VisĂŁo
Noiva de Satanás, Arte maldita,
Mago Fruto letal e proibido,
Sonâmbula do Além, do Indefinido
Das profundas paixões, Dor infinita.Astro sombrio, luz amarga e aflita,
Das Ilusões tantálico gemido,
Virgem da Noite, do luar dorido,
Com toda a tua Dor oh! sĂŞ bendita!Seja bendito esse clarĂŁo eterno
De sol, de sangue, de veneno e inferno,
De guerra e amor e ocasos de saudade…Sejam benditas, imortalizadas
As almas castamente amortalhadas
Na tua estranha e branca Majestade!
Sonetos sobre Sol de Cruz e Souza
77 resultadosCampesinas I
Camponesa, camponesa,
Ah! quem contigo vivesse
Dia e noite e amanhecesse
Ao sol da tua beleza.Quem livre, na natureza,
Pelos campos se perdesse
E apenas em ti sĂł cresse
E em nada mais, camponesa.Quem contigo andasse Ă toa
Nas margens duma lagoa,
Por vergéis e por desertos,Beijando-te o corpo airoso,
TĂŁo fresco e tĂŁo perfumoso,
Cheirando a figos abertos.
Escravocratas
Oh! trânsfugas do bem que sob o manto régio
Manhosos, agachados — bem como um crocodilo,
Viveis sensualmente à luz dum privilégio
Na pose bestial dum cágado tranqüilo.Eu rio-me de vós e cravo-vos as setas
Ardentes do olhar — formando uma vergasta
Dos raios mil do sol, das iras dos poetas,
E vibro-vos a espinha — enquanto o grande bastaO basta gigantesco, imenso, extraordinário —
Da branca consciĂŞncia — o rĂştilo sacrário
No tĂmpano do ouvido — audaz me nĂŁo soar.Eu quero em rude verso altivo adamastĂłrico,
Vermelho, colossal, d’estrĂ©pito, gongĂłrico,
Castrar-vos como um touro — ouvindo-vos urrar!
Inverno
Amanheceu – no topo da colina
Um céu de madrepérola se arqueia
Limpo, lavado, reluzindo – ondeia
O perfume da selva esmeraldina.Uma luz virginal e cristalina,
Como de um rio a transbordante cheia,
Alaga as terras culturais e arreia
De pingos d’ouro os verdes da campina.Um sol pagĂŁo, de um louro gema d’ovo,
Já tão antigo e quase sempre novo
Surge na frĂgida estação do inverno.– Chilreiam muito em árvores frondosas
Pássaros – fulge o orvalho pelas rosas
Como o vigor no espĂrito moderno.
Primavera A Fora
Escute, excelentĂssima: — Que aragens
Traz do árvoredo a fresca romaria;
Como este sol Ă© rubro de alegria,
Que tons de luz nas lĂmpidas paisagens.Pois beba este ar e goze estas viagens
Das brancas aves, sinta esta harmonia
Da natureza e deste alegre dia
Que resplandece e ri-se nas ervagens.Deixe lá fora estrangular-se o mundo…
Encare o céu e veja este fecundo
Chão que produz e que germina as flores.Vamos, senhora, o braço à primavera,
E numa doce mĂşsica sincera,
Cante a balada eterna dos amores…
Tulipa Real
Carne opulenta, majestosa, fina,
Do sol gerada nos febris carinhos,
Há músicas, há cânticos, há vinhos
Na tua estranha boca sulferina.A forma delicada e alabastrina
Do teu corpo de lĂmpidos arminhos
Tem a frescura virginal dos linhos
E da neve polar e cristalina.Deslumbramento de luxĂşria e gozo,
Vem dessa carne o travo aciduloso
De um fruto aberto aos tropicais mormaços.Teu coração lembra a orgia dos triclĂnios…
E os reis dormem bizarros e sangĂĽĂneos
Na seda branca e pulcra dos teus braços.
ManhĂŁ
Alta alvorada. — Os Ăşltimos nevoeiros
A luz que nasce levemente espalha;
Move-se o bosque, a selva que farfalha
Cheia da vida dos clarões primeiros.Da passarada os vôos condoreiros,
Os cantos e o ar que as árvores ramalha
Lembram combate, estrĂdula batalha
De elementos contrários e altaneiros.Vozes, trinados, vibrações, rumores
Crescem, vĂŁo se fundindo aos esplendores
Da luz que jorra de invisĂvel taça.E como um rei num galeĂŁo do Oriente
O sol põe-se a tocar bizarramente
Fanfarras marciais, trompas de caça.
Tortura Eterna
ImpotĂŞncia cruel, Ăł vĂŁ tortura!
