Ser Dos Seres
No teu ser de silĂȘncio e d’esperança
A doce luz das AmplidÔes flameja.
Ele sente, ele aspira, ele deseja
A grande zona da imortal Bonança.Pelos largos espaços se balança
Como a estrela infinita que dardeja,
Sempre isento da Treva que troveja
O clamor inflamado da Vingança.Por entre enlevos e deslumbramentos
Entra na Força astral dos Sentimentos
E do Poder nos mĂĄgicos poderes.E traz, embora os Ăntimos cansaços,
Ănsias secretas para abrir os braços
Na generosa comunhĂŁo dos Seres!
Sonetos sobre SilĂȘncio
109 resultadosLV
Em profundo silĂȘncio jĂĄ descansa
Todo o mortal; e a minha triste idéia
Se estende, se dilata, se recreia
Pelo espaçoso campo da lembrança.Fatiga-se, prossegue, em vão se cansa;
E neste vĂĄrio giro, em que se enleia,
Ao duvidoso passo jĂĄ receia,
Que lhe possa faltar a segurança.Que diferente tudo estå notando!
Que perplexo as imagens do perdido
Num e noutro despojo vem achando!Este nĂŁo Ă© o templo (eu o duvido)
Assim o afirma, assim o estĂĄ mostrando:
Ou morreu Nise, ou este nĂŁo Ă© Fido.
SilĂȘncio!
No fadĂĄrio que Ă© meu, neste penar,
Noite alta, noite escura, noite morta,
Sou o vento que geme e quer entrar,
Sou o vento que vai bater-te Ă porta…Vivo longe de ti, mas que me importa?
Se eu jĂĄ nĂŁo vivo em mim! Ando a vaguear
Em roda Ă tua casa, a procurar
Beber-te a voz, apaixonada, absorta!Estou junto de ti e nĂŁo me vĂȘs…
Quantas vezes no livro que tu lĂȘs
Meu olhar se pousou e se perdeu!Trago-te como um filho, nos meus braços!
E na tua casa…Escuta!…Uns leves passos…
SilĂȘncio, meu Amor!…Abre! Sou eu!…
Beijos No Ar
No silĂȘncio da noite, alta e deserta,
inebriante, férvido sintoma,
uma fragrĂąncia feminina assoma
e tentadoramente me desperta.Entrou-me, em ondas, a janela aberta,
como se se quebrara uma redoma,
da qual fugira o delirante aroma,
que o mistério do amor assim me oferta.De que dama-da-noite ou jasmineiro,
de que magnĂłlia em flor, em fevereiro,
se exala esse cĂĄlido desejo?Ela sonha comigo: esse perfume
vem da sua saudade, que presume,
embora em sonho, ter-me dado um beijo!
Nihil Novum
Na penumbra do pĂłrtico encantado
De bruges, noutras eras, jĂĄ vivi;
Vi os templos do Egipto com Loti;
Lancei flores, na Ăndia, ao rio sagrado.No horizonte de bruma opalizado,
Frente ao BĂłsforo errei, pensando em ti!…
O silĂȘncio dos claustros conheci
Pelos poentes de nĂĄcar e brocado…Mordi as rosas brancas de IspaĂŁ
E o gosto a cinza em todas era igual!
Sempre a charneca bĂĄrbara e deserta,Triste, a florir, numa ansiedade vĂŁ!
Sempre da vida — o mesmo estranho mal,
E o coração — a mesma chaga aberta!
Morte
Num imenso salĂŁo, alto e rotundo,
De caveiras iguais, ossos sem dono,
Perpétua habitação de eterno sono
Que tem por tecto o CĂ©u, por base o mundo:Bem no meio, em silĂȘncio o mais profundo,
Se levanta da Morte o fatal trono:
Ceptros sem rei, arados sem colono,
São os degraus do sólio furibundo.Lanças, arneses pelo chão, quebrados,
Murchas grinaldas, bĂĄculos partidos,
Liras de vates, pastoris cajados,Algemas, ferros e brasÔes luzidos,
No terrĂvel salĂŁo sĂŁo misturados,
No palĂĄcio da Morte confundidos.
A Idade
Ao princĂpio, era a doença de ser, pura e simples
exaltação das trevas de que a casa era a luz do mundo.
Ao princĂpio, estava o amor oculto no secreto fio
da memĂłria do mundo. Ao princĂpio, era o insondĂĄveldesconhecido, aberto nas mĂŁos maternais, sortilĂ©gio
do mundo. Ao princĂpio, vinha o silĂȘncio como ponto
de encontro do nada do mundo. Ao princĂpio, chegava
a dor da pedra opressa nos coraçÔes, sublime prodĂgiodo mundo. Ao princĂpio, revelava-se o inominĂĄvel,
o imĂłvel, o informe, a intimidade temida do mundo.
