Sonetos sobre SilĂȘncio

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Sonetos de silĂȘncio escritos por poetas consagrados, filĂłsofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Ser Dos Seres

No teu ser de silĂȘncio e d’esperança
A doce luz das AmplidÔes flameja.
Ele sente, ele aspira, ele deseja
A grande zona da imortal Bonança.

Pelos largos espaços se balança
Como a estrela infinita que dardeja,
Sempre isento da Treva que troveja
O clamor inflamado da Vingança.

Por entre enlevos e deslumbramentos
Entra na Força astral dos Sentimentos
E do Poder nos mĂĄgicos poderes.

E traz, embora os íntimos cansaços,
Ânsias secretas para abrir os braços
Na generosa comunhĂŁo dos Seres!

LV

Em profundo silĂȘncio jĂĄ descansa
Todo o mortal; e a minha triste idéia
Se estende, se dilata, se recreia
Pelo espaçoso campo da lembrança.

Fatiga-se, prossegue, em vĂŁo se cansa;
E neste vĂĄrio giro, em que se enleia,
Ao duvidoso passo jĂĄ receia,
Que lhe possa faltar a segurança.

Que diferente tudo estĂĄ notando!
Que perplexo as imagens do perdido
Num e noutro despojo vem achando!

Este nĂŁo Ă© o templo (eu o duvido)
Assim o afirma, assim o estĂĄ mostrando:
Ou morreu Nise, ou este nĂŁo Ă© Fido.

SilĂȘncio!

No fadĂĄrio que Ă© meu, neste penar,
Noite alta, noite escura, noite morta,
Sou o vento que geme e quer entrar,
Sou o vento que vai bater-te Ă  porta…

Vivo longe de ti, mas que me importa?
Se eu jĂĄ nĂŁo vivo em mim! Ando a vaguear
Em roda Ă  tua casa, a procurar
Beber-te a voz, apaixonada, absorta!

Estou junto de ti e nĂŁo me vĂȘs…
Quantas vezes no livro que tu lĂȘs
Meu olhar se pousou e se perdeu!

Trago-te como um filho, nos meus braços!
E na tua casa…Escuta!…Uns leves passos…
SilĂȘncio, meu Amor!…Abre! Sou eu!…

Beijos No Ar

No silĂȘncio da noite, alta e deserta,
inebriante, férvido sintoma,
uma fragrĂąncia feminina assoma
e tentadoramente me desperta.

Entrou-me, em ondas, a janela aberta,
como se se quebrara uma redoma,
da qual fugira o delirante aroma,
que o mistério do amor assim me oferta.

De que dama-da-noite ou jasmineiro,
de que magnĂłlia em flor, em fevereiro,
se exala esse cĂĄlido desejo?

Ela sonha comigo: esse perfume
vem da sua saudade, que presume,
embora em sonho, ter-me dado um beijo!

Nihil Novum

Na penumbra do pĂłrtico encantado
De bruges, noutras eras, jĂĄ vivi;
Vi os templos do Egipto com Loti;
Lancei flores, na Índia, ao rio sagrado.

No horizonte de bruma opalizado,
Frente ao BĂłsforo errei, pensando em ti!…
O silĂȘncio dos claustros conheci
Pelos poentes de nĂĄcar e brocado…

Mordi as rosas brancas de IspaĂŁ
E o gosto a cinza em todas era igual!
Sempre a charneca bĂĄrbara e deserta,

Triste, a florir, numa ansiedade vĂŁ!
Sempre da vida — o mesmo estranho mal,
E o coração — a mesma chaga aberta!

Morte

Num imenso salĂŁo, alto e rotundo,
De caveiras iguais, ossos sem dono,
Perpétua habitação de eterno sono
Que tem por tecto o CĂ©u, por base o mundo:

Bem no meio, em silĂȘncio o mais profundo,
Se levanta da Morte o fatal trono:
Ceptros sem rei, arados sem colono,
SĂŁo os degraus do sĂłlio furibundo.

Lanças, arneses pelo chão, quebrados,
Murchas grinaldas, bĂĄculos partidos,
Liras de vates, pastoris cajados,

Algemas, ferros e brasÔes luzidos,
No terrĂ­vel salĂŁo sĂŁo misturados,
No palĂĄcio da Morte confundidos.

A Idade

Ao princípio, era a doença de ser, pura e simples
exaltação das trevas de que a casa era a luz do mundo.
Ao princĂ­pio, estava o amor oculto no secreto fio
da memĂłria do mundo. Ao princĂ­pio, era o insondĂĄvel

desconhecido, aberto nas mãos maternais, sortilégio
do mundo. Ao princĂ­pio, vinha o silĂȘncio como ponto
de encontro do nada do mundo. Ao princĂ­pio, chegava
a dor da pedra opressa nos coraçÔes, sublime prodígio

do mundo. Ao princĂ­pio, revelava-se o inominĂĄvel,
o imĂłvel, o informe, a intimidade temida do mundo.
Ao princĂ­pio, clamava-se a concĂłrdia e a piedade,

afirmação absoluta da constùncia do mundo.
Ao princĂ­pio, era o calor e a paz. Depois, a casa
abriu-se à terra fértil, a madre terra, a medonha terra.

