A Lanterna
O sabio antigo andou pelas ruas d’Athenas,
Com a lanterna accesa, errante, Ă luz do dia,
Buscando o varĂŁo forte e justo da Utopia,
Privado de paixões e d’emoções terrenas.Eu tambem que aborreço as cousas vĂŁs, pequenas
E que mais alto puz a sĂŁ Philosophia,
Ha muito busco em vĂŁo–ha muito, quem diria!
O mais cruel ideal das concepções serenas.Tenho buscado em balde, e em vão por todo o mundo;
Esconde-se o ideal no sitio mais profundo,
No mar, no inferno, em tudo, aonde existe a dĂ´r!…De sorte que hoje emfim, descrente, resignado,
Concentrei-me em mim sĂł, n’um tedio indignado,
E apaguei a lanterna – É sĂł um sonho o Amor!
Sonetos sobre Serenos
99 resultadosAs Estrelas
Lá, nas celestes regiões distantes,
No fundo melancĂłlico da Esfera,
Nos caminhos da eterna Primavera
Do amor, eis as estrelas palpitantes.Quantos mistérios andarão errantes,
Quantas almas em busca da Quimera,
Lá, das estrelas nessa paz austera
Soluçarão, nos altos céus radiantes.Finas flores de pérolas e prata,
Das estrelas serenas se desata
Toda a caudal das ilusões insanas.Quem sabe, pelos tempos esquecidos,
Se as estrelas nĂŁo sĂŁo os ais perdidos
Das primitivas legiões humanas?!
Sátira aos Penteados Altos
Chaves na mĂŁo, melena desgrenhada,
Batendo o pé na casa, a mãe ordena
Que o furtado colchĂŁo, fofo e de pena,
A filha o ponha ali ou a criada.A filha, moça esbelta e aperaltada,
Lhe diz coa doce voz que o ar serena:
– «Sumiu-se-lhe um colchĂŁo? É forte pena;
Olhe nĂŁo fique a casa arruinada…»– «Tu respondes assim? Tu zombas disto?
Tu cuidas que, por ter pai embarcado,
Já a mãe não tem mãos?» E, dizendo isto,Arremete-lhe à cara e ao penteado.
Eis senĂŁo quando (caso nunca visto!)
Sai-lhe o colchĂŁo de dentro do toucado!…
O Grande Momento
Inicia-te, enfim, Alma imprevista,
Entra no seio dos Iniciados.
Esperam-te de luz maravilhados
Os Dons que vĂŁo te consagrar Artista.Toda uma Esfera te deslumbra a vista,
Os ativos sentidos requintados.
Céus e mais céus e céus transfigurados
Abrem-te as portas da imortal Conquista.Eis o grande Momento prodigioso
Para entrares sereno e majestoso
Num mundo estranho d’esplendor sidĂ©reo.Borboleta de sol, surge da lesma…
Oh! vai, entra na posse de ti mesma,
Quebra os selos augustos do Mistério!
Languidez
Tardes da minha terra, doce encanto,
Tardes duma pureza de açucenas,
Tardes de sonho, as tardes de novenas,
Tardes de Portugal, as tardes de Anto,Como eu vos quero e amo! Tanto! Tanto!
Horas benditas, leves como penas,
Horas de fumo e cinza, horas serenas,
Minhas horas de dor em que eu sou santo!Fecho as pálpebras roxas, quase pretas,
Que poisam sobre duas violetas,
Asas leves cansadas de voar …E a minha boca tem uns beijos mudos …
E as minhas mãos, uns pálidos veludos,
Traçam gestos de sonho pelo ar …
VĂłs Que, D’olhos Suaves E Serenos
VĂłs que, d’olhos suaves e serenos,
com justa causa a vida cativais,
e que os outros cuidados condenais
por indevidos, baixos e pequenos;se ainda do Amor domésticos venenos
nunca provastes, quero que saibais
que Ă© tanto mais o amor despois que amais,
quanto são mais as causas de ser menos.E não cuide ninguém que algum defeito,
quando na cousa amada s’apresenta,
possa deminuir o amor perfeito;antes o dobra mais; e se atormenta,
pouco e pouco o desculpa o brando peito;
que Amor com seus contrairos s’acrescenta.
Um Ser
Um ser na placidez da Luz habita,
Entre os mistérios inefáveis mora.