Ó Força inútil, ansiedade humana!
Ă“ cĂrculos dantescos da loucura!
Ă“ luta, Ă“ luta secular, insana!Que tu nĂŁo possas, Alma soberana,
Perpetuamente refulgir na Altura,
Na Aleluia da Luz, na clara Hosana
Do Sol, cantar, imortalmente pura.Que tu nĂŁo posses, Sentimento ardente,
Viver, vibrar nos brilhos do ar fremente,
Por entre as chamas, os clarões supernos.Ă“ Sons intraduzĂveis, Formas, Cores!…
Ah! que eu nĂŁo possa eternizar as cores
Nos bronzes e nos mármores eternos!
Canção Da Formosura
Vinho de sol ideal canta e cintila
Nos teus olhos, cintila e aos lábios desce,
Desce a boca cheirosa e a empurpurece,
Cintila e canta apĂłs dentre a pupila.Sobe, cantando, a limpidez tranqĂĽila
Da tu’alma estrelada e resplandece,
Canta de novo e na doirada messe
Do teu amor, se perpetua e trila…Canta e te alaga e se derrama e alaga…
Num rio de ouro, iriante, se propaga
Na tua carne alabastrina e pura.Cintila e canta na canção das cores,
Na harmonia dos astros sonhadores,
A Canção imortal da Formosura!
Clamando
Bárbaros vĂŁos, dementes e terrĂveis
Bonzos tremendos de ferrenho aspeto,
Ah! deste ser todo o clarĂŁo secreto
Jamais pĂ´de inflamar-vos, ImpassĂveis!Tantas guerras bizarras e incoercĂveis
No tempo e tanto, tanto imenso afeto,
SĂŁo para vĂłs menos que um verme e inseto
Na corrente vital pouco sensĂveis.No entanto nessas guerras mais bizarras
De sol, clarins e rĂştilas fanfarras,
Nessas radiantes e profundas guerras…As minhas carnes se dilaceraram
E vão, das Ilusões que flamejaram,
Com o prĂłprio sangue fecundando as terras…
Campesinas VI
As uvas pretas em- cachos
DĂŁo agora nas latadas…
Que lindo tom de alvoradas
Na vinha, junto aos riachos.Este ano arados e sachos
Deixaram terras lavradas,
Ă€ espera das inflamadas
Ondas do sol, como fachos.Veio o sol e fecundou-as,
Deu-lhes vigor, enseivou-as,
Tornou-as férteis de amor.Eis que as vinhas rebentaram
E as uvas amaduraram,
SanguĂneas, com sol na cor.
Ao EstrĂdulo Solene Dos Bravos
–Â Os TrĂłpicos pulando as palmas batem…
Em pĂ© nas ondas – O Equador dá vivas!…Ao estrĂdulo solene dos bravos! das platĂ©ias,
Prossegues altaneira, oh! Ădolo da arte!…
– O sol pára o curso p’ra bem de admirar-te
– O sol, o grande sol, o misto das idĂ©ias.A velha natureza escreve-te odissĂ©ias…
A estrela, a nĂvea concha, o arbusto… em toda a parte
Retumba a doce orquestra que ousa proclamar-te
Assombro do ideal, em duplas melopéias!Perpassam vagos sons na harpa do mistério
Lá, quando no proscênio te ergues imperando
– Oh! ĂŤbis magistral do mundo azul – sidĂ©rio!EntĂŁo da imensidade, audaz vem reboando
De palmas o tufão, veloz, febril, aéreo
Que cai dentro das almas e as vai arrebatando!…
Celeste
Aos corações ideais
Lembra-me ainda — ao lado de um repuxo,
Pela brancura de um luar de agosto,
O teu maninho, um loiro pequerrucho
Brincava, rindo, te afagando o rosto…Lembra-me ainda — as sombras do sol posto,
Numa saleta sem brasões de luxo,
De alguns bordados de fineza e gosto
Delineavas o gentil debuxo…E o gás que forte e cintilante ardia,
Te iluminava, te alagava… ria…
Da luz ficavas no imponente abrigo.E agora… deixa que ao cair da noite,
Esta lembrança dentro de mim se acoite,
Como a andorinha no telhado amigo!
