DemĂ´nios
A lĂngua vil, ignĂvoma, purpĂşrea
Dos pecados mortais bava e braveja,
Com os seres impoluĂdos mercadeja,
Mordendo-os fundo injúria por injúria.É um grito infernal de atroz luxúria,
Dor de danados, dor do Caos que almeja
A toda alma serena que viceja,
SĂł fĂşria, fĂşria, fĂşria, fĂşria, fĂşria!SĂŁo pecados mortais feitos hirsutos
DemĂ´nios maus que os venenosos frutos
Morderam com volĂşpia de quem ama…Vermes da Inveja, a lesma verde e oleosa,
Anões da Dor torcida e cancerosa,
Abortos de almas a sangrar na lama!
Sonetos sobre Seres
30 resultadosSoneto
(Oferecido e dedicado ao llmo. Sr. M. Bernardino A. Varela pelo autor.)
Vir bonus dicendi peritus laudandum est.Senhor de nobre alma, tĂŁo
D’entre os sábios conhecido,
De pais excelsos nascido,
Aceitai a minha canção.Probo pai, bom cidadão,
Sois dos seres melhor ser
Por saber tĂŁo profundo ter,
Sois ilustre qual CatĂŁo.Recebei esta prova mesquinha
De penhor e de oração,
Produto da pena minha.Perdoai, mui digno varĂŁo,
Se na mente eu pobre tinha
Cometer-vos indiscrição.
Vida Obscura
Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro,
Ă“ ser humilde entre os humildes seres.
Embriagado, tonto dos prazeres,
O mundo para ti foi negro e duro.Atravessaste num silĂŞncio escuro
A vida presa a trágicos deveres
E chegaste ao saber de altos saberes
Tornando-te mais simples e mais puro.NinguémTe viu o sentimento inquieto,
Magoado, oculto e aterrador, secreto,
Que o coração te apunhalou no mundo.Mas eu que sempre te segui os passos
Sei que cruz infernal prendeu-te os braços
E o teu suspiro como foi profundo!
Vê Minha Vida à Luz da Protecção
Vê minha vida à luz da protecção
que dás disposta a dar-se por amor
e quando a mĂŁe te deu Ă luz com dor
o espĂrito adensou-se nela entĂŁoo mesmo que em espigas pelo verĂŁo
a negra fronte bela foi compor
de inverno em voz amarga acusador
a cuja vista as lágrimas virãoMeu amor em teu corpo se cinzela
e dele os outros seres recebem vida
perante ti criança os que da feridasangram exposta ao mundo que flagela
A mim foste mais bálsamo porém
do que as curas balsâmicas que tem.Tradução de Vasco Graça Moura
Ser Poeta
Ser Poeta Ă© ser mais alto, Ă© ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!É ter de mil desejos o esplendor
E nĂŁo saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhĂŁs de oiro e de cetim…
É condensar o mundo num sĂł grito!E Ă© amar-te, assim, perdidamente…
É seres alma e sangue e vida em mim
E dizĂŞ-lo cantando a toda gente!
A Um GĂ©rmen
Começaste a existir, geléia crua,
E hás de crescer, no teu silêncio, tanto
Que, Ă© natural, ainda algum dia, o pranto
Das tuas concreções plásmicas flua!A água, em conjugação com a terra nua,
Vence o granito, deprimindo-o … O espanto
Convulsiona os espĂritos, e, entanto,
Teu desenvolvimento continua!Antes, geléia humana, não progridas
E em retrogradações indefinidas,
Volvas Ă antiga inexistĂŞncia calma!…Antes o Nada, oh! gĂ©rmen, que ainda haveres
De atingir, como o gérmen de outros seres,
Ao supremo infortĂşnio de ser alma!
Oceano Nox
Junto do mar, que erguia gravemente
A trágica voz rouca, enquanto o vento
Passava como o vĂ´o do pensamento
Que busca e hesita, inquieto e intermitente,Junto do mar sentei-me tristemente,
Olhando o céu pesado e nevoento,
E interroguei, cismando, esse lamento
Que saĂa das coisas, vagamente…Que inquieto desejo vos tortura,
Seres elementares, força obscura?
Em volta de que idéia gravitais?Mas na imensa extensão, onde se esconde
O Inconsciente imortal, sĂł me responde
Um bramido, um queixume, e nada mais…
Abrigo Celeste
Estrela triste a refletir na lama,
Raio de luz a cintilar na poeira,
Tens a graça sutil e feiticeira,
A doçura das curvas e da chama.Do teu olhar um fluido se derrama
De tão suave, cândida maneira
Que Ă©s a sagrada pomba alvissareira
Que para o Amor toda a minh’alma chama.Meu ser anseia por teu doce apoio,
Nos outros seres sĂł encontra joio
Mas sĂł no teu todo o divino trigo.Sou como um cego sem bordĂŁo de arrimo
Que do teu ser, tateando, me aproximo
Como de um céu de carinhoso abrigo.
Parece Que Nasceste, Oh! Pálida Divina
Parece que nasceste, oh! pálida divina,
Para seres o farol, a luz das puras almas!…
Parece que ao estridor, ao frĂŞmito das palmas
Exalças-te feliz a plaga cristalina!…Parece que se partem, angĂ©lica Bambina,
As campas glaciais dos Tassos e dos Talmas,
Lá quando no tablado as turbas sempre calmas
Transmutas em vulcĂŁo, em raio que fulmina!…E quando majestosa, em lance sublimado
Dardejas do olhar, olĂmpico, sagrado
Mil chispas ideais, titânicas, ardentes!…EntĂŁo sente-se n’alma o trĂŞmulo nervoso
Que deve ter o mar, fantástico, espumoso
Nos grossos vagalhões, indĂ´mitos, frementes!!…
A Castidade com que Abria as Coxas
A castidade com que abria as coxas
e reluzia a sua flora brava.
Na mansuetude das ovelhas mochas,
e tĂŁo estrita, como se alargava.Ah, coito, coito, morte de tĂŁo vida,
sepultura na grama, sem dizeres.
Em minha ardente substância esvaĂda,
eu não era ninguém e era mil seresem mim ressuscitados. Era Adão,
primeiro gesto nu ante a primeira
negritude de corpo feminino.Roupa e tempo jaziam pelo chĂŁo.
E nem restava mais o mundo, Ă beira
dessa moita orvalhada, nem destino.