Ao princĂpio, clamava-se a concĂłrdia e a piedade,afirmação absoluta da constĂąncia do mundo.
Ao princĂpio, era o calor e a paz. Depois, a casa
abriu-se à terra fértil, a madre terra, a medonha terra.
Imortal Atitude
Abre os olhos Ă Vida e fica mudo!
Oh! Basta crer indefinidamente
Para ficar iluminado tudo
De uma luz imortal e transcendente.Crer Ă© sentir, como secreto escudo,
A alma risonha, lĂșcida, vidente…
E abandonar o sujo deus cornudo,
O sĂĄtiro da Carne impenitente.Abandonar os lĂąnguidos rugidos,
O infinito gemido dos gemidos
Que vai no lodo a carne chafurdando.Erguer os olhos, levantar os braços
Para o eterno SilĂȘncio dos Espaços
E no SilĂȘncio emudecer olhando…
Cartas
Vou correndo buscĂĄ-las – sĂŁo tĂŁo leves!
mas trazem a minha alma um grande encanto,
– por que as cartas que escreves custam tanto?
– por que demora tanto o que me escreves?NĂŁo deves torturar-me assim, nĂŁo deves!
– Do teu silĂȘncio muita vez me espanto…
Mando-te longas cartas – e entretanto
como tuas respostas sĂŁo tĂŁo breves!…Recebes cartas minhas todo dia,
e elas nĂŁo dizem tudo o que eu queria
mas falam-te de amor… de coisas belas!Tuas cartas… Mas dou-te o meu perdĂŁo,
– que me importa afinal ter razĂŁo,
se gosto tanto de esperar por elas!
Absurdo
Ninguém te disse nada, ninguém soube
do anel que se perdia em tuas mĂŁos
e crescia nas coisas reduzindo-as
Ă ausĂȘncia mais completa do existir.Mesmo quando o limite era essa zona
fugidia de gestos e silĂȘncios
e a noite desdobrava em tua pele
o mapa das cidades compassivas,ninguĂ©m pĂŽde saber do imprevisĂvel,
do lado mais secreto e numeroso
que havia em ti, na vida que buscavase que perdias sempre, por mais fundo,
por mais limpo que fosse o privilégio
da mĂĄgoa sempre nova de perdĂȘ-la.
Desesperança
Vai-te na aza negra da desgraça,
Pensamento de amor, sombra d’uma hora,
Que abracei com delĂrio, vai-te, embora,
Como nuvem que o vento impele… e passa.Que arrojemos de nĂłs quem mais se abraça,
Com mais ancia, ĂĄ nossa alma! e quem devora
D’essa alma o sangue, com que vigora,
Como amigo comungue å mesma taça!Que seja sonho apenas a esperança,
Enquanto a dor eternamente assiste.
E sĂł engano nunca a desventura!Se era silĂȘncio sofrer fora vingança!..
Envolve-te em ti mesma, Ăł alma triste,
Talvez sem esperança haja ventura!
TĂ©dio
Sobre minh’alma, como sobre um trono,
Senhor brutal, pesa o aborrecimento.
Como tardas em vir, Ășltimo outono,
Lançar-me as folhas Ășltimas ao vento!Oh! dormir no silĂȘncio e no abandono,
SĂł, sem um sonho, sem um pensamento,
E, no letargo do aniquilamento,
Ter, Ăł pedra, a quietude do teu sono!Oh! deixar de sonhar o que nĂŁo vejo!
Ter o sangue gelado, e a carne fria!
E, de uma luz crepuscular velada,Deixar a alma dormir sem um desejo,
Ampla, fĂșnebre, lĂșgubre, vazia
Como uma catedral abandonada!…
Para nĂŁo Deixar de Amar-te Nunca
SaberĂĄs que nĂŁo te amo e que te amo
pois que de dois modos Ă© a vida,
a palavra Ă© uma asa do silĂȘncio,
o fogo tem a sua metade de frio.Amo-te para começar a amar-te,
para recomeçar o infinito
e para nĂŁo deixar de amar-te nunca:
por isso nĂŁo te amo ainda.Amo-te e nĂŁo te amo como se tivesse
nas minhas mĂŁos a chave da felicidade
e um incerto destino infeliz.O meu amor tem duas vidas para amar-te.
Por isso te amo quando nĂŁo te amo
e por isso te amo quando te amo.
