Quem Jaz no GrĂŁo Sepulcro
Quem jaz no grĂŁo sepulcro, que descreve
TĂŁo ilustres sinais no forte escudo?
Ninguém, que nisso, enfim, se torna tudo;
Mas foi quem tudo pĂŽde e quem tudo teve.Foi Rei? Fez tudo quanto a Rei deve:
PĂŽs na guerra e na paz devido estudo.
Mas quĂŁo pesado foi ao Mouro rudo,
Tanto lhe seja agora a terra leve.Alexandre serå? Ninguém se engane:
Mais que o adquirir, o sustentar estima.
SerĂĄ Adriano grĂŁo senhor do mundo?Mais observante foi da Lei de cima.
Ă Numa? Numa nĂŁo, mas Ă© Joane
De Portugal Terceiro sem Segundo.
Sonetos sobre Senhores de LuĂs de CamĂ”es
54 resultadosCom Tornar-vos a Ver Amor me Cura
Ferido sem ter cura perecia
O forte e duro TĂ©lefo temido
Por aquele que na ĂĄgua foi metido,
E a quem ferro nenhum cortar podia.Quando a apolĂneo OrĂĄculo pedia
Conselho para ser restituĂdo,
Respondeu-lhe, tornasse a ser ferido
Por quem o jĂĄ ferira, e sararia.Assim, Senhora, quer minha ventura,
Que ferido de ver-vos claramente,
Com tornar-vos a ver Amor me cura.Mas Ă© tĂŁo doce vossa formosura,
Que fico como o hidrĂłpico doente,
Que bebendo lhe cresce mor secura.
Eu Cantarei De Amor TĂŁo Docemente
Eu cantarei de amor tĂŁo docemente,
por uns termos em si tĂŁo concertados,
que dous mil acidentes namorados
faça sentir ao peito que não sente.Farei que amor a todos avivente,
pintando mil segredos delicados,
brandas iras, suspiros namorados,
temerosa ousadia e pena ausente.Também, Senhora, do desprezo honesto
de vossa vista branda e rigorosa,
contentar me hei dizendo a menos parte.Porém, para cantar de vosso gesto
a composição alta e milagrosa,
aqui falta saber, engenho e arte.
Se Tomar Minha Pena Em PenitĂȘncia
Se tomar minha pena em penitĂȘncia
do erro em que caiu o pensamento,
nĂŁo abranda, mas dobra meu tormento,
a isto, e a mais, obriga a paciĂȘncia.E se ĂŒa cor de morto na aparĂȘncia,
um espalhar suspiros vĂŁos ao vento,
em vĂłs nĂŁo faz, Senhora, movimento,
fique meu mal em vossa consciĂȘncia.E se de qualquer ĂĄspera mudança
toda a vontade isenta Amor castiga
(como eu vi bem no mal que me condena);e se em vĂłs nĂŁo s’entende haver vingança,
serå forçado (pois Amor me obriga)
que eu sĂł de vossa culpa pague a pena.
Quem pode livre ser, gentil Senhora,
Quem pode livre ser, gentil Senhora,
Vendo-vos com juĂzo sossegado,
Se o Menino que de olhos Ă© privado
Nas meninas de vossos olhos mora?Ali manda, ali reina, ali namora,
Ali vive das gentes venerado;
Que o vivo lume e o rosto delicado
Imagens sĂŁo nas quais o Amor se adora.Quem vĂȘ que em branca neve nascem rosas
Que fios crespos de ouro vĂŁo cercando,
Se por entre esta luz a vista passa,Raios de ouro verĂĄ, que as duvidosas
Almas estĂŁo no peito trespassando
Assim como um cristal o Sol trespassa.
Vos Foi Beijar na Parte Onde se Via
O fogo que na branda cera ardia,
Vendo o rosto gentil, que eu na alma vejo,
Se acendeu de outro fogo do desejo
Por alcançar a luz que vence o dia.Como de dois ardores se incendia,
Da grande impaciĂȘncia fez despejo,
E, remetendo com furor sobejo,
Vos foi beijar na parte onde se via.Ditosa aquela flama que se atreve
A apagar seus ardores e tormentos
Na vista a quem o sol temores deve!Namoram-se, Senhora, os Elementos
De vĂłs, e queima o fogo aquela neve
Que queima coraçÔes e pensamentos.
Que Vençais No Oriente Tantos Reis
Que vençais no Oriente tantos Reis,
que de novo nos deis da Ăndia o Estado,
que escureceis a fama que ganhado
tinham os que a ganharam a infiéis;que do tempo tenhais vencido as leis,
que tudo, enfim, vençais co tempo armado,
mais Ă© vencer na pĂĄtria, desarmado,
os monstros e as Quimeras que venceis.E assi, sobre vencerdes tanto imigo,
e por armas fazer que, sem segundo,
vosso nome no mundo ouvido seja,o que vos dĂĄ mais nome inda no mundo,
Ă© vencerdes, Senhor, no Reino amigo,
tantas ingratidÔes, tão grande enveja!