Sente florir nas lágrimas que chora
A alma serena, celestial, bendita.Um ser pertence Ă mĂşsica infinita
Das Esferas, pertence Ă luz sonora
Das estrelas do Azul e hora por hora
Na Natureza virginal palpita.Um ser desdenha das fatais poeiras,
Dos miseráveis ouropéis mundanos
E de todas as frĂvolas cegueiras…Ele passa, atravessa entre os humanos,
Como a vida das vidas forasteiras
Fecundada nos prĂłprios desenganos.
SilĂŞncios
Largos SilĂŞncios interpretativos,
Adoçados por funda nostalgia,
Balada de consolo e simpatia
Que os sentimentos meus torna cativos.Harmonia de doces lenitivos,
Sombra, segredo, lágrima, harmonia
Da alma serena, da alma fugidia
Nos seus vagos espasmos sugestivos.Ó Silêncios! ó cândidos desmaios,
Vácuos fecundos de celestes raios
De sonhos, no mais lĂmpido cortejo…Eu vos sinto os mistĂ©rios insondáveis,
Como de estranhos anjos inefáveis
O glorioso esplendor de um grande beijo!
Trevas
Haverá, por hipótese, nas geenas
Luz bastante fulmĂnea que transforme
Dentro da noite cavernosa e enorme
Minhas trevas anĂmicas serenas?!Raio horrendo haverá que as rasgue apenas?!
Não! Porque, na abismal substância informe,
Para convulsionar a alma que dorme
Todas as tempestades são pequenas!Há de a Terra vibrar na ardência infinda
Do Ă©ter em branca luz transubstanciado,
Rotos os nimbos maus que a obstruem a ĂŞsmo…A prĂłpria Esfinge há de falar-vos ainda
E eu, somente eu, hei de ficar trancado
Na noite aterradora de mim mesmo!
Pacto Das Almas (I) Para Sempre!
Ah! para sempre! para sempre! Agora
NĂŁo nos separaremos nem um dia…
Nunca mais, nunca mais, nesta harmoia
Das nossas almas de divina aurora.A voz do céu pode vibrar sonora
Ou do Inferno a sinistra sinfonia,
Que num fundo de astral melancolia
Minh’alma com a tu’alma goza e chora.Para sempre está feito o augusto pacto!
Cegos serenos do celeste tacto,
Do Sonho envoltas na estrelada rede.E perdidas, perdidas no Infinito
As nossas almas, no ClarĂŁo bendito,
HĂŁo de enfim saciar toda esta sede…
Vendo A Anarda Depõe O Sentimento
A serpe, que adornando várias cores,
com passos mais oblĂquos, que serenos,
entre belos jardins, prados amenos,
Ă© maio errante de torcidas flores;se quer matar da sede os desfavores,
Os cristais bebe com a peçonha menos,
por que nĂŁo morra com os mortais venenos,
se acaso gosta dos vitais licores.Assim também meu coração queixoso,
na sede ardente do feliz cuidado
bebe cos olhos teu cristal formoso;Pois para nĂŁo morrer no gosto amado,
depõe logo o tormento venenoso,
se acaso gosta o cristalino agrado.
Sexta-Feira Santa
Lua absĂntica, verde, feiticeira,
Pasmada como um vĂcio mosntruoso…
Um cão estranho fuça na esterqueira,
Uivando para o espaç fabuloso.É esta a negra e santa Sexta-Feira!
Cristo está morto, como um vil leproso,
Chagado e frio, na feroz cegueira
Da morte, o sangue roxo e tenebroso.A serpente do mal e do pecado
Um sinistro veneno esverdeado
Verte do Morto na mudez serena.Mas da sagrada Redenção do Cristo,
Em vez do grande Amor, puro, imprevisto,
Brotam fosforescĂŞncias de gangrena!
Harpas Eternas
Hordas de Anjos titânicos e altivos,
Serenos, colossais, flamipotentes,
De grandes asas vĂvidas, frementes,
De formas e de aspectos expressivos.Passam, nos sĂłis da GlĂłria redivivos,
Vibrando as de ouro e de Marfim dolentes,
Finas harpas celestes, refulgentes,
Da luz nos altos resplendores vivosE as harpas enchem todo o imenso espaço
De um cântico pagão, lascivo, lasso,
Original, pecaminoso e brando…E fica no ar, eterna, perpetuada
A lânguida harmonia delicada
Das harpas, todo o espaço avassalando.
