Voz Que Se Cala
Amo as pedras, os astros e o luar
Que beija as ervas do atalho escuro,
Amo as ĂĄguas de anil e o doce olhar
Dos animais, divinamente puro.Amo a hera que entende a voz do muro
E dos sapos, o brando tilintar
De cristais que se afagam devagar,
E da minha charneca o rosto duro.Amo todos os sonhos que se calam
De coraçÔes que sentem e não falam,
Tudo o que Ă© Infinito e pequenino!Asa que nos protege a todos nĂłs!
Soluço imenso, eterno, que é a voz
Do nosso grande e mĂsero Destino!…
Sonetos sobre Soluços de Florbela Espanca
7 resultadosVersos
Versos! Versos! Sei lĂĄ o que sĂŁo versos…
Pedaços de sorriso, branca espuma,
Gargalhadas de luz, cantos dispersos,
Ou pĂ©talas que caem uma a uma…Versos!… Sei lĂĄ! Um verso Ă© o teu olhar,
Um verso Ă© o teu sorriso e os de Dante
Eram o teu amor a soluçar
Aos pĂ©s da sua estremecida amante!Meus versos!… Sei eu lĂĄ tambĂ©m que sĂŁo…
Sei lĂĄ! Sei lĂĄ!… Meu pobre coração
Partido em mil pedaços sĂŁo talvez…Versos! Versos! Sei lĂĄ o que sĂŁo versos…
Meus soluços de dor que andam dispersos
Por este grande amor em que nĂŁo crĂȘs…
Noite De Chuva
Chuva…Que gotas grossas!…Vem ouvir:
Uma …duas…mais outra que desceu…
Ă Viviana, Ă© Melusina, a rir,
SĂŁo rosas brancas dum rosal do CĂ©u…Os lilases deixaram-se dormir…
Nem um frĂ©mito…a terra emudeceu…
Amor! Vem ver estrelas a cair:
Uma…duas…mais outra que desceu…Fala baixo, juntinho ao meu ouvido,
Que essa fala de amor seja um gemido,
Um murmĂșrio, um soluço, um ai desfeito…Ah! deixa Ă noite o seu encanto triste!
E a mim…o teu amor que mal existe,
Chuva a cair na noite do meu peito!
A Anto!
Poeta da saudade, Ăł meu poeta quÂŽrido
Que a morte arrebatou em seu sorrir fatal,
Ao escrever o SĂł pensaste enternecido
Que era o mais triste livro deste Portugal,Pensaste nos que liam esse teu missal,
Tua bĂblia de dor, teu chorar sentido
Temeste que esse altar pudesse fazer mal
Aos que comungam nele a soluçar contigo!à Anto! Eu adoro os teus estranhos versos,
Soluços que eu uni e que senti dispersos
Por todo o livro triste! Achei teu coração…Amo-te como nĂŁo te quis nunca ninguĂ©m,
Como se eu fosse, Ăł Anto, a tua prĂłpria mĂŁe
Beijando-te jĂĄ frio no fundo do caixĂŁo!
Ă Tua Porta HĂĄ um Pinheiro Manso
Ă tua porta hĂĄ um pinheiro manso
De cabeça pendida, a meditar,
Amor! Sou eu, talvez, a contemplar
Os doces sete palmos do descanso.Sou eu que para ti atiro e lanço,
Como um grito, meus ramos pelo ar,
Sou eu que estendo os braços a chamar
Meu sonho que se esvai e não alcanço.Eu que do sol filtro os ruivos brilhos
Sobre as louras cabeças dos teus filhos
Quando o meio-dia tomba sobre a serra…E, Ă noite, a sua voz dolente e vaga
à o soluço da minha alma em chaga:
Raiz morta de sede sob a terra!
Outonal
Caem as folhas mortas sobre o lago!
Na penumbra outonal, nĂŁo sei quem tece
As rendas do silĂȘncio…Olha, anoitece!
— Brumas longĂnquas do PaĂs Vago…Veludos a ondear…MistĂ©rio mago…
Encantamento…A hora que nĂŁo esquece,
A luz que a pouco e pouco desfalece,
Que lança em mim a bĂȘnção dum afago…Outono dos crepĂșsculos doirados,
De pĂșrpuras, damascos e brocados!
— Vestes a Terra inteira de esplendor!Outono das tardinhas silenciosas,
Das magnĂficas noites voluptuosas
Em que soluço a delirar de amor…
Interrogação
A Guido Batelli
Neste tormento inĂștil, neste empenho
De tornar em silĂȘncio o que em mim canta,
Sobem-me roucos brados Ă garganta
Num clamor de loucura que contenho.Ă alma de charneca sacrossanta,
IrmĂŁ da alma rĂștila que eu tenho,
Dize pra onde vou, donde Ă© que venho
Nesta dor que me exalta e me alevanta!VisÔes de mundos novos, de infinitos,
CadĂȘncias de soluços e de gritos,
Fogueira a esbrasear que me consome!Dize que mĂŁo Ă© esta que me arrasta?
NĂłdoa de sangue que palpita e alastra…
Dize de que Ă© que eu tenho sede e fome?!