Satanismo
NĂŁo me olhes assim, branca Arethusa,
Peregrina inspiração dos meus cantares;
NĂŁo me deixes a razĂŁo vagar confusa
Ao relâmpago ideal de teus olhares.Não me olhes, oh! não, porquanto eu penso
Envolvido no luar das minhas cismas,
Que o olhar que me dardejas — doido, imenso
Tem a rápida explosão dos aneurismas.Não me olhes. Oh! não, que o próprio inferno
Problemático, fatal, cálido, eterno,
Nos teus olhos, mulher, se foi cravar!…NĂŁo me olhes, oh! nĂŁo, que m’entolece
Tanta luz, tanto sol — e atĂ© parece
Que tens mĂşsicas cruĂ©is dentro do olhar!…
A Partida
Partimos muito cedo — A madrugada
Clara, serena, vaporosa e fresca,
Tinha as nuances de mulher tudesca
De fina carne esplĂŞndida e rosada.Seguimos sempre afora pela estrada
Franca, poeirenta, alegre e pitoresca,
Dentre o frescor e a luz madrigalesca
Da natureza aos poucos acordada.Depois, no fim, lá de algum tempo — quando
Chegamos nĂłs ao termo da viagem,
Ambos joviais, a rir, cantarolando,Da mesma parte do levante, de onde
SaĂmos, pois, faiscava na paisagem
O sol, radioso e altivo como um conde.
Amor
Nas largas mutações perpétuas do universo
O amor Ă© sempre o vinho enĂ©rgico, irritante…
Um lago de luar nervoso e palpitante…
Um sol dentro de tudo altivamente imerso.NĂŁo há para o amor ridĂculos preâmbulos,
Nem mesmo as convenções as mais superiores;
E vamos pela vida assim como os noctâmbulos
Ă fresca exalação salĂşbrica das flores…E somos uns completos, cĂ©lebres artistas
Na obra racional do amor — na heroicidade,
Com essa intrepidez dos sábios transformistas.Cumprimos uma lei que a seiva nos dirige
E amamos com vigor e com vitalidade,
A cor, os tons, a luz que a natureza exige!…
Um Dia Guttemberg
Um dia Guttemberg c’o a alma aos cĂ©us suspensa,
Pegou do escopro ingente e pĂ´s-se a trabalhar!
E fez do velho mundo um rútilo alcançar
Ao mágico clangor de sua idéia imensa!Rolou por todo o globo a luz da sacra imprensa!
Ruiu o despotismo no pĂł, a esbravejar…
Uniram-se n’um lago, o cĂ©u, a terra, o mar…
Rasgou-se o manto atroz da horrĂvel treva densa!…Ergueram-se mil povos ao som das melopĂ©ias,
Das grandes cavatinas olĂmpicas da arte!
Raiou o novo sol das fĂşlgidas idĂ©ias!…PorĂ©m, quem lance luz maior por toda a parte
És tu, sublime atriz, ó misto de epopéias
Que sabes no tablado subir, endeusar-te!…
Metamorfose
A Carlos Ferreira
O sol em fogo pelo ocaso explode
Nesse estertor, que os crânios assoberba.
Vivo, o clarĂŁo, nuns frocos exacerba
Dos ideais a original nevrose.Da natureza os anafis mouriscos
Ante o cariz da atmosfera muda,
Soam queixosos, numa nota aguda,
Da luz que esvai-se aos derradeiros discos.O pensamento que flameja e luta
Nos ares rasga aprofundado sulco…
A sombra desce nos lisins da gruta;E a lua nova — a peregrina Onfale,
Como em um plaustro luminoso, hiulco,
Surge através dos pinheirais do vale.
Vinho Negro
O vinho negro do imortal pecado
Envenenou nossas humanas veias
Como fascinações de atras sereias
E um inferno sinistro e perfumado.O sangue canta, o sol maravilhado
Do nosso corpo, em ondas fartas, cheias.
como que quer rasgar essas cadeias
Em que a carne o retém acorrentado.E o sangue chama o vinho negro e quente
Do pecado letal, impenitente,
O vinho negro do pecado inquieto.E tudo nesse vinho mais se apura,
Ganha outra graça, forma e formosura,
Grave beleza d’esplendor secreto.
Ninho Abandonado
Ă€ distinta famĂlia Simas, pela morte de seu chefe,
o Ilmo. Sr. JoĂŁo da Silva Simas.O vosso lar harmĂ´nico e tranqĂĽilo
Era um ninho de luz e de esperanças
Que como abelhas iriadas, mansas,
Nos vossos corações tinham asilo.Havia lá por dentro tanta crença
E tanto amor purĂssimo, cantando,
Que parecia um largo sol faiscando
Por majestosa catedral imensa.Agora o ninho está desamparado!
Sumiu-se dele o pássaro adorado,
O mais ideal dos pássaros do ninho.Não se ouve mais a música sonora
Da sua voz — dentro do ninho, agora,
Paira a saudade como um bom carinho.