Um Mover D’olhos, Brando E Piadoso
Um mover d’olhos, brando e piadoso,
sem ver de quĂŞ; um riso brando e honesto,
quase forçado; um doce e humilde gesto,
de qualquer alegria duvidoso;um despejo quieto e vergonhoso;
um repouso gravĂssimo e modesto;
ĂĽa pura bondade, manifesto
indĂcio da alma, limpo e gracioso;um encolhido ousar; ĂĽa brandura;
um medo sem ter culpa; um ar sereno;
um longo e obediente sofrimento;esta foi a celeste fermosura
da minha Circe, e o mágico veneno
que pĂ´de transformar meu pensamento.
DelĂrio Do Som
O Boabdil mais doce que um carinho,
O teu piano ebúrneo soluçava,
E cada nota, amor, que ele vibrava,
Era-me n’alma um sol desfeito em vinho.Me parecia a mĂşsica do arminho,
O perfume do lĂrio que cantava,
A estrela-d’alva que nos cĂ©us entoava
Uma canção dulcĂssima baixinho.Incomparável, teu piano — e eu cria
Ver-te no espaço, em fluidos de harmonia,
Bela, serena, vaporosa e nua;Como as visões olĂmpicas do Reno,
Cantando ao ar um delicioso treno
Vago e dolente, com uns tons de lua.
Classicismo
LongĂnquo descendente dos helenos
pelo espĂrito claro, a alma panteĂsta,
– amo a beleza esplĂŞndida de VĂŞnus
com uma alegria singular de artista!Amo a aventura e o belo, amo a conquista!
Nem receio os traidores e os venenos…
– Trago na alma engastada uma ametista,
– meus olhos de esmeraldas sĂŁo serenos!Com os pĂ©s na terra tenho o olhar no cĂ©u;
a alma, pura e irrequieta como as linfas
soltas no chĂŁo; nos lábios, tenho mel…Meu culto Ă© a liberdade e a vida sĂŁ.
E ainda hoje sigo e persigo as ninfas
com a minha flauta mágica de Pã!
VĂ©sper
Do seu fastĂgio azul, serena e fria,
Desce a noite outonal, augusta e bela;
VĂ©sper fulgura alĂ©m… VĂ©sper! SĂł ela
Todo o céu, doce e pálida, alumia.De um mosteiro na cúpula irradia
Com frouxa luz… Em sua humilde cela,
Contemplativa e lânguida à janela,
Triste freira, fitando-a, se extasia…VĂ©sper, envolta em deslumbrante alvura,
Ó nuvens, que ides pelo espaço afora!
A quem tĂŁo longo olhar volve da altura?Que olhar, irmĂŁo do seu, procura agora
Na terra o astro do amor? O olhar procura
Da solitária freira que o namora.
Soneto VI – Ă€ Mesma Senhora
TĂŁo doce como o som da doce avena
Modulada na clave da saudade;
Como a brisa a voar na soledade,
Branda, singela, lĂmpida e serena;Ora em notas de gozo, ora de pena,
Já cheia de solene majestade,
Já lânguida exprimindo piedade,
Sempre essa voz Ă© bela, sempre amena.Mulher, do canto teu no dom supremo
A dádiva descubro mais subida
Que de um Deus pode dar o amor paterno.E minh’alma, num ĂŞxtase embebida,
Aos teus lábios deseja um canto eterno,
E, só para gozá-lo, eterna a vida.
LXV
Ingrata foste, Elisa; eu te condeno
A injusta sem-razĂŁo; foste tirana,
Em renderes, belĂssima serrana,
A tua liberdade ao néscio Almeno.Que achaste no seu rosto de sereno,
De belo, ou de gentil, para inumana
Trocares pela dele esta choupana,
Em que tinhas o abrigo mais ameno?Que canto em teu louvor entoaria?
Que te podia dar o pastor pobre?
Que extremos, mais do que eu, por ti faria?O meu rebanho estas montanhas cobre:
Eu os excedo a todos na harmonia;
Mas ah que ele Ă© feliz! Isto lhe sobre
A Dor
Que venha, refĂşgio ou insĂłnia, futuro
antigo e comece no campo ou no flanco, Ă
direita, onde consome a alma, Ă esquerda
onde exclama no corpo, na seiva ou no chĂŁodos sobressaltos. Venha, amantĂssima e espessa,
orelha ou folha acesa, fugaz ou rasgada,
planĂcie vermelha, doce, gĂ©lida ou rápida.
Obedeça ao enleio, desperte ou descanse,corre pelo sangue como cervo na noite,
sol que despedaça o peito. O rosto se cobre
de grandes cinzas, pesado como uma lágrima,a alma, sendo ar, em nenhum lugar sereno.
Única posse de que dispomos. É seu
absurdo desejo, subtil e sem domĂnio.