Senhor JoĂŁo Lopes, O Meu Baixo Estado
Senhor JoĂŁo Lopes, o meu baixo estado
ontem vi posto em grau tĂŁo excelente,
que vĂłs, que sois enveja a toda a gente,
só por mim vos quiséreis ver trocado.Vi o gesto suave e delicado
que jĂĄ vos fez, contente e descontente,
lançar ao vento a voz tão docemente
que fez o ar sereno e sossegado.Vi lhe em poucas palavras dizer, quanto
ninguém diria em muitas; eu só, cego,
magoado fiquei na doce fala.Mas mal haja a Fortuna, e o Moço cego!
Um, porque os coraçÔes obriga a tanto;
outra, porque os estados desiguala.
Se AlgĂŒ’hora Em VĂłs A Piedade
Se algĂŒ’hora em vĂłs a piedade
de tĂŁo longo tormento se sentira,
nĂŁo consentira Amor que me partira
de vossos olhos, minha saĂŒdade.Apartei me de vĂłs, mas a vontade,
que pelo natural n’alma vos tira,
me faz crer que esta ausĂȘncia Ă© de mentira;
mas inda mal, porém, porque é verdade.Ir me hei, Senhora; e, neste apartamento,
tomarão tristes lågrimas vingança
nos olhos de quem fostes mantimento.E assi darei vida a meu tormento;
que, enfim, cå me acharå minha lembrança
sepultado no vosso esquecimento.
Em Flor Vos Arrancou, De EntĂŁo Crecida
Em flor vos arrancou, de entĂŁo crescida
(Ah! senhor dom AntĂłnio!), a dura sorte,
donde fazendo andava o braço forte
a fama dos Antigos esquecida.ĂŒa sĂł razĂŁo tenho conhecida
com que tamanha mĂĄgoa se conforte:
que, pois no mundo havia honrada morte,
que nĂŁo podĂeis ter mais larga a vida.Se meus humildes versos podem tanto
que co desejo meu se iguale a arte,
especial matéria me sereis.E, celebrado em triste e longo canto,
se morrestes nas mĂŁos do fero Marte,
na memĂłria das gentes vivereis.
O tempo acaba o ano, o mĂȘs e a hora
O tempo acaba o ano, o mĂȘs e a hora,
A força, a arte, a manha, a fortaleza;
O tempo acaba a fama e a riqueza,
O tempo o mesmo tempo de si chora;O tempo busca e acaba o onde mora
Qualquer ingratidĂŁo, qualquer dureza;
Mas nĂŁo pode acabar minha tristeza,
Enquanto nĂŁo quiserdes vĂłs, Senhora.O tempo o claro dia torna escuro
E o mais ledo prazer em choro triste;
O tempo, a tempestade em grão bonança.Mas de abrandar o tempo estou seguro
O peito de diamante, onde consiste
A pena e o prazer desta esperança.
Imagens sĂŁo adonde Amor se Adora
Quem pode livre ser, gentil Senhora,
Vendo-vos com juĂzo sossegado,
Se o Menino, que de olhos Ă© privado,
Nas Meninas dos vossos olhos mora?Ali manda, ali reina, ali namora,
Ali vive das gentes venerado;
Que vivo lume, e o rosto delicado,
Imagens sĂŁo adonde Amor se adora.Quem vĂȘ que em branca neve nascem rosas
Que crespos fios de ouro vĂŁo cercando?
Se por entre esta luz a vista passa,Raios de ouro verĂĄ, que as duvidosas
Almas estĂŁo no peito traspassando,
Assim como um cristal o Sol traspassa.
De Quantas Graças Tinha, A Natureza
De quantas graças tinha, a Natureza
fez um belo e riquĂssimo tesouro;
e com rubis e rosas, neve e ouro,
Formou sublime e angélica beleza.PÎs na boca os rubis, e na pureza
do belo rostro as rosas, por quem mouro;
no cabelo o valor do metal louro;
no peito a neve em que a alma tenho acesa.Mas nos olhos mostrou quanto podia,
e fez deles um sol, onde se apura
a luz mais clara que a do claro dia.Enfim, Senhora, em vossa compostura
ela a apurar chegou quanto sabia
de ouro, rosas, rubis, neve e luz pura.
Dizei, Senhora, Da Beleza Ideia:
Dizei, Senhora, da Beleza ideia:
para fazerdes esse ĂĄureo crino,
onde fostes buscar esse ouro fino?
de que escondida mina ou de que veia?Dos vossos olhos essa luz Febeia,
esse respeito, de um império dino?
Se o alcançastes com saber divino,
se com encantamentos de Medeia?De que escondidas conchas escolhestes
as perlas preciosas orientais
que, falando, mostrais no doce riso?Pois vos formastes tal, como quisestes,
vigiai-vos de vĂłs, nĂŁo vos vejais,
fugi das fontes: lembre-vos Narciso.