Sonetos sobre Serenos de Cruz e Souza

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Rompeu-Se O Denso VĂ©u Do Atroz Marasmo

Rompeu-se o denso véu do atroz marasmo
E como por fatal, negro hebetismo
De antro sepulcral, de fundo abismo
O povo ressurgiu com entusiasmo!

O Zoilo mazorral se queda pasmo
Supõe quimera ser, ser cataclismo
Roga, já por dobrez, por ceticismo
De néscio, vil truão solta o sarcasmo.

PerdĂŁo, Filho da Luz, minh’alma exora,
Porém, a pátria diz, somente agora
Os grilhões biparti de atroz moleza!

E ele, o nosso herói já redivivo
De pé, sem se curvar, sereno, altivo
Co’as raias do porvir mede a grandeza!

DemĂ´nios

A lĂ­ngua vil, ignĂ­voma, purpĂşrea
Dos pecados mortais bava e braveja,
Com os seres impoluĂ­dos mercadeja,
Mordendo-os fundo injĂşria por injĂşria.

É um grito infernal de atroz luxúria,
Dor de danados, dor do Caos que almeja
A toda alma serena que viceja,
SĂł fĂşria, fĂşria, fĂşria, fĂşria, fĂşria!

SĂŁo pecados mortais feitos hirsutos
DemĂ´nios maus que os venenosos frutos
Morderam com volĂşpia de quem ama…

Vermes da Inveja, a lesma verde e oleosa,
Anões da Dor torcida e cancerosa,
Abortos de almas a sangrar na lama!

As Estrelas

Lá, nas celestes regiões distantes,
No fundo melancĂłlico da Esfera,
Nos caminhos da eterna Primavera
Do amor, eis as estrelas palpitantes.

Quantos mistérios andarão errantes,
Quantas almas em busca da Quimera,
Lá, das estrelas nessa paz austera
Soluçarão, nos altos céus radiantes.

Finas flores de pérolas e prata,
Das estrelas serenas se desata
Toda a caudal das ilusões insanas.

Quem sabe, pelos tempos esquecidos,
Se as estrelas nĂŁo sĂŁo os ais perdidos
Das primitivas legiões humanas?!

O Grande Momento

Inicia-te, enfim, Alma imprevista,
Entra no seio dos Iniciados.
Esperam-te de luz maravilhados
Os Dons que vĂŁo te consagrar Artista.

Toda uma Esfera te deslumbra a vista,
Os ativos sentidos requintados.
Céus e mais céus e céus transfigurados
Abrem-te as portas da imortal Conquista.

Eis o grande Momento prodigioso
Para entrares sereno e majestoso
Num mundo estranho d’esplendor sidĂ©reo.

Borboleta de sol, surge da lesma…
Oh! vai, entra na posse de ti mesma,
Quebra os selos augustos do Mistério!

Um Ser

Um ser na placidez da Luz habita,
Entre os mistérios inefáveis mora.
Sente florir nas lágrimas que chora
A alma serena, celestial, bendita.

Um ser pertence Ă  mĂşsica infinita
Das Esferas, pertence Ă  luz sonora
Das estrelas do Azul e hora por hora
Na Natureza virginal palpita.

Um ser desdenha das fatais poeiras,
Dos miseráveis ouropéis mundanos
E de todas as frĂ­volas cegueiras…

Ele passa, atravessa entre os humanos,
Como a vida das vidas forasteiras
Fecundada nos prĂłprios desenganos.

SilĂŞncios

Largos SilĂŞncios interpretativos,
Adoçados por funda nostalgia,
Balada de consolo e simpatia
Que os sentimentos meus torna cativos.

Harmonia de doces lenitivos,
Sombra, segredo, lágrima, harmonia
Da alma serena, da alma fugidia
Nos seus vagos espasmos sugestivos.

Ó Silêncios! ó cândidos desmaios,
Vácuos fecundos de celestes raios
De sonhos, no mais lĂ­mpido cortejo…

Eu vos sinto os mistérios insondáveis,
Como de estranhos anjos inefáveis
O glorioso esplendor de um grande beijo!

Pacto Das Almas (I) Para Sempre!

Ah! para sempre! para sempre! Agora
NĂŁo nos separaremos nem um dia…
Nunca mais, nunca mais, nesta harmoia
Das nossas almas de divina aurora.

A voz do céu pode vibrar sonora
Ou do Inferno a sinistra sinfonia,
Que num fundo de astral melancolia
Minh’alma com a tu’alma goza e chora.

Para sempre está feito o augusto pacto!
Cegos serenos do celeste tacto,
Do Sonho envoltas na estrelada rede.

