Salomé
Insónia rôxa. A luz a virgular-se em mêdo,
Luz morta de luar, mais Alma do que a lua…
Ela dança, ela range. A carne, alcool de nua,
Alastra-se pra mim num espasmo de segrêdo…Tudo é capricho ao seu redór, em sombras fátuas…
O arôma endoideceu, upou-se em côr, quebrou…
Tenho frio… Alabastro!… A minh’Alma parou…
E o seu corpo resvala a projectar estátuas…Ela chama-me em Iris. Nimba-se a perder-me,
Golfa-me os seios nus, ecôa-me em quebranto…
Timbres, elmos, punhais… A doida quer morrer-me:Mordoura-se a chorar–ha sexos no seu pranto…
Ergo-me em som, oscilo, e parto, e vou arder-me
Na bôca imperial que humanisou um Santo…
Sonetos sobre Som
85 resultadosPedra Tumular
A minha geração fugiu à guerra,
Por isso a paz que traz não tem sentido:
É feita de ignorância e de castigo,
Tão rígida e tão fria como a pedra.Desfazem-se-lhe as mãos em gestos frágeis,
Duma verdade inútil por vazia,
E a língua imóvel nega o som à vida,
Por hábito ou por falta de coragem.Se há rumores lá de fora, às vezes, lembra:
Porque é que pulsa o coração do mundo,
Precipitado, angustioso, ardente?Mas depressa submerge na indiferença
– Que lhe deram um túmulo seguro;
E o relógio dá-lhe horas certas, sempre.
Música Da Hora
Habito a pausa no hábito da pauta
música de silêncios e soluços
a refrear desmandos dos impulsos
que se querem agudos sons de flauta.A vida é toda música em seu curso
do grito original em rima incauta
ao sussurro que se ouve em cama infausta
nesse fim dissonante do percurso.O tempo se encarrega do metrônomo
unido a dois ponteiros de um cronômetro
em que o delgado veste-se de momopara alegrar as horas do pequeno
que dança a marcha gris em chão sereno
fugindo ao dois por quatro do abandono.
Estio
Saí da Primavera, entrei no Estio
Das fogosas funções da mocidade.
Nesta estação louçã da minha idade,
Entreguei-me às paixões, com desvario.Qual cavalo rinchão, solto com cio,
Saltei desenfreado em liberdade:
Fui escravo da cega divindade
Que tem do cego mundo o senhorio.Largos anos servi tão falso Nume;
Consagrei-lhe, servil, os sons da lira
Acesa em labaredas do seu lume.Em câmbio de o cantar, deu-me a Mentira,
O engano, a ingratidão, o vil ciúme:
Que paga de o servir o homem tira!
Despois Que Quis Amor Que Eu Só Passasse
Despois que quis Amor que eu só passasse
quanto mal já por muitos repartiu,
entregou me à Fortuna, porque viu
que não tinha mais mal que em mim mostrasse.Ela, porque do Amor se avantajasse
no tormento que o Céu me permitiu,
o que para ninguém se consentiu,
para mim só mandou que se inventasse.Eis me aqui vou com vário som gritando,
copioso exemplário para a gente
que destes dous tiranos é sujeita,desvarios em versos concertando.
Triste quem seu descanso tanto estreita,
que deste tão pequeno está contente!