Imortal Atitude

Abre os olhos Ă  Vida e fica mudo!
Oh! Basta crer indefinidamente
Para ficar iluminado tudo
De uma luz imortal e transcendente.

Crer Ă© sentir, como secreto escudo,
A alma risonha, lĂșcida, vidente…
E abandonar o sujo deus cornudo,
O sĂĄtiro da Carne impenitente.

Abandonar os lĂąnguidos rugidos,
O infinito gemido dos gemidos
Que vai no lodo a carne chafurdando.

Erguer os olhos, levantar os braços
Para o eterno SilĂȘncio dos Espaços
E no SilĂȘncio emudecer olhando…

Cartas

Vou correndo buscĂĄ-las – sĂŁo tĂŁo leves!
mas trazem a minha alma um grande encanto,
– por que as cartas que escreves custam tanto?
– por que demora tanto o que me escreves?

NĂŁo deves torturar-me assim, nĂŁo deves!
– Do teu silĂȘncio muita vez me espanto…
Mando-te longas cartas – e entretanto
como tuas respostas sĂŁo tĂŁo breves!…

Recebes cartas minhas todo dia,
e elas nĂŁo dizem tudo o que eu queria
mas falam-te de amor… de coisas belas!

Tuas cartas… Mas dou-te o meu perdĂŁo,
– que me importa afinal ter razĂŁo,
se gosto tanto de esperar por elas!

Absurdo

Ninguém te disse nada, ninguém soube
do anel que se perdia em tuas mĂŁos
e crescia nas coisas reduzindo-as
Ă  ausĂȘncia mais completa do existir.

Mesmo quando o limite era essa zona
fugidia de gestos e silĂȘncios
e a noite desdobrava em tua pele
o mapa das cidades compassivas,

ninguém pÎde saber do imprevisível,
do lado mais secreto e numeroso
que havia em ti, na vida que buscavas

e que perdias sempre, por mais fundo,
por mais limpo que fosse o privilégio
da mĂĄgoa sempre nova de perdĂȘ-la.

Desesperança

Vai-te na aza negra da desgraça,
Pensamento de amor, sombra d’uma hora,
Que abracei com delĂ­rio, vai-te, embora,
Como nuvem que o vento impele… e passa.

Que arrojemos de nós quem mais se abraça,
Com mais ancia, ĂĄ nossa alma! e quem devora
D’essa alma o sangue, com que vigora,
Como amigo comungue å mesma taça!

Que seja sonho apenas a esperança,
Enquanto a dor eternamente assiste.
E sĂł engano nunca a desventura!

Se era silĂȘncio sofrer fora vingança!..
Envolve-te em ti mesma, Ăł alma triste,
Talvez sem esperança haja ventura!

TĂ©dio

Sobre minh’alma, como sobre um trono,
Senhor brutal, pesa o aborrecimento.
Como tardas em vir, Ășltimo outono,
Lançar-me as folhas Ășltimas ao vento!

Oh! dormir no silĂȘncio e no abandono,
SĂł, sem um sonho, sem um pensamento,
E, no letargo do aniquilamento,
Ter, Ăł pedra, a quietude do teu sono!

Oh! deixar de sonhar o que nĂŁo vejo!
Ter o sangue gelado, e a carne fria!
E, de uma luz crepuscular velada,

Deixar a alma dormir sem um desejo,
Ampla, fĂșnebre, lĂșgubre, vazia
Como uma catedral abandonada!…

Para nĂŁo Deixar de Amar-te Nunca

SaberĂĄs que nĂŁo te amo e que te amo
pois que de dois modos Ă© a vida,
a palavra Ă© uma asa do silĂȘncio,
o fogo tem a sua metade de frio.

Amo-te para começar a amar-te,
para recomeçar o infinito
e para nĂŁo deixar de amar-te nunca:
por isso nĂŁo te amo ainda.

Amo-te e nĂŁo te amo como se tivesse
nas minhas mĂŁos a chave da felicidade
e um incerto destino infeliz.

O meu amor tem duas vidas para amar-te.
Por isso te amo quando nĂŁo te amo
e por isso te amo quando te amo.