E perdidas, perdidas no Infinito
As nossas almas, no ClarĂŁo bendito,
HĂŁo de enfim saciar toda esta sede…

Sexta-Feira Santa

Lua absĂ­ntica, verde, feiticeira,
Pasmada como um vĂ­cio mosntruoso…
Um cão estranho fuça na esterqueira,
Uivando para o espaç fabuloso.

É esta a negra e santa Sexta-Feira!
Cristo está morto, como um vil leproso,
Chagado e frio, na feroz cegueira
Da morte, o sangue roxo e tenebroso.

A serpente do mal e do pecado
Um sinistro veneno esverdeado
Verte do Morto na mudez serena.

Mas da sagrada Redenção do Cristo,
Em vez do grande Amor, puro, imprevisto,
Brotam fosforescĂŞncias de gangrena!

Harpas Eternas

Hordas de Anjos titânicos e altivos,
Serenos, colossais, flamipotentes,
De grandes asas vĂ­vidas, frementes,
De formas e de aspectos expressivos.

Passam, nos sĂłis da GlĂłria redivivos,
Vibrando as de ouro e de Marfim dolentes,
Finas harpas celestes, refulgentes,
Da luz nos altos resplendores vivos

E as harpas enchem todo o imenso espaço
De um cântico pagão, lascivo, lasso,
Original, pecaminoso e brando…

E fica no ar, eterna, perpetuada
A lânguida harmonia delicada
Das harpas, todo o espaço avassalando.

DelĂ­rio Do Som

O Boabdil mais doce que um carinho,
O teu piano ebúrneo soluçava,
E cada nota, amor, que ele vibrava,
Era-me n’alma um sol desfeito em vinho.

Me parecia a mĂşsica do arminho,
O perfume do lĂ­rio que cantava,
A estrela-d’alva que nos cĂ©us entoava
Uma canção dulcíssima baixinho.

Incomparável, teu piano — e eu cria
Ver-te no espaço, em fluidos de harmonia,
Bela, serena, vaporosa e nua;

Como as visões olímpicas do Reno,
Cantando ao ar um delicioso treno
Vago e dolente, com uns tons de lua.

Acima De Tudo

Da gota d’água de um carinho agreste
Geram-se os oceanos da Bondade.
O coração que é livre e bom reveste
Tudo d’encanto e simples majestade.

Ascender para a Luz Ă© ser celeste,
Novos astros sentir na imensidade
Da alma e ficar nessa inconsĂştil veste
Da divina e serena claridade.

O que Ă© consolador e o que Ă© supremo
Cada alma encontra no caminho extremo,
Quando atinge Ă s estrelas da pureza.

É apenas trazer o Ser liberto
De tudo e transformar cada deserto
Num sonho virginal da Natureza!

Luz Dolorosa

Fulgem da Luz os Viáticos serenos,
Brancas Extrema-Unções dos hostiários:
As Estrelas dos límpidos Sacrários
A nĂ­vea Lua sobre a paz dos fenos.

Há prelúdios e cânticos e trenos
Tristes, nos ares ermos, solitários…
E nos brilhos da Luz, vagos e vários,
Há dor, há luto, há convulsões, venenos…

Estranhas sensações maravilhosas
Percorrem pelos cálices das rosas,
Sensações sepulcrais de larvas frias…

Como que ocultas áspides flexíveis
Mordem da Luz os germens invisĂ­veis
Com o tĂłxico das cĂłleras sombrias…

Alma Antiga

Põe a tua alma francamente aberta
Ao sol que pelos páramos faísca,
Que o sol para a tua alma velha e prisca
Deve de ser como um clarim de alerta.

Desperta, pois, por entre o sol, desperta
Como de um ninho a pomba quente e arisca
Ă€ luz da aurora que dos altos risca
De listrões d’ouro a vastidĂŁo deserta.

Vai por abril em flores gorgeando
Como pássaro exul as canções leves
Que os ventos vão nas árvores deixando.

E tira da tua alma, Ăł doce amiga,
Almas serenas, puras como a neve,
Almas mais novas que a tua alma antiga!

Inefável!

Nada há que me domine e que me vença
Quando a minh’alma mudamente acorda…
Ela rebenta em flor, ela transborda
Nos alvoroços da emoção imensa.

Sou como um Réu de celestial Sentença,
Condenado do Amor, que se recorda
Do Amor e sempre no SilĂŞncio borda
D’estrelas todo o cĂ©u em que erra e pensa.

Claros, meus olhos tornam-se mais claros
E tudo vejo dos encantos raros
E de outra mais serenas madrugadas!

todas as vozes que procuro e chamo
Ouço-as dentro de mim, porque eu as amo
Na minh’alma volteando arrebatadas!