Sonetos sobre Sempre de LĂȘdo Ivo

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Sonetos de sempre de LĂȘdo Ivo. Leia este e outros sonetos de LĂȘdo Ivo em Poetris.

Soneto Das Alturas

As minhas esquivanças vão no vento
alto do céu, para um lugar sombrio
onde me punge o descontentamento
que no mar nĂŁo desĂĄgua, nem no rio.

Às mudanças me fio, sempre atento
ao que muda e perece, e ardente e frio,
e novamente ardente Ă© no momento
em que luz o desejo, poldro em cio.

Meu corpo nada quer, mas a minh’alma
em fogos de amplidĂŁo deseja tudo
o que ultrapassa o humano entendimento.

E embora nada atinja, nĂŁo se acalma
e, sendo alma, transpÔe meu corpo mudo,
e aos céus pede o inefåvel e não o vento.

Soneto Dos Vinte Anos

Que o tempo passe, vendo-me ficar
no lugar em que estou, sentindo a vida
nascer em mim, sempre desconhecida
de mim, que a procurei sem a encontrar.

Passem rios, estrelas, que o passar
Ă© ficar sempre, mesmo se Ă© esquecida
a dor de ao vento vĂȘ-los na descida
para a morte sem fim que os quer tragar.

Que eu mesmo, sendo humano, também passe
mas que nĂŁo morra nunca este momento
em que eu me fiz de amor e de ventura.

Fez-me a vida talvez para que amasse
e eu a fiz, entre o sonho e o pensamento,
trazendo a aurora para a noite escura.

Soneto Da Enseada

Sou sempre o que estå além de mim
como a ponte de Brooklyn ao pĂŽr-do-sol.
Sou o peixe buscado pelo anzol
e o caracol imĂłvel no jardim.

De mim mesmo me parto, qual navio,
e sou tudo o que vive além de mim:
o barulho da noite e o cheiro de jasmim
que corre entre as estrelas como um rio.

Quem atravessa a ponte logo aprende
que a vida Ă© simplesmente a travessia
entre um aquém e um além que são dois nadas.

Na madrugada escura a luz se acende.
Que luz? De que vigĂ­lia ou de que dia?
De que barco ancorado na enseada?

Soneto Da Mulher E A Nuvem

A JoĂŁo Cabral de Melo Neto

Nuvem no céu do nunca, nem tão branca
– assim era o amor, Ă  minha espreita,
e era a mulher, de nuvens sempre feita
e de véus e pudor que o amor arranca.

NĂŁo pude amĂĄ-la, pois nĂŁo era franca
a sua carne que o amor aceita,
nuvem que um céu de amor sempre atravanca
e entre praias e pĂąntanos se deita.

Bruma de carne, em vão céu de tormento,
parindo fogo aos meus dezesseis anos,
assim foi ela, sem deixar seu nome.

Nunca foi minha, e sĂł em pensamento
eu pude dar-lhe o amor de desenganos
que me deixou no corpo espanto e fome.