SolidĂŁo

Um frio enorme esta minha alma corta,
e eu me encolho em mim mesmo: – a solidĂŁo
anda lĂĄ fora, e o vento Ă  minha porta
passa arrastando as folhas pelo chĂŁo…

Nesta noite de inverno fria e morta,
em meio ao neblinar da cerração,
o silĂȘncio, que o espĂ­rito conforta,
exaspera a minha alma de aflição…

As horas vĂŁo passando em abandono,
e entre os frios lençóis onde me deito
em vĂŁo tento conciliar o sono

A cama Ă© fria… O quarto Ășmido e triste…
– HĂĄ uma noite de inverno no meu peito,
desde o instante cruel em que partiste…

Longus

É de manhã, no outono. À luz, o orvalho
doira os mirtais de trĂȘmulas capelas.
e, sobre o solo, recobrindo o atalho,
hĂĄ milhares de folhas amarelas…

A Filetas, ao pé de amplo carvalho,
ouvem as narraçÔes e pastorelas,
um rapaz, aindaingĂȘnuo e sem trabalho,
e a mais linda de todas as donzelas…

É a narrativa do florir dos prados,
que o mais doce dos velhos barbilongos
conta ao casal de jovens namorados…

SilĂȘncio… Ouvi-lhe o beijo dos ditongos,
os silĂĄbicos sons, que musicados,
cantam na amĂĄvel pastoral de Longus…

Adagas Cujas JĂłias Velhas Galas

Adagas cujas jĂłias velhas galas…
Opalesci amar-me entre mĂŁos raras,
E fluido a febres entre um lembrar de aras,
O convĂ©s sem ninguĂ©m cheio de malas…

O Ă­ntimo silĂȘncio das opalas
Conduz orientes até jóias caras,
E o meu anseio vai nas rotas claras
De um grande sonho cheio de Ăłcio e salas…

Passa o cortejo imperial, e ao longe
O povo só pelo cessar das lanças
Sabe que passa o seu tirano, e estruge

Sua ovação, e erguem as crianças
Mas o teclado as tuas mĂŁos pararam
E indefinidamente repousaram…

Luar

Pelas esferas, nuvens peregrinas,
Brandas de toques, encaracoladas,
Passam de longe, tĂ­midas, nevadas,
Cruzando o azul sereno das colinas.

Sombras da tarde, sombras vespertinas
Como escumilhas leves, delicadas,
Caem da serra oblonga nas quebradas,
VĂŁo penumbrando as coisas cristalinas.

Rasga o silĂȘncio a nota chĂŁ, plangente,
Da Ave-Maria, — e entĂŁo, nervosamente,
Nuns inefĂĄveis, espontĂąneos jorros

Esbate o luar, de forma admirĂĄvel,
Claro, bondoso, elétrico, saudåvel,
Na curvilĂ­nea compridĂŁo dos mortos.

Rio Abaixo

Treme o rio, a rolar, de vaga em vaga…
Quase noite. Ao sabor do curso lento
Da ĂĄgua, que as margens em redor alaga,
Seguimos. Curva os bambuais o vento.

Vivo, hĂĄ pouco, de pĂșrpura, sangrento,
Desmaia agora o Ocaso. A noite apaga
A derradeira luz do firmamento…
Rola o rio, a tremer, de vaga em vaga.

Um silĂȘncio tristĂ­ssimo por tudo
Se espalha. Mas a lua lentamente
Surge na fĂ­mbria do horizonte mudo:

E o seu reflexo pĂĄlido, embebido
Como um glĂĄdio de prata na corrente,
Rasga o seio do rio adormecido.

Ângelus

Desmaia a tarde. Além, pouco e pouco, no poente,
O sol, rei fatigado, em seu leito adormece:
Uma ave canta, ao longe; o ar pesado estremece
Do Ângelus ao soluço agoniado e plangente.

Salmos cheios de dor, impregnados de prece,
Sobem da terra ao céu numa ascensão ardente.
E enquanto o vento chora e o crepĂșsculo desce,
A ave-maria vai cantando, tristemente.

Nest’hora, muita vez, em que fala a saudade
Pela boca da noite e pelo som que passa,
Lausperene de amor cuja mĂĄgoa me invade,

Quisera ser o som, ser a noite, Ă©bria e douda
De trevas, o silĂȘncio, esta nuvem que esvoaça,
Ou fundir-me na luz e desfazer-me toda.

Uma Doença CĂșmplice

uma doença cĂșmplice, marcas pĂșrpura
dĂŁo ao teu rosto a expressĂŁo do exĂ­lio
a que te submetes, gemeste
toda a noite, soçobraste

Ă  febre alta do final da tarde, uma prega,
vincada no teu rosto,
mantém-te inanimado
entre a vigĂ­lia e a injĂșria

que hĂĄ no sacrifĂ­cio
e te pÔe a carne em chaga.
uma doença altiva, a consistĂȘncia

do silĂȘncio Ă© como aço e o transe
permanece, Ă© superiormente excessiva
tanta angĂșstia.