal procela
Apagaram-me a estrela da esperança.E eu (ao confessá-lo a dor me gela)
Humilhado a seus pés, minha vingança
É carpir, delirar, morrer por ela.
Rio Abaixo
Treme o rio, a rolar, de vaga em vaga…
Quase noite. Ao sabor do curso lento
Da água, que as margens em redor alaga,
Seguimos. Curva os bambuais o vento.Vivo, há pouco, de púrpura, sangrento,
Desmaia agora o Ocaso. A noite apaga
A derradeira luz do firmamento…
Rola o rio, a tremer, de vaga em vaga.Um silĂŞncio tristĂssimo por tudo
Se espalha. Mas a lua lentamente
Surge na fĂmbria do horizonte mudo:E o seu reflexo pálido, embebido
Como um gládio de prata na corrente,
Rasga o seio do rio adormecido.
XLIII
Quem Ă©s tu? (ai de mim!) eu reclinado
No seio de uma vĂbora! Ah tirana!
Como entre as garras de uma tigre hircana
Me encontro de repente sufocado!NĂŁo era essa, que eu tinha posta ao lado,
Da minha Nise a imagem soberana?
NĂŁo era… mas que digo! ela me engana:
Sim, que eu a vejo ainda no mesmo estado:Pois como no letargo a fantasia
TĂŁo cruel ma pintou, tĂŁo inconstante,
Que a vi… ? mas nada vi; que eu nada cria.Foi sonho; foi quimera; a um peito amante
Amor nĂŁo deu favores um sĂł dia,
Que a sombra de um tormento os nĂŁo quebrante.
Pobre Flor!
Deu-m’a um dia antiga companheira
De tempinho feliz de adolescente;
E os meus lábios roçaram docemente
Pelas folhas da nĂvea feiticeira.Como se apaga uma ilusĂŁo primeira,
Um sonho estremecido e resplendente,
Eu beijei-lhe a corola, rescendente
Inda mais que a da flor da laranjeira.E como amava o seu formoso brilho!
Tinha-lhe quase essa afeição sagrada
Da jovem mĂŁe ao seu primeiro filho.Dei-lhe no seio uma pousada franca…
Mas, ai! depressa ela murchou, coitada!
Doce e mĂsera flor, cheirosa e branca!
Lirial
Por que choras assim, tristonho lĂrio,
Se eu sou o orvalho eterno que te chora,
P’ra que pendes o cálice que enflora
Teu seio branco do palor do cĂrio?!Baixa a mim, irmĂŁ pálida da Aurora,
Estrela esmaecida do MartĂrio;
Envolto da tristeza no delĂrio,
Deixa beijar-te a face que descora!Fosses antes a rosa purpurina
E eu beijaria a pétala divina
Da rosa, onde nĂŁo pousa a desventura.Ai! que ao menos talvez na vida escassa
Não chorasses à sombra da desgraça,
Para eu sorrir Ă sombra da ventura!
Soneto Da Mulher Ao Sol
Uma mulher ao sol – eis todo o meu desejo
Vinda do sal do mar, nua, os braços em cruz
A flor dos lábios entreaberta para o beijo
A pele a fulgurar todo o pĂłlen da luz.Uma linda mulher com os seios em repouso
Nua e quente de sol – eis tudo o que eu preciso
O ventre terso, o pelo Ăşmido, e um sorriso
À flor dos lábios entreabertos para o gozo.Uma mulher ao sol sobre quem me debruce
Em quem beba e a quem morda, com quem me lamente
E que ao se submeter se enfureça e soluceE tente me expelir, e ao me sentir ausente
Me busque novamente – e se deixes a dormir
Quando, pacificado, eu tiver de partir…
Invocação à Noite
Ă“ deusa, que proteges dos amantes
O destro furto, o crime deleitoso,
Abafa com teu manto pavoroso
Os importantes astros vigilantes:Quero adoçar meus lábios anelantes
No seio de Ritália melindroso;
Estorva que os maus olhos do invejoso
Turbem d’amor os sĂ´fregos instantes:TĂ©tis formosa, tal encanto inspire
Ao namorado Sol teu nĂveo rosto,
Que nunca de teus braços se retire!Tarda ao menos o carro à Noite oposto,
Até que eu desfaleça, até que expire
Nas ternas ânsias, no inefável gosto.