Na Desesperação Jå Repousava
Na desesperação jå repousava
o peito longamente magoado,
e, com seu dano eterno concertado,
jĂĄ nĂŁo temia, jĂĄ nĂŁo desejava;quando ĂŒa sombra vĂŁ me assegurava
que algum bem me podia estar guardado
em tĂŁo fermosa imagem que o treslado
n’alma ficou, que nela se enlevava.Que crĂ©dito que dĂĄ tĂŁo facilmente
o coração åquilo que deseja,
quando lhe esquece o fero seu destino!Oh! deixem-me enganar, que eu sou
contente; que, posto que maior meu dano seja,
fica-me a glĂłria jĂĄ do que imagino.
Sonetos sobre Sombra de LuĂs de CamĂ”es
7 resultadosVejo que nem um Breve Engano Posso Ter
Quando de minhas mĂĄgoas a comprida
Maginação os olhos me adormece,
Em sonhos aquela alma me aparece,
Que para mi foi sonho nesta vida.LĂĄ numa soidade, onde estendida
A vista por o campo desfalece,
Corro apĂłs ela; e ela entĂŁo parece
Que mais de mi se alonga, compelida.Brado: â NĂŁo me fujais, sombra benina. â
Ela (os olhos em mi c’um brando pejo,
Como quem diz que jĂĄ nĂŁo pode ser)Torna a fugir-me; torno a bradar: â Dina…
E antes que diga mene, acordo, e vejo
Que nem um breve engano posso ter.
A Fermosura Fresca Serra
A fermosura fresca serra,
e a sombra dos verdes castanheiros,
o manso caminhar destes ribeiros,
donde toda a tristeza se desterra;o rouco som do mar, a estranha terra,
o esconder do sol pelos outeiros,
o recolher dos gados derradeiros,
das nuvens pelo ar a branda guerra;enfim, tudo o que a rara natureza
com tanta variedade nos ofrece,
me estĂĄ (se nĂŁo te vejo) magoando.Sem ti, tudo me enoja e me aborrece;
sem ti, perpetuamente estou passando
nas mores alegrias, mor tristeza.
Indo O Triste Pastor Todo Embebido
Indo o triste pastor todo embebido
na sombra de seu doce pensamento,
tais queixas espalhava ao leve vento
cum brando suspirar da alma saĂdo:-A quem me queixarei, cego, perdido,
pois nas pedras nĂŁo acho sentimento?
Com quem falo? A quem digo meu tormento
que onde mais chamo, sou menos ouvido?Oh! bela Ninfa, porque nĂŁo respondes?
Porque o olhar-me tanto me encareces?
Porque queres que sempre me querele?Eu quanto mais te vejo, mais te escondes!
Quanto mais mal me vĂȘs, mais te endureces!
Assi que co mal cresce a causa dele.
Pensamentos, Que Agora Novamente
Pensamentos, que agora novamente
cuidados vĂŁos em mim ressuscitais,
dizei me: ainda nĂŁo vos contentais
de terdes, quem vos tem, tĂŁo descontente?Que fantasia Ă© esta, que presente
cad’hora ante meus olhos me mostrais?
Com sonhos e com sombras atentais
quem nem por sonhos pode ser contente?Vejo vos, pensamentos, alterados
e nĂŁo quereis, d’esquivos, declarar me
que Ă© isto que vos traz tĂŁo enleados?NĂŁo me negueis, se andais para negar me;
que, se contra mim estais alevantados,
eu vos ajudarei mesmo a matar me.
Despois Que Viu Cibele O Corpo Humano
Despois que viu Cibele o corpo humano
do fermoso Ătis seu verde pinheiro,
em piedade o vĂŁo furar primeiro
convertido, chorou seu grave dano.E, fazendo a sua dor ilustre engano,
a JĂșpiter pediu que o verdadeiro
preço da nova palma e do loureiro,
ao seu pinheiro desse, soberano.Mais lhe concede o filho poderoso
que, as estrelas, subindo, tocar possa,
vendo os segredos lĂĄ do CĂ©u superno.Oh! ditoso Pinheiro! Oh! mais ditoso
quem se vir coroar da folha vossa,
cantando Ă vossa sombra verso eterno!
Num Bosque Que Das Ninfas Se Habitava
Num bosque que das Ninfas se habitava
SĂlvia, Ninfa linda, andava um dia;
subida nĂŒa ĂĄrvore sombria,
as amarelas flores apanhava.Cupido, que ali sempre costumava
a vir passar a sesta Ă sombra fria,
num ramo o arco e setas que trazia,
antes que adormecesse, pendurava.A Ninfa, como idĂłneo tempo vira
para tamanha empresa, nĂŁo dilata,
mas com as armas foge ao Moço esquivo.As setas traz nos olhos, com que tira:
-Ă pastores! fugi, que a todos mata,
senĂŁo a mim, que de matar me vivo.