SolidĂŁo
Um frio enorme esta minha alma corta,
e eu me encolho em mim mesmo: – a solidĂŁo
anda lĂĄ fora, e o vento Ă minha porta
passa arrastando as folhas pelo chĂŁo…Nesta noite de inverno fria e morta,
em meio ao neblinar da cerração,
o silĂȘncio, que o espĂrito conforta,
exaspera a minha alma de aflição…As horas vĂŁo passando em abandono,
e entre os frios lençóis onde me deito
em vĂŁo tento conciliar o sonoA cama Ă© fria… O quarto Ășmido e triste…
– HĂĄ uma noite de inverno no meu peito,
desde o instante cruel em que partiste…
Longus
Ă de manhĂŁ, no outono. Ă luz, o orvalho
doira os mirtais de trĂȘmulas capelas.
e, sobre o solo, recobrindo o atalho,
hĂĄ milhares de folhas amarelas…A Filetas, ao pĂ© de amplo carvalho,
ouvem as narraçÔes e pastorelas,
um rapaz, aindaingĂȘnuo e sem trabalho,
e a mais linda de todas as donzelas…Ă a narrativa do florir dos prados,
que o mais doce dos velhos barbilongos
conta ao casal de jovens namorados…SilĂȘncio… Ouvi-lhe o beijo dos ditongos,
os silĂĄbicos sons, que musicados,
cantam na amĂĄvel pastoral de Longus…
Adagas Cujas JĂłias Velhas Galas
Adagas cujas jĂłias velhas galas…
Opalesci amar-me entre mĂŁos raras,
E fluido a febres entre um lembrar de aras,
O convĂ©s sem ninguĂ©m cheio de malas…O Ăntimo silĂȘncio das opalas
Conduz orientes até jóias caras,
E o meu anseio vai nas rotas claras
De um grande sonho cheio de Ăłcio e salas…Passa o cortejo imperial, e ao longe
O povo só pelo cessar das lanças
Sabe que passa o seu tirano, e estrugeSua ovação, e erguem as crianças
Mas o teclado as tuas mĂŁos pararam
E indefinidamente repousaram…
Luar
Pelas esferas, nuvens peregrinas,
Brandas de toques, encaracoladas,
Passam de longe, tĂmidas, nevadas,
Cruzando o azul sereno das colinas.Sombras da tarde, sombras vespertinas
Como escumilhas leves, delicadas,
Caem da serra oblonga nas quebradas,
VĂŁo penumbrando as coisas cristalinas.Rasga o silĂȘncio a nota chĂŁ, plangente,
Da Ave-Maria, — e entĂŁo, nervosamente,
Nuns inefĂĄveis, espontĂąneos jorrosEsbate o luar, de forma admirĂĄvel,
Claro, bondoso, elétrico, saudåvel,
Na curvilĂnea compridĂŁo dos mortos.
Rio Abaixo
Treme o rio, a rolar, de vaga em vaga…
Quase noite. Ao sabor do curso lento
Da ĂĄgua, que as margens em redor alaga,
Seguimos. Curva os bambuais o vento.Vivo, hĂĄ pouco, de pĂșrpura, sangrento,
Desmaia agora o Ocaso. A noite apaga
A derradeira luz do firmamento…
Rola o rio, a tremer, de vaga em vaga.Um silĂȘncio tristĂssimo por tudo
Se espalha. Mas a lua lentamente
Surge na fĂmbria do horizonte mudo:E o seu reflexo pĂĄlido, embebido
Como um glĂĄdio de prata na corrente,
Rasga o seio do rio adormecido.
Ăngelus
Desmaia a tarde. Além, pouco e pouco, no poente,
O sol, rei fatigado, em seu leito adormece:
Uma ave canta, ao longe; o ar pesado estremece
Do Ăngelus ao soluço agoniado e plangente.Salmos cheios de dor, impregnados de prece,
Sobem da terra ao céu numa ascensão ardente.
E enquanto o vento chora e o crepĂșsculo desce,
A ave-maria vai cantando, tristemente.Nest’hora, muita vez, em que fala a saudade
Pela boca da noite e pelo som que passa,
Lausperene de amor cuja mĂĄgoa me invade,Quisera ser o som, ser a noite, Ă©bria e douda
De trevas, o silĂȘncio, esta nuvem que esvoaça,
Ou fundir-me na luz e desfazer-me toda.
Uma Doença CĂșmplice
uma doença cĂșmplice, marcas pĂșrpura
dĂŁo ao teu rosto a expressĂŁo do exĂlio
a que te submetes, gemeste
toda a noite, soçobrasteà febre alta do final da tarde, uma prega,
vincada no teu rosto,
mantém-te inanimado
entre a vigĂlia e a injĂșriaque hĂĄ no sacrifĂcio
e te pÔe a carne em chaga.
uma doença altiva, a consistĂȘnciado silĂȘncio Ă© como aço e o transe
permanece, Ă© superiormente excessiva
tanta